O G5-Sahel combateu extremistas naquela região durante anos, mas especialistas acreditam que a recém-formada Aliança do Sahel, pelo Mali, Burkina Faso e Níger, poderá tornar o grupo de inspiração francesa redundante.
Por Isaac Kaledzi | Deutsch Welle
A decisão dos líderes golpistas no Mali, Burkina Faso e Níger de abandonar o grupo G5-Sahel, de inspiração francesa, pode significar o seu fim, alertam alguns especialistas.
O líder militar do Mali, coronel Assimi Goita, considera que a nova Aliança do Sahel "estabelecerá uma arquitetura de defesa coletiva e assistência mútua”.
Seidick Abba, jornalista que faz reportagens sobre a região do Sahel, disse à DW: "Esta [nova] aliança [é] quase definitivamente a morte do [grupo G5 Sahel].”
Mutaru Mumuni Muktar, diretor executivo do Centro de Contra-Extremismo da África Ocidental, concorda, sublinhando que a ruptura entre Mali, Burkina Faso e Níger era há muito esperada.
"Em todos os três países há um forte sentimento anti-francês e isso tem vindo a aumentar ao longo do tempo. E neste momento estamos a ver ações significativas que são tomadas para tirar as forças do G5 [ou] marginalizadas e também operações francesas e esforços franceses fora do espaço”, disse o responsável à DW.
Muktar não "vê o quanto as forças do G5-Sahel seriam capazes de fazer nestas circunstâncias. E eventualmente veremos que isso está fora de questão em termos de lidar com as ameaças nestes espaços”.
Chade e Mauritânia – os outros dois membros do G5-Sahel — ficaram de fora da nova aliança assinada na capital do Mali, Bamako. O Ministro dos Negócios Estrangeiros do Mali, Abdoulaye Diop, disse aos jornalistas que "esta aliança será uma combinação de esforços militares e económicos entre os três países. E será dada prioridade à luta contra o terrorismo nos três países".
Deterioração da situação de segurança no Sahel
A região do Sahel tem sido caracterizada por ser palco de várias ações de extremismo desde 2014. A violência contra civis desencadeou uma crise humanitária que deixou mais de 24 milhões de pessoas a precisar de assistência.
Cerca de 4,9 milhões de cidadãos ficaram deslocados como resultado da crise. Segundo as Nações Unidas, a insegurança na área do Burkina Faso, Mali e Níger continua a crescer.
Bram Posthumus, especialista na região do Sahel, disse à DW que desde que os soldados assumiram o poder no Mali, Burkina Faso e Níger, a situação de segurança nesses países piorou.
"Quer dizer, acho que a situação de segurança se deteriorou em cada uma das três nações do Sahel. Se quisermos limitar-nos ao Mali, Burkina Faso e Níger”, disse Posthumus.
"Os golpes de Estado não inauguram uma era de estabilidade. Eles inauguram eras de instabilidade. E deram aos adversários, aos grupos armados não-estatais, a oportunidade de aumentar a sua influência, o seu poder e as áreas que controlam. Portanto, não há melhorias da segurança no Sahel após os golpes de estado. Aconteceu o contrário. Uma deterioração da situação de segurança.”
Mas os países liderados pela junta acreditam que têm as soluções para a crise, e querem traçar um novo caminho.
Seidick Abba, no entanto, duvida da utilidade do isolamento do Chade e da Mauritânia. "Por exemplo, é do interesse do Níger ter uma estratégia comum de combate ao terrorismo com o [Chade], uma vez que o Níger também enfrenta o desafio do Boko Haram”, disse Abba.
Nova aliança carece de capacidade e financiamento
Muktar afirma que os três países também carecem de capacidade e infraestruturas necessárias para tornar a região do Sahel mais segura.
"[Desde que] estes líderes militares assumiram o comando, [não] há capacidade suficiente para lidar com o problema do extremismo violento e o problema da insegurança e outros desafios de segurança que a região enfrenta”, comenta.
"Eles não têm financiamento suficiente. Não têm um modelo económico sustentável para serem capazes de lidar com isso de forma sustentável. Eles não têm boa vontade suficiente da população local e de outros atores locais para serem capazes de lidar com isso.”
Mas a nova aliança também procura proteger os líderes de golpes de Estado e solidificar a sua posição numa altura em que existem ameaças da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) de invadir, por exemplo, o Níger se o regime civil não for restaurado.
A carta que institui a nova Aliança do Sahel prevê que "qualquer ataque à soberania e integridade do território de uma ou mais partes contratantes será considerado uma agressão contra as outras partes e implicará um dever de assistência de todas as partes, individual ou coletivamente, incluindo o uso de força armada para restaurar e garantir a segurança na área abrangida”.
"Por exemplo, no contexto da NATO, se um país membro for atacado, os outros países têm o dever de solidariedade. É praticamente a mesma coisa. Se o Níger for atacado, outros países também devem fornecer-lhe recursos humanos e materiais”, refere Seidick Abba.
Nova oportunidade para a Rússia
Muktar acredita que os três países não procuram a colaboração do Ocidente, uma postura que, segundo ele, poderia abrir novas oportunidades para a Rússia.
"Se alguma coisa estiver diretamente em linha com o que a Rússia gostaria de ver neste espaço, [então] essa aliança pode reverter em benefício da influência expansionista da Rússia”, disse.
O grupo mercenário russo Wagner já atua na região, ajudando no apoio à segurança.
"Isso aumenta a janela de oportunidade para a Rússia ampliar a sua presença e legitimar a sua presença neste espaço. Já temos forças Wagner que estão aqui há alguns anos, e esta aliança é a favor da Rússia neste espaço”, conclui Muktar.