O pedido de indiciamento de oito generais e dois ex-comandantes das Forças Armadas por suposto envolvimento nos atos golpistas de 8 de Janeiro irritou generais da reserva ouvidos reservadamente pela equipe da coluna.
Por Malu Gaspar e Rafael | O Globo — Rio e Brasília
Na avaliação deles, não há, por ora, provas robustas que sustentem as acusações contra os militares, ao contrário dos termos defendidos pela relatora da CPI, senadora Eliziane Gama (PSD-MA).
O ex-presidente Jair Bolsonaro ao lado do general Braga Netto — Foto: Cristiano Mariz/O Globo |
“Espetaculoso”, “patético” e “horrível” foram alguns dos adjetivos utilizados por generais da reserva para classificar o relatório de 1.333 páginas de Eliziane, que será submetido à votação nesta quarta-feira.
“Uma fantasia que não para em pé, uma verdadeira pedalada jurídica”, definiu um general próximo dos alvos de indiciamento.
Nos bastidores, generais da reserva apontam que o relatório aumenta o ressentimento das Forças Armadas com o governo Lula e dificulta a missão do atual comandante do Exército, Tomás Paiva, de tentar apaziguar os ânimos e distensionar o clima de desconfiança mútua entre a caserna e o Palácio do Planalto.
Entre os alvos de pedido de indiciamento estão o almirante Almir Garnier e o general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandantes da Marinha e do Exército, além de quatro generais que atuaram como ministros do governo Bolsonaro: Walter Braga Netto (Defesa e Casa Civil, além de companheiro de chapa na fracassada campanha à reeleição do ano passado), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa) e Luiz Ramos (Secretaria de Governo).
Outro general – que não esteve no governo Bolsonaro – considerou o relatório de Eliziane “uma peça de vingança escancarada”.
“Incluir o Freire Gomes, que teve a coragem moral de negar-se a envolver o Exército e sequer citar o G. Dias (ex-chefe do GSI do governo Lula, defenestrado do cargo após ser flagrado por câmeras do circuito interno do Planalto perambulando pelo palácio na hora da invasão) dá o tom do relatório.”
Conforme informou O GLOBO, a cúpula das Forças Armadas avalia como positivo o fim da CPI, mas considera que é necessário haver elementos que provem as supostas irregularidades cometidas pelos militares que tiveram o indiciamento pedido no relatório final do colegiado.
Nos bastidores, o que mais se ouve é que é preciso ver “o que sobra” do relatório quando ele chegar aos órgãos de investigação a quem compete tomar providências concretas – como o Supremo, a Polícia Federal e o Ministério Público Militar. "Vários foram indiciados sem terem sido sequer ouvidos", disse uma das fontes ouvidas pela equipe da coluna.
Ao longo dos trabalhos da CPI, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e o comandante do Exército, Tomás Paiva, foram duas vezes ao Congresso para conversas a portas fechadas com os membros da comissão. Nelas, mencionaram o constrangimento com as convocações de militares de alta patente.
Ao final, foi cancelado o depoimento de Walter Braga Netto e outras oitivas que estavam previstas nem sequer foram colocadas em votação na comissão – como a do próprio almirante Garnier e o general Julio Cesar Arruda, que era o comandante do Exército no dia 8 de janeiro.
Na conclusão do relatório, Eliziane afirma que “setores” das Forças Armadas “continuam a flertar com o autoritarismo: acolhem e recompensam os que pregam a supressão do Estado Democrático de Direito; apelam à disciplina e à hierarquia, mais do que à coragem e ao valor; defendem não o Brasil de todos os brasileiros, mas seu projeto exclusivista de Nação”.
“A cooptação de integrantes das Forças Armadas — seja por meio da militarização da Administração Pública, seja pela concessão de benefícios e vantagens exclusivos — jamais buscou o interesse do País. O desvirtuamento do órgão central de inteligência foi estratégia deliberada de escamoteamento, quando não tentativa capciosa de reimplantação de um novo SNI (Serviço Nacional de Informações), comprometido com um projeto de consolidação do poder”, afirma a senadora.
“O Oito de Janeiro foi limitado. Não eram milhares os seguidores radicalizados. A violência das invasões provocou revolta. A chama do evento cedo se apagou. Não conseguiu se propagar para além da Praça dos Três Poderes. Não durou mais do que três horas. De pouco adiantou a omissão premeditada e deliberada da cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal. De pouco valeram a conivência e a leniência de setores das Forças Armadas.”