Um ataque aéreo contra um comboio de palestinos que fugia do norte de Gaza deixou ao menos 12 pessoas mortas, entre mulheres e crianças, algumas com idades entre dois e cinco anos. O Ministério da Saúde palestino culpou Israel pelo ataque. Já Israel afirmou que está investigando o ocorrido.
BBC News
A BBC confirmou que o ataque ocorreu na rua Salah-al-Din, uma estrada importante que liga o norte ao sul de Gaza e uma das duas rotas de evacuação propostas pelo governo israelense para a retirada de civis.
Famílias palestinas deixam suas residências no norte da Faixa de Gaza | GETTY IMAGES |
A estrada esteve muito movimentada durante toda a sexta-feira (13/10), enquanto moradores do norte de Gaza seguiam o ultimato de Israel para desocupar a área antes de uma possível incursão por terra das forças israelenses.
Pelo menos 12 cadáveres são visíveis nas imagens, a maioria mulheres e crianças. O posicionamento das sombras no vídeo sugere que ele foi filmado por volta das 17h30, horário local.
A maioria é vista deitada na traseira de um caminhão — outros estão espalhados pela estrada.
Outros veículos danificados também estão espalhados pela área.
O Ministério da Saúde palestino afirma que 70 pessoas morreram no local e culpa Israel pelo ataque.
As Forças de Defesas de Israel (IDF, na sigla em inglês) afirmam que estão investigando o incidente, mas que seus inimigos estão tentando impedir que os civis deixem o norte.
Neste sábado (14/10), Israel informou a civis palestinos que vivem no norte de Gaza que usassem duas estradas para seguir para o sul, entre 10h e 16h (4h às 10h de Brasília) "sem qualquer dano", escreveu em árabe o porta-voz da IDF, Avichay Adraee, no X, antigo Twitter.
Aqueles que vivem na Cidade de Gaza foram aconselhados a deslocar-se para sul, de Beit Hanoun para Khan Yunis, antes de uma potencial ofensiva terrestre.
As pessoas que vivem perto da praia e a oeste de Zeitoun também poderão circular pelas ruas Daldul e Al-Sana em direção a Salah Al-Din e Al-Bahr, acrescentou Adraee.
Isso ocorre depois que autoridades israelenses avisaram aos moradores da Faixa de Gaza que o norte da região deveriam ser desocupado em 24 horas, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). O prazo foi depois alongado por algumas horas, mas já terminou.
Isso significa que todos os residentes, incluindo mais de 1 milhão de moradores da Cidade de Gaza, devem abandonar suas casas e se dirigirem ao sul da Faixa, para sua "segurança e proteção".
Após o ultimato, civis palestinos estão fugindo do norte de Gaza de carro, na carroceria de caminhões e a pé rumo ao sul do país. Muitos, no entanto, não têm para onde ir.
A ordem de evacuação foi divulgada ao mesmo tempo em que as forças militares de Israel reúnem um enorme contingente ao redor da Faixa de Gaza, o que cria a expectativa de uma iminente invasão por terra.
Segundo a ONU, uma invasão teria uma "devastadora consequência humanitária" e pediu que Israel reconsidere a ordem de evacuação.
O correspondente da BBC em Jerusalém, Tom Bateman, diz que a ordem de Israel é praticamente impossível de ser cumprida.
"São mais de um milhão de pessoas a serem deslocadas em 24 horas, o que equivale a 40 mil a cada hora", assinala Bateman.
Em entrevista para a agência de notícias AP, uma porta-voz do Crescente Vermelho, Nebal Farsakh, manifestou preocupação com os feridos que não podem ser removidos.
"E nossos pacientes? Nós temos gente ferida, idosos, crianças internadas em nossos hospitais.”
Ela acrescentou que diversos médicos estão se recusando a deixar os hospitais e abandonar seus pacientes.
'Próxima etapa está chegando'
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, compartilhou um vídeo no X, em que visita e conversa com os soldados do Exército israelense.
Na postagem, ele escreveu: "Com os soldados na linha de frente com Gaza. Estamos todos prontos".
Segundo uma declaração separada de seu gabinete, Netanyahu disse à infantaria israelense fora da Faixa de Gaza: "Vocês estão prontos para a próxima fase? A próxima fase está chegando".
Israel diz ter matado líder do Hamas
Na manhã deste sábado, Israel negou notícias veiculadas na imprensa israelense de que o governo teria recuperado corpos de alguns reféns sequestrados pelo grupo militante palestino Hamas durante o ataque da semana passada.
Estima-se que cerca de 150 reféns estejam nas mãos do grupo, impondo um dilema operacional e estratégico para as ações israelenses.
O porta-voz das Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês), tenente-coronel Richard Hecht, disse: "Esta afirmação não é precisa. Não possuímos informações sobre este assunto".
Ainda neste sábado, Hecht disse que Israel "lamenta muito" pela morte de um jornalista da agência de notícias Reuters durante um bombardeio ao longo da fronteira com o Líbano na sexta-feira (13/10), informou a agência de notícias AFP.
No entanto, ele não reconheceu a responsabilidade de Israel pelo bombardeio.
"Estamos investigando", disse Hecht sobre o incidente no qual outros seis jornalistas, incluindo dois da AFP, também ficaram feridos.
A Força Aérea de Israel também disse ter matado Ali Qadhi, o comandante do Hamas que liderou o ataque no último sábado.
Os militares israelenses informaram que Ali Qadhi foi morto em um ataque de drone após esforços de inteligência da agência de segurança interna Shin Bet e da Diretoria de Inteligência Militar.
Além disso, "vários terroristas" foram mortos depois que tentaram cruzar o Líbano para o território israelense, acrescentou a IDF.
Pelo menos 2.215 pessoas foram mortas e 8.714 ficaram feridas em Gaza, informou o Ministério da Saúde palestino, desde o início da retaliação aos ataques do Hamas.
Na Cisjordânia, 54 pessoas morreram e 1.100 ficaram feridas.
Segundo as Nações Unidas, mais de 1.300 edifícios em Gaza foram destruídos durante os bombardeios israelenses que já duram quase uma semana.
A agência humanitária da ONU, OCHA, disse que "5.540 unidades habitacionais" nesses edifícios foram destruídas e quase 3.750 casas foram tão danificadas que se tornaram inabitáveis.
Reação regional ao ultimato israelense
O ministro das Relações Exteriores da Jordânia disse que qualquer medida de Israel para impor um novo deslocamento de palestinos empurraria a região para o "abismo" de um conflito mais amplo.
Num comunicado, Ayman Safadi também afirmou que o bloqueio de Israel à ajuda humanitária a Gaza e a sua ordem de evacuação dos cidadãos do norte do território são uma violação "flagrante" do direito internacional.
Em outro desdobramento, Catar e a Arábia Saudita afirmam rejeitar categoricamente o deslocamento forçado de palestinos dentro de Gaza.
Um comunicado do Ministério das Relações Exteriores do Catar afirma que está pedindo o "levantamento do cerco à Faixa de Gaza e o fornecimento de proteção total aos civis palestinos, de acordo com as leis internacionais e humanitárias".
Comentários semelhantes foram postados no X pelo Ministério das Relações Exteriores da Arábia Saudita durante a noite.
A chanceleria saudita apelou também ao fornecimento de ajuda humanitária e de fornecimentos médicos aos residentes de Gaza, "especialmente porque negar-lhes estas necessidades básicas para viverem com dignidade equivale a uma violação do direito humanitário internacional".
O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse em uma postagem no X que uma aeronave com suprimentos médicos para apoiar necessidades urgentes de saúde aterrissou na cidade egípcia de Arish, a cerca de 45 km da fronteira com Gaza.
Segundo Ghebreyesus, os suprimentos estão prontos para serem enviados para Gaza assim que o acesso humanitário através de uma passagem for estabelecido.
Ghebreyesus encontrou-se com o presidente do Egito, Abdel Fattah El-Sisi, na última segunda-feira (9/10), quando discutiram o envio de suprimentos a Gaza.
Jan Egeland, ex-diplomata norueguês que esteve envolvido no Acordo de Oslo e facilitou as conversações entre os palestinos e Israel, disse à BBC que a ordem de evacuação de Israel para o norte de Gaza é uma transferência forçada de pessoas, considerada um crime de guerra pela Convenção de Genebra.
Egeland, secretário-geral do Conselho Norueguês para os Refugiados, acrescentou que não existe agora nenhuma forma prática de abordar a "catástrofe" humanitária em curso em Gaza.
Há “muitas crianças sob os escombros que ninguém consegue desenterrar... dezenas de milhares de unidades habitacionais destruídas ou inabitáveis... milhares de pessoas que fogem para salvar as suas vidas”, diz ele.
Egeland diz que a escala da crise em Gaza ainda não foi totalmente compreendida pelo Ocidente.
"O Reino Unido, os EUA e a UE afirmaram com razão que estamos com Israel na luta contra o terrorismo", acrescentou Egeland.
"Espero que não tenham dado luz verde para esmagar um milhão de crianças."
Para Kim Darroch, ex-embaixador britânico nos EUA e ex-conselheiro de segurança nacional do Reino Unido, Israel tem que dar mais tempo aos moradores de Gaza para deixarem o norte do território para evitar uma "catástrofe" humanitária.
Em entrevista à BBC, ele disse acreditar que uma ofensiva terrestre israelense destinada a eliminar o Hamas fracassaria, enquanto a próxima geração de combatentes palestinianos "já está sendo radicalizada".
E acrescentou que, se estivesse ainda no governo, pediria aos ministros britânicos que pressionassem Israel para "pensar cuidadosamente sobre a operação".
'Apenas começando'
Na sexta-feira (13/10), o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse em um discurso televisionado à nação que a contraofensiva em Gaza está "apenas começando".
"Hoje, todos sabem que estamos lutando pela pátria e lutando como leões", disse Netanyahu, segundo o site de notícias Times of Israel.
"Nunca esqueceremos o ataque do Hamas. Estamos atacando os nossos inimigos com uma força sem precedentes", acrescentou Netanyahu.
"Destruiremos o Hamas e venceremos, mas isso levará tempo", acrescentou durante seu discurso, que foi televisionado após o início do shabat judaico, que começa às sextas-feiras depois do pôr-do-sol.
Também na sexta-feira, a ONU fez uma reunião do Conselho de Segurança (CS), atualmente presidido pelo Brasil, para discutir a situação do conflito na Faixa de Gaza.
Mas o encontro terminou em impasse, com uma proposta da Rússia para um cessar-fogo humanitário, que não teve apoio dos demais países, enquanto cresceram os apelos por um corredor humanitário para Gaza.