Lucas Baldez | Sputnik
Apesar dos obstáculos criados pelos Estados Unidos, o Brasil seguirá com seu projeto e não poderá ser impedido de construir o Submarino Convencional de Propulsão Nuclear (SCPN) Álvaro Alberto.
O capitão da Marinha brasileira Ferreira Marques mostrando uma réplica do futuro submarino nuclear Álvaro Alberto | CC BY-SA 3.0 / Agência Brasil/Vladimir Platonow / Réplica de submarino nuclear |
De forma sucinta, esta é avaliação do jornalista e especialista em assuntos militares e em relações internacionais Pedro Paulo Rezende. Em conversa com a Sputnik Brasil, ele explicou as restrições e os interesses geopolíticos de Washington no que diz respeito ao desenvolvimento da tecnologia pelos países ao redor do globo.
Se por um lado os EUA não contribuem para o Brasil acelerar seu desenvolvimento, por outro fizeram o pacto Austrália-Reino Unido-Estados Unidos (AUKUS), aliança militar entre os três países, que visa fornecer submarinos nucleares a Camberra.
Recentemente, o Brasil abriu diálogo com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) sobre o início da produção de combustível para o projeto, em desenvolvimento desde 2008.
A construção de um submarino nuclear é parte do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), objetivo de décadas da Marinha brasileira.
O tema é de interesse nacional, já que um submarino nuclear pode aumentar o poder de dissuasão do Brasil no Atlântico, conforme apontou Rezende à reportagem.
Além disso, o projeto coloca o país em um seleto grupo: dos membros do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), ratificado pelo Estado brasileiro, apenas Rússia, China, Estados Unidos, Reino Unido e França operam submarinos desta categoria. Entre os países fora do TNP, a Índia é o único com submarinos nucleares.
Com isso, o Brasil pode ser o primeiro país sem bombas atômicas a desenvolver esse tipo de embarcação.
Segundo o especialista em assuntos militares, o Brasil não deveria sofrer qualquer impedimento na construção do submarino, nem mesmo da AIEA.
"Um submarino de propulsão nuclear não é uma bomba atômica. São duas coisas completamente diferentes. Não estamos procurando produzir arma nuclear", afirmou Rezende.
Apesar disso, há uma pressão velada dos EUA contra a produção brasileira. O especialista explica que os norte-americanos, assim como os britânicos, mantêm uma visão colonialista sobre o Brasil e os demais países do Hemisfério Sul.
Dessa forma, segundo Rezende, Washington avalia que o Brasil não precisaria de submarinos nucleares, porque os próprios EUA poderiam garantir segurança do país.
"Não deveria haver qualquer obstáculo. Parte dos EUA sempre foi contra a produção do submarino nuclear brasileiro. O que querem é eliminar nossas forças de Defesa e transformar a Marinha em uma guarda costeira. Esse é o sonho americano", disse.
O especialista aponta que, segundo a visão "preconceituosa e enviesada" dos EUA, o Brasil deveria apenas se preocupar em combater o narcotráfico e grupos insurgentes.
Segundo uma fonte familiarizada com o assunto, não existe entrave para produzir combustível. O que há é uma discussão sobre como será a avaliação da agência sobre o material utilizado, com o objetivo de garantir que não haverá desvio para outros fins.
Ele explica que, para desenvolver bomba atômica, é preciso enriquecer urânio 235 a uma taxa de mais de 90%, e o Brasil só está licenciado a chegar a 20%. Para produzir combustível para o submarino, é necessário chegar apenas entre 6% e 7% de enriquecimento do material. Segundo a fonte, a tentativa de controle da AIEA sobre a produção brasileira "é algo exagerado".
No biênio 2023-2024, o Brasil presidirá o Grupo de Supridores Nucleares (NSG), regime de controle de exportações de transferência de bens e tecnologias sensíveis na área nuclear.
Os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, porém, não acreditam que a posição possa ser usada como diferencial para o Brasil superar as resistências dos EUA e da AIEA.
"É um projeto estratégico do Brasil. O país não vai abandonar, vai continuar insistindo. Não vamos parar de produzir urânio enriquecido para nossas usinas e nosso submarino nuclear", disse Rezende.
O especialista explica que um submarino nuclear "nega o oceano" a potenciais adversários. Embora o Brasil não tenha conflitos internacionais atualmente, o projeto é fundamental para garantir a defesa da soberania nacional.
"Os próprios EUA são uma ameaça para nós quando falam de Amazônia. É uma ameaça. Nunca se sabe se pode virar algo concreto ou não, mas não custa estar preparado para a eventualidade", advertiu.
AUKUS 'não tem solidez'
A AIEA também observa o acordo de cooperação política e militar de EUA, Reino Unido e Austrália. Através do AUKUS, as duas potências nucleares pretendem fornecer oito submarinos movidos a energia nuclear para Camberra. O objetivo do acordo é se contrapor aos interesses militares chineses no Indo-Pacífico.
Os modelos norte-americanos e britânicos de submarinos usam urânio com grau maior de enriquecimento do que no caso previsto para o Brasil, mas a expectativa é a de que a AIEA não dificulte a transferência dos veículos à Austrália.
Um relatório recente divulgado pela China aponta que o o projeto implicaria no envio de toneladas de material nuclear de grau de armamento, o suficiente para fabricar quase uma centena de armas nucleares.
Em artigo publicado no Sky News Australia, o colunista Joseph Siracusa, professor de história política e diplomacia de uma universidade australiana, afirmou que o compromisso da Austrália com a não proliferação nuclear "é tênue" e que o país poderá construir um arsenal nuclear "se a segurança nacional exigir" no futuro.
De acordo com fontes da Sputnik Brasil, no entanto, os submarinos do projeto chegariam prontos à Austrália, sem qualquer transferência de tecnologia. Ou seja, o país não teria a capacitação técnica necessária para enriquecer o material e, possivelmente, produzir bombas nucleares.
Eles ressalvam que, para isso, a Austrália precisaria investir em pesquisa e tecnologia para ser capaz de realizar o que Pequim aponta como um risco a partir da transferência dos submarinos.
Pedro Paulo Rezende lembra que, para fechar o acordo com EUA e Reino Unido, a Austrália encerrou seu projeto com o governo francês para a produção de submarinos convencionais. Segundo ele, o programa era interessante para o país, pois, além de Camberra de fato precisar de submarinos, havia intercâmbio tecnológico e de capacitação técnica.
Ele aponta ainda que os submarinos do projeto francês poderiam no futuro até virarem nucleares. Em vez disso, o governo australiano interrompeu o programa para aguardar os submarinos nucleares de EUA e Reino Unido, mesmo sem previsão.
"Simplesmente agora ficaram sem nada. Precisam se virar com seis submarinos ultrapassados e problemáticos, da Suécia. Os suecos são bons em fabricar submarinos pequenos, esses foram os primeiros de grande porte. Vão ter que usá-los além da vida útil prevista enquanto aguardam os submarinos do projeto AUKUS", disse Rezende.
Segundo ele, os australianos receberiam os veículos da França em no máximo dez anos. Agora precisarão esperar até três décadas. Para o especialista, a Austrália substituiu um projeto concreto por "algo que não tem solidez".
Segundo o relato de uma fonte da Sputnik Brasil, a partir do momento em que as Forças Armadas dos EUA indicam a importância de submarinos nucleares na Austrália para se contrapor a movimento bélicos da China, as autoridades passam a priorizar o projeto.
Rezende aponta que os EUA acreditam no "Destino Manifesto", crença de que o povo norte-americano teria vocação divina para expandir seu domínio no mundo.
"É uma forma para justificar o avanço. Acreditam no direito de serem policiais do mundo, uma coisa colonial. Acreditam piamente nisso", disse o especialista.