Lucas Baldez | Sputnik
Os presidentes russo, Vladimir Putin, e turco, Recep Tayyip Erdogan, se reúnem nesta sexta-feira (5), em Sochi, na Rússia, em mais uma aproximação na busca por uma solução para o conflito na Ucrânia.
Comboio militar da Turquia atravessa a vila de Urum al-Jawz, na província de Idlib, na Síria, em 20 de outubro de 2020. © AP Photo / Ghaith Alsayed |
Após o acordo mediado pela Turquia que viabilizou o escoamento, via mar Negro, da produção ucraniana de grãos, no fim de julho, há a expectativa de que a nova rodada de conversas seja mais um capítulo em direção a um possível acordo de paz entre Rússia e Ucrânia.
No entanto, para o cientista político e professor de relações internacionais Bruno Lima Rocha, Ancara precisará ir além se desejar de fato ser o principal ator na mediação entre Moscou e Kiev.
"Rússia e Turquia são rivais de forma indireta em alguns conflitos, como na Líbia e na Síria. Entendo que a Turquia tenha que recuar na ocupação territorial da Síria para poder avançar em um acordo de paz com a Rússia", afirmou Rocha, em entrevista à Sputnik Brasil.
O Exército turco está presente em áreas do norte do território sírio, na fronteira com a Turquia, e já lançou três grandes operações na Síria, entre 2016 e 2019.
Atualmente o país planeja uma operação contra Tal Rifaat e Manbij, duas cidades sob o controle das Unidades de Proteção Popular (YPG, na sigla em curdo), milícia curda que o governo turco acusa de ser filiada ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK, na sigla em curdo), classificada como terrorista por Ancara.
No dia 19 de julho, Putin e Erdogan se reuniram na capital do Irã com o presidente iraniano, Ebrahim Raisi, para tratar sobre o conflito na Síria. Moscou e Teerã apoiam o governo sírio de Bashar al-Assad e Ancara apoia rebeldes na região.
Apesar da divergência na Síria, o especialista em relações internacionais indica que a navegação no mar Negro pode se dar por um domínio conjunto entre Rússia e Turquia, por meio de um acordo entre os países que exercem projeção de poder na região.
"Creio que um fator positivo que pode avançar em um acordo de paz ou na permissão do comércio de grãos de forma permanente na Ucrânia é um 'codomínio', eu diria, entre as marinhas russa e turca no mar Negro e no acesso aos estreitos, e também na navegação do mar Egeu", apontou.
Rocha afirma que o Império Otomano, Estado predecessor da Turquia, "foi a última centralidade da governança islâmica" no mundo, que girava em torno de Istambul. Segundo ele, a Turquia moderna "é muito mais nacionalista turca".
Porém, em sua análise, a partir do fim dos anos 1990, em especial com a ascensão de Erdogan, a Turquia reforçou sua influência nos países islâmicos e no continente africano.
"Ressalto esses dois fatores: na Ásia Central, a Turquia projeta poder pelas relações étnico-culturais linguísticas, tendo, em todo o mundo islâmico, relação com o sunismo, muitas vezes conservadora; e na presença no continente africano", destacou.
Além disso, o cientista político lembra que a Turquia possui o segundo maior contingente militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), mais um motivo para sua importância estratégica.
"Ela ainda tem uma perna enorme no mundo europeu. E essa multiplicidade de cenários é a versão neo-otomana", disse.
UE não tem força para se contrapor a interesses dos EUA, diz especialista
Em entrevista à Sputnik Brasil, nesta semana, o ex-chanceler brasileiro Celso Amorim ressaltou sua "grande admiração pela capacidade diplomática da Turquia", citando diversos conflitos com os quais o país já lidou historicamente.
Ele afirmou estar "decepcionado" com a União Europeia (UE) pela falta de ação na crise ucraniana e propôs uma conferência internacional que envolvesse países europeus, como Alemanha e França, a China e mais dois ou três nações em desenvolvimento, além da Turquia.
Bruno Lima Rocha, porém, descarta essa possibilidade. Ele aponta que "Alemanha e França, pilares da UE, são aliadas subalternas dos EUA", que estão envolvidos no conflito fornecendo armamentos a Kiev e liderando sanções antirrussas.
O especialista avalia que as diplomacias chinesa e turca são pragmáticas e versáteis e poderiam encontrar uma agenda positiva de coordenação, mas não acredita na força dos europeus neste jogo de poderes.
"Não vejo mais a União Europeia como uma forma viável de confrontar a projeção de poder, ainda que decadente, dos EUA", afirmou.