Satélite mostra Tu-95 coberto após ataque devastador da Ucrânia contra base aérea
Igor Gielow | Folha de S.Paulo
São Paulo - Com a escalada do emprego de drones pela Ucrânia contra alvos na Rússia, inclusive bases aéreas, Moscou parece ter encontrado uma maneira engenhosa para tentar proteger seus bombardeiros dos cada vez menos detectáveis aviões-robôs dos vizinhos.
Imagem de satélite do dia 1º mostra bombardeiro Tu-95 coberto com pneus na base aérea de Engels-2, em Saratov (Rússia) - @Tatarigami_UA no X |
Imagens de satélite divulgadas pelo canal militar ucraniano Tatarigami_UA e, posteriormente, pelo serviço Planet Labs mostram ao menos cinco bombardeiros estratégicos Tupolev Tu-95 e três Tupolev Tu-160 sendo cobertos com pneus na base de Engels-2, em Saratov, 800 km a leste da fronteira ucraniana.
Elas foram captadas por um satélite francês e, segundo a Folha ouviu de dois analistas militares em Moscou, correspondem à realidade. Sites que trabalham com georreferenciação também as validaram, e nesta segunda (4) mais imagens apareceram via Planet Labs, no site americano The War Zone.
O que não se sabe é a motivação. Na maior onda de ataques com drones contra a Rússia, na noite de terça (29) para quarta (30) passada, quatro aviões de transporte pesado Ilyuchin Il-76 foram avariados, sendo dois deles totalmente destruídos. Vídeos dos ataques mostraram que os drones atingiram a seção central das aeronaves, entre as asas, potencializando o efeito em tanques de combustível.
Os pneus colocados em dois Tu-95 se espalham pelo centro e ao longo da envergadura da gigante aeronave, que tem 46,2 m de comprimento e mede 50,1 m de ponta a ponta das asas. Um Boeing-737 MAX 8, para efeito de comparação, tem 39,5 m e 35,7 m, respectivamente.
Um dos analistas ouvidos pela reportagem sugere que a função dos pneus é buscar confundir o sistema de aquisição de alvos. A maioria dos drones empregados pela Ucrânia usa um computador simples no qual o perfil de aviões inimigos é inserido, e a inteligência artificial rudimentar a bordo faz o resto do serviço: identifica a vítima e a atinge no ponto mais sensível.
Isso faz os modelos não precisarem de navegação por GPS, que é facilmente bloqueável. Mas o sistema não é tão inteligente, e diferenças nas formas aferidas, o que áreas escuras favorecem, podem confundir os robôs. Russos e chineses já fazem uso dessa tática ao pintar seus navios com faixas escuras, para dificultar a vida de drones aquáticos.
Segundo especulou o The War Zone, o arranjo também serviria para eventuais ataques da versão terrestre do míssil ucraniano antinavio Netuno, o mesmo que afundou o cruzador Moskva no mar Negro no ano passado. Ele usa GPS e tem um sistema de aquisição de alvos por imagem e, se for equipado com uma ogiva mais leve e mais combustível, pode dobrar sua autonomia e atingir Engels-2.
O outro analista ouvido pela Folha, contudo, faz a suposição mais comum, que viralizou nas redes dedicadas à observação da guerra neste domingo (3): os pneus servem também para desviar o impacto direto dos drones. Parece algo tosco, mas quando se veem tanques, blindados e obuseiros com gaiolas simples dos dois lados do conflito, faz sentido.
O emprego dessas proteções se tornou tão universal que a Rússia já as coloca como acessório de fábrica nos seus novos tanques e blindados, como a feira militar Army-2023 em Moscou mostrou recentemente.
Tudo depende, claro, do drone empregado. Quão mais leve e simples, como os modelos australianos de papelão usados por Kiev em um ataque contra a base aérea de Kursk (sul russo) com sucesso, mais facilmente rebatíveis são as aeronaves.
Saratov já foi alvo nessa guerra, em dois ousados ataques em dezembro passado. Engels-2 é a principal base de bombardeiros estratégicos da Rússia, com modelos Tu-22, Tu-95 e o mais pesado e capaz de todos, o supersônico Tu-160. O local abriga um bunker de armas nucleares.
Para chegar até lá a partir de seu território, contudo, a Ucrânia conta com ao menos três modelos, o antigo drone a jato soviético Tu-141 e os recentes modelos leves a hélice UJ-22 e Bober, que vêm sendo usados contra Moscou (450 km da fronteira).
Mas, como o próprio serviço secreto da Ucrânia confirmou ao site americano The War Zone na semana passada, há infiltrados dentro da Rússia usando drones levíssimos e pequenos, como os de papelão, praticamente impossíveis de detectar. Daí talvez a precaução em Saratov.
A guerra dos drones tem mais valor simbólico que militar em um momento crítico da guerra para os ucranianos, embora a eventual destruição das preciosas aeronaves de ataque russas, que lançam seus mísseis contra a Ucrânia a partir de seu próprio espaço aéreo, tenha algum impacto. Segundo o site de monitoramento de perdas militares holandês Oryx, que só usa dados abertos, a Rússia já perdeu um Tu-95 (de uma frota pré-guerra de 60) e dois Tu-22 (de frota de 61) atacados por drones.
Neste domingo, houve um ataque com drones na região russa de Belgorodo (sul). Segundo o Ministério da Defesa, o aparelho foi abatido e não causou danos. Depois, em Kursk, também no sul, um prédio foi atingido por um drone no começo da noite (tarde no Brasil), sem deixar vítimas.