Mais de 700 palestinos foram mortos por ataques aéreos israelenses na Faixa de Gaza nas últimas 24 horas, afirma o Ministério da Saúde administrado pelo grupo islâmico Hamas.
Por David Gritten | BBC News
Já os militares de Israel alegam que atingiram 400 “alvos terroristas” e mataram vários comandantes do Hamas no mesmo período. O exército israelense declarou também que não vai reduzir seus ataques, apesar da libertação de mais dois reféns pelo Hamas.
Vários locais na cidade de Khan Younis, no sul de Gaza, foram alvo de ataques israelenses durante a noite de terça-feira © BBC |
Entretanto, as agências de ajuda da Organização das Nações Unidas (ONU) apelaram a um corredor humanitário seguro, alertando que a Faixa está de "de joelhos".
Um terço dos hospitais em Gaza já não funciona devido à escassez de electricidade, medicamentos e profissionais, e a falta de água potável também é crítica.
Israel lançou a sua campanha de bombardeios contra o Hamas - que Israel, o Reino Unido, os Estados Unidos classificam como uma organização terrorista - em resposta ao ataque sem precedentes do grupo islâmico, em 7 de outubro, quando pelo menos 1,4 mil pessoas foram mortas e outras 222 foram feitas reféns.
Quase 5.800 pessoas foram mortas em Gaza desde então, segundo o Ministério da Saúde.
Intensos ataques aéreos israelenses durante a noite atingiram centenas de locais em Gaza.
Nesta terça-feira, o secretário-geral da ONU, Antório Guterrez, disse estar “profundamente preocupado com as claras violações do direito humanitário internacional que estamos testemunhando em Gaza.”
Guterrez disse condenar tanto o “uso de civis como escudos humanos” quanto os bombardeios no sul de Gaza.
A declaração de Guterrez gerou falar raivosas entre os diplomatas israelense. Embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan, pediu a “renúncia imediata” do secretário-geral. Já o ministro das Relações Exteriores de Israel, Eli Cohen, afirmou: “Em que mundo ele vive?”.
Alguns dos mortos nas cidades de Khan Younis e Rafah, no sul, eram pessoas que fugiram do norte em resposta a uma ordem militar israelense para evacuar a área, disseram autoridades locais.
Entre eles estão 13 membros de uma família da Cidade de Gaza, que estavam hospedados em um edifício residencial em Qarara, na periferia nordeste de Khan Younis, onde a população em poucos dias aumentou de 400 mil para 1,2 milhão de pessoas.
Um homem que sobreviveu ao ataque afirmou: "Estávamos dormindo e de repente aconteceu uma grande explosão. Toda a minha família está morta."
Rushdi Abu Alouf, repórter da BBC em Gaza, diz que o cenário era de tristeza, choque e raiva no hospital da cidade na manhã desta terça-feira, quando os corpos foram retirados do necrotério e levados para os enterros. Os sobreviventes disseram que “não havia lugar seguro” em Gaza.
Mais tarde, cerca de 20 pessoas teriam sido mortas em um ataque a um edifício residencial na área densamente povoada de Amal, em Khan Younis.
O Ministério da Saúde administrado pelo Hamas disse que estas foram as 24 horas mais mortíferas da guerra até agora, com 704 vítimas, incluindo 305 crianças, 173 mulheres e 78 idosos. Isso elevou o número total de mortos em Gaza para 5.791, acrescentou.
As Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) disseram na manhã de terça-feira que seus foguetes atingiram "dezenas de infraestruturas terroristas e locais de preparação do Hamas" em várias áreas do norte e ao redor da Cidade de Gaza, bem como um "túnel operacional do Hamas" perto da costa do Mediterrâneo.
Segundo Israel, os bombardeios também atingiram centros de comando do Hamas e locais de preparação localizados em mesquitas, matando os vice-comandantes de três batalhões da ala militar do Hamas, e também atingiram dezenas de homens armados do Hamas que se preparavam para disparar foguetes contra Israel.
“Queremos levar o Hamas a um estado de desmantelamento total – seus líderes, seu ramo militar e seus mecanismos de trabalho”, disse o chefe do Estado-Maior das IDF, tenente-general Herzi Halevi. “O caminho é um caminho de ataques implacáveis, prejudicando o Hamas em todos os lugares e de todas as formas”.
Ele também disse que as tropas israelenses concentradas perto do perímetro de Gaza estavam “bem preparadas para as operações terrestres” – uma referência a uma potencial invasão.
O general falou antes de o Hamas libertar duas idosas israelenses - Yocheved Lifshitz, 85, e Nurit Cooper, 79 - que foram feitas reféns no kibutz Nir Oz, perto de Gaza, no dia 7 de outubro. Outras pessoas que viviam no local foram mortas e os maridos das mulheres continuam entre os reféns.
Entretanto, a situação humanitária em Gaza estpa cada vez mais precária, com escassez de alimentos, água e abrigo para os 1,4 milhões de pessoas que fugiram das suas casas.
O Ministério da Saúde alertou que o sistema de atendimento do território poderia entrar em colapso e que 12 dos 32 hospitais em Gaza ficariam fora de serviço. Os outros estão ficando sem combustível e a executando apenas os serviços mais essenciais.
Uma porta-voz da agência da ONU para os refugiados palestinos, conhecida pela sigla UNRWA e que dirige a maior operação humanitária em Gaza, alertou que também quase esgotou os seus estoques de combustível.
“Se não conseguirmos combustível urgentemente, seremos forçados a interromper as nossas operações na Faixa de Gaza a partir de quarta-feira à noite”, disse Juliette Touma à BBC.
Em um comunicado a partir de Genebra, a UNRWA disse que apenas 54 caminhões de ajuda foram autorizados a atravessar a passagem de Rafah, controlada pelo Egipto, desde 21 de outubro. Antes disso, Gaza recebia cerca de 500 caminhões por dia.
O acesso à região também é um desafio.
A ONU diz não ter recebido as garantias de segurança necessárias para permitir a entrega de ajuda em Gaza, incluindo a região norte, onde milhares de pessoas, algumas delas gravemente feridas, permanecem apesar da ordem de evacuação de Israel.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou que, embora a entrada de alguns suprimentos médicos tenha sido permitida, eles não eram suficientes para atender às necessidades.
Profissionais de saúde de prontidão no Egito também não foram autorizados a acompanhar os suprimentos.
A OMS sublinhou que o combustível, que até agora não foi autorizado a entrar, era essencial para fábricas de dessalinização, padarias e hospitais.
A escassez de água potável é crítica, uma vez que as pessoas só têm acesso a 1 a 3 litros de água por dia. O mínimo básico para o consumo de uma pessoa é de 15 litros por dia, segundo a OMS.
O Programa Alimentar Mundial, órgão da ONU, afirma que reduziu as rações alimentares em um esforço para garantir a entrega ao maior número de pessoas possível.
Emad Abuaassi, que se mudou há 10 meses de Blackpool, na Inglaterra, para o norte de Gaza com a sua mulher e quatro filhos, disse à BBC que agora vivem em apartamento de dois quartos em Khan Younis com cerca de 50 outras pessoas.
"Estamos lutando por tudo. Conseguimos comer meio sanduíche - eu e meus filhos nesta manhã", disse ele. "A fila é de 800 metros por um saco de pão. Não sei o que vai acontecer nos próximos dois ou três dias.”
Israel concordou em limitar a entrega de ajuda humanitária que não seja combustível, dizendo que esse suprimento em especial poderia ser roubado e explorado pelo Hamas para fins militares.
Um porta-voz das IDF postou na terça-feira uma foto de satélite mostrando 12 tanques de combustível perto de Rafah, que, segundo ele, continham centenas de milhares de litros de diesel pertencentes ao Hamas.
Ele alegou que o grupo “rouba o diesel dos civis e o transfere para túneis, lançadores [de foguetes] e altos funcionários”.
Espera-se que outros 20 caminhões de ajuda cheguem a Gaza na terça-feira via Rafah.
Muitos mais estão à espera no lado egípcio da fronteira, mas autoridades do Egito disseram à BBC que as entregas estavam atrasadas por conta de verificações nos comboios de ajuda realizadas por Israel.
Colaboração de Imogen Foulkes em Genebra