Os colegas de Jair Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras, a Aman, ocuparam cargos de destaque e com altos salários durante todo o governo do ex-presidente.
Ananias Oliveira | The Intercept
Agora, um levantamento inédito feito pelo Intercept mostra o tamanho dessa mamata: 79 ex-colegas de Bolsonaro foram identificados com cargos de destaque no governo federal. São alunos da mesma turma, graduados no mesmo ano ou contemporâneos em alguns dos quatro anos de curso – todos foram empregados ou promovidos entre 2019 a 2022, os anos em que Bolsonaro governou o país.
Militares batem continência para Jair Bolsonaro. Em seu governo, colegas da Aman tiveram cargos e promoções com supersalários. Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress |
Bolsonaro ingressou na academia em 1974, aos 19 anos, e se formou em 1977. Em 2019, já no primeiro ano de mandato como presidente, nomeou seus ex-colegas de curso para ministérios, cargos de natureza especial e também de Direção e Assessoramento Superior nível 6, o DAS 6 – os mais bem remunerados da administração pública.
Nos ministérios mais estratégicos, a turma da Aman incluiu nomes como os generais Fernando Azevedo e Silva, Paulo Sérgio Nogueira, ambos ex-ministros da Defesa, Braga Neto, ex-ministro da Casa Civil e também da Defesa, e o Luiz Ramos, ex-ministro da Casa Civil, das Secretarias Geral e de Governo.
Além de encabeçar os ministérios, a turma da Aman tinha um campo de influência em outras áreas da administração com menos visibilidade, mas com vultoso orçamento e poder de decisão. Sob a direção do general Paulo Humberto, o Instituto de Previdência Complementar dos Correios e Telégrafos, o Postalis – um dos maiores fundos de pensão do Brasil, com orçamento de mais de R$ 7 bilhões – fechou acordo de mais de R$ 240 milhões com o grupo Mubadala, fundo de investimento dos Emirados Árabes Unidos, que comprou a refinaria de Mataripe, na Bahia, em 2021.
Outro contemporâneo de Aman da turma de 1979, o general Waldemar Barroso Magno Neto, comandou um orçamento bilionário enquanto foi presidente da Financiadora de Estudos e Projetos, a Finep. Entre seus feitos na agência, está o investimento de R$ 7,4 milhões em pesquisas sobre o uso de cloroquina, tendo também aprovado também financiamentos para outros estudos sobre procedimentos comprovadamente ineficazes para o combate a covid-19.
Entre 2010 e 2014, durante sua carreira militar, Magno Neto foi responsável por mais de quatros anos pelo comando da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados, setor responsável por licenciar e fiscalizar o acesso de armas aos CACs. O governo Bolsonaro promoveu diversas alterações na legislação para aquisição de armas no Brasil, que possibilitaram aos caçadores e colecionadores o acesso a mais armas e munição, incluindo armamentos de grosso calibre. Especialistas destacaram que algumas das medidas do ex-presidente dificultariam o rastreio de munições usadas em crimes.
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados, a ANPD, ainda é comandada pelo coronel Waldemar Gonçalves, formado na turma de 1979. Gonçalves recebe pela função recebe R$ 18 mil – e não saiu da cadeira nem com a chegada de Lula ao poder, já que os mandatos de presidente na agência são de seis anos. A ANPD também tem como diretor o tenente coronel Joacil Basílio Rael, formado na turma de 1978, com salário de R$ 14 mil.
Altos salários no cabidão de empregos de Bolsonaro
No levantamento feito pelo Intercept, tomando como base os salários que constam no Portal da Transparência, além de normas e relatórios sobre remuneração de empresas e entidades ligadas ao governo, os rendimentos médios da turma da Aman variavam. Começavam entre R$ 10 mil, como o do coronel da turma de 1976, Diógenes Dantas Filho, que estava no Conselho Administração Transpetro, a até R$ 76 mil reais – valor que recebia o general Luiz Felipe Kraemer Carbonell, da turma de 1977, que assumiu como diretor em Itaipu.
A média salarial dos colegas da Agulhas Negras de Bolsonaro era de R$ 21 mil. 16 companheiros do ex-presidente ocupavam cargos com remuneração superior a R$ 30 mil reais. Sendo que sete deles recebiam salários a partir de R$ 40 mil.
Lista dos ex-colegas de Bolsonaro que ganhavam mais de R$ 30 mil no governo
Gráfico: Intercept Brasil |
Em 1977, quando Jair Bolsonaro concluiu seu curso da Aman, ele era um dos 30 militares que obtiveram o diploma do curso básico de paraquedismo da academia. Seis desses que se graduaram na mesma turma conseguiram diretos cargos no governo federal. Desses, quatro ainda se tornaram membros do alto comando do Exército.
São eles os generais Edson Pujol, Paulo Humberto de Oliveira, Carlos Alberto Neiva Barcellos, Racine Bezerra Lima e Filho e Mauro César Lourena Cid – pai do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordem de Bolsonaro, preso em maio deste ano pela Polícia Federal, pela suspeita de inserção de dados falsos na carteira de vacinação contra a Covid no sistema do Ministério da Saúde.
Também integrou o governo o coronel Ricardo Silva Marques, que foi Gerente Executivo de Inteligência e Segurança Corporativa da Petrobras.
Mais que colegas de fardas, amigos
Silva Marques e o general Cid, que assumiu o cargo de Coordenador do Escritório da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, a Apex, em Miami, além de colegas de turma do ex-presidente, também são da artilharia e serviram juntos com ele na Brigada de Infantaria Paraquedista, entre 1982 a 1987.
Foi nesse período que Bolsonaro conheceu Fabrício Queiroz, que viria a ser assessor do seu filho Flávio Bolsonaro e foi preso preventivamente na investigação das rachadinhas. Queiroz teria frequentado a brigada com intenção de fazer um curso de paraquedismo.
Entre todos os colegas de Aman dentro do governo Bolsonaro, Silva Marques e o general Cid eram os que tinham os maiores salários: somados, os valores chegavam a R$ 133 mil. Os dois tinham uma relação próxima com o presidente.
Foi Silva Marques que pegou do filho, Alexandre Silva Marques, auditor do Tribunal de Contas da União, o famoso relatório sobre as mortes por covid-19 no Brasil utilizado por Bolsonaro em uma live para afirmar que as mortes na pandemia eram superestimadas.
Já o general Lourena Cid é considerado como um dos raros militares que chegou ao alto oficialato e nunca se afastou de Bolsonaro, mesmo depois da saída do Exército. Ainda em 1990, Bolsonaro atuou junto com o coronel Antônio Carlos Cid, pai de Lourena Cid, como coordenador de campanha do general Nilton Cerqueira, ex-secretário de segurança do Rio, para a presidência do Clube Militar. General Cid também foi um dos presentes na cerimônia organizada pelo general Villas Boas, então comandante do Exército, para oficializar a entrega da patente de capitão para Bolsonaro, em novembro de 2018.
O Clube Militar foi a base de apoio para o então deputado federal Jair Bolsonaro que, após sair do Exército, não era bem-visto pelo alto oficialato. Em 2104, enquanto o governo Dilma Rousseff caminhava com a Comissão Nacional da Verdade para apurar as violações aos direitos humanos cometidas por militares em regimes anteriores, houve uma reaproximação entre Bolsonaro e o alto oficialato da época, descontente com o rumo tomado pela comissão. Segundo fontes, que pediram o anonimato, essa reaproximação teve o general Lourena Cid como um dos principais interlocutores.
O general Cid estava no Alto Comando do Exército, juntamente com outros 14 contemporâneos de Aman de Bolsonaro, ajudando o general Villas Boas, então comandante do Exército, a redigir o tuíte ameaçando o Supremo Tribunal Federal, dias antes do ministro Edson Fachin julgar o habeas corpus que poderia impedir a prisão de Lula, em fevereiro de 2018. O pedido acabou sendo negado e o petista foi preso em abril daquele mesmo ano, ficando impedido de participar das eleições.
Por que Bolsonaro escolheu tantos militares?
Desde sua chegada ao poder, Jair Bolsonaro promoveu uma profunda militarização na estrutura da administração pública – algo que supera em números a quantidade de militares no início da ditadura cívico militar no país, em 1964.
Segundo um relatório de 2022 do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, o Ipea, o número de militares em cargos governamentais praticamente dobrou em 2019, chegando a 623 cargos. Em 2021, já eram 742. Nos cargos de “natureza especial”, considerados de primeiro e segundo escalão, a presença de militares passou de seis para 14. A maior ocupação aparecia nos cargos de Direção e no início da ditadura cívico militar Superior, DAS, e Função Comissionada do Poder Executivo, FCPE. Os titulares desses postos gozam de poder e prestígio administrativo na burocracia governamental.
O alto número de indicações ajuda a compreender a força dessas turmas no governo Bolsonaro. O antropólogo Piero Leiner, da Universidade Federal de São Carlos, nomeia esse movimento de “camaradagem militar”. O pesquisador explica que o resultado desse processo de socialização “é o encapsulamento dentro de um campo que lhe circunscreve ao longo da vida”.
“Para os oficiais a formação inicial, na Aman, é uma espécie de centro de gravidade, pois eles vão se identificar profundamente com quem passou as primeiras experiências com eles. Vem daí sua ideia de camaradagem militar, que está acima de tudo, e em parte explica também porque para eles tudo deve ser resolvido entre eles, e o mundo civil não tem competência sobre suas coisas. A vida do oficial de carreira militar, nesse sentido, se desdobra a partir destes momentos iniciais da Academia”, explicou.