O Conselho de Segurança das Nações Unidas deu luz verde na segunda-feira (2) ao envio ao Haiti de uma força multinacional liderada pelo Quênia para ajudar a polícia, dominada por gangues, uma missão solicitada há um ano por Porto Príncipe. Esta foi a primeira sessão liderada pelo Brasil, que está na presidência rotativa do órgão neste mês.
RFI
“Queremos reafirmar a firmeza e a importância do respeito pela soberania, independência, integridade territorial e unidade do Haiti”, declarou em discurso o embaixador do Brasil na ONU, Sérgio França Danese. “É absolutamente imperativo abordar as causas estruturais subjacentes à violência e à vulnerabilidade do país. É também óbvio que um amplo consenso político nacional no Haiti é urgente e insubstituível.”
"É sinônimo de esperança", diz morador de Porto Príncipe após ONU aprovar envio de força internacional ao Haiti© AP - Odelyn Joseph |
O Brasil já liderou uma das missões internacionais enviadas ao Haiti, a Minustah (Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti), por mais de dez anos.
De acordo com a resolução aprovada por treze votos a favor e duas abstenções - China e Rússia - após difíceis negociações, a “missão multinacional de apoio à segurança” não ligada à ONU é criada por “um período inicial de doze meses”, com uma reavaliação após nove meses. O objetivo é “fornecer apoio operacional à polícia haitiana” na sua luta contra gangues e na segurança de escolas, portos, hospitais e aeroportos; além de melhorar a segurança o suficiente para organizar eleições, que não são realizadas desde 2016. Foram cometidos 2.800 assassinatos entre outubro e junho do ano passado.
Danese insistiu que a missão de apoio deve “garantir condições de segurança para que o povo haitiano possa reconstruir as instituições democráticas e administrativas do seu país e retomar a atividade econômica”.
O representante brasileiro enumerou prerrogativas para que a nova missão tenha sucesso: estabelecimento de um embargo de armas e desarmamento de gangues; negociação de um acordo político; realização de eleições livres, uma vez garantida a segurança; ajuda humanitária e apoio internacional para o desenvolvimento.
A missão será coordenada pelo Quênia, que já prometeu mil agentes policiais – mesmo que o seu Parlamento ainda tenha que validar a decisão. Os agentes da polícia estrangeiros treinarão os seus homólogos haitianos e ajudarão a proteger os pontos críticos da ilha para que a vida quotidiana possa voltar ao normal. O Conselho autoriza os policiais a empregar “medidas de emergência”, incluindo “realizar prisões”.
A decisão foi elogiada por Jean-Victor Génus, ministro das Relações Exteriores do Haiti. “É uma esperança para as pessoas que sofreram durante tempo demais as consequências de uma difícil situação política, socioeconômica, de segurança e humanitária. Os membros do Conselho de Segurança tomaram hoje uma decisão que está à altura do desafio. A resolução hoje votada tem um grande significado histórico”.
O chefe da diplomacia haitiana espera que outros países ofereçam a sua contribuição. Além dos policiais do Quênia, Jamaica, Bahamas, Barbados e Antígua já se ofereceram para fornecer homens. Os Estados Unidos anunciaram que vão liberar US$ 100 milhões a essa força.
A China e a Rússia abstiveram-se de votar a favor da resolução: Pequim acredita que esta força não será suficiente sem uma resolução política para a crise. Quanto a Moscou, ela considera que é uma decisão tomada precipitadamente e que carece de discernimento, relata a correspondente da RFI em Nova York, Carrie Nooten.
"Será necessário definir claramente o mandato da missão e sua organização para evitar a repetição dos abusos sofridos no passado, como os casos de violações de direitos humanos", declarou à RFI Gédéon Jean, diretor da ONG haitiana Centro de Análise e de Pesquisa em Direitos Humanos.
"Enquanto isso, devemos fortalecer a polícia nacional haitiana para limitar a progressão das gangues, porque a força de segurança internacional entrará em vigor somente em janeiro, como indicou o governo. Ao mesmo tempo, a cooperação internacional deve garantir que todas as medidas necessárias sejam tomadas para iniciar certas reformas no âmbito da governança e proteger a população. Isso é fundamental para enfrentar as causas estruturais da violência e da criminalidade no Haiti. Então, é uma primeira vitória", declarou.
Entre esperança e fracasso
China e Rússia fizeram com que as negociações se arrastassem, mas não impediram a criação da força. Dada a situação alarmante no Haiti, não queriam atrair a animosidade da comunidade internacional. A China pressionou especialmente para que o Conselho declarasse um embargo total às armas leves, como uma forma de apontar o dedo aos Estados Unidos, já que a maior parte do tráfico de armas provém de solo americano.
A resolução não especifica a composição da missão, lembrando que o cronograma de desdobramento e o número de efetivos serão desenvolvidos pelos futuros participantes junto ao governo haitiano. O número de 2.000 membros da polícia tem, no entanto, sido frequentemente mencionado nos últimos meses.
No Haiti, a votação era aguardada com ansiedade por parte da população. “É sinônimo de esperança”, disse um jovem morador de Porto Príncipe, à correspondente da RFI, Marie André Bélange. “Mas a parte mais difícil continua em suspenso, isto é, a coordenação no terreno: temos de encontrar uma forma de fazer com que essa força trabalhe em conjunto com as forças de segurança no Haiti”, acrescentou.