Por Fernando "Nunão" De Martini | Poder Naval
Algumas telas da apresentação acessada pelo Poder Naval mostram premissas e detalhes que, mesmo depois de já termos publicado dezenas de matérias sobre o programa, ainda são ignoradas por vários leitores em seus comentários sobre o míssil. E também apresentam algumas possibilidades de desenvolvimentos futuros que, até o momento, eram apenas especuladas.
Vamos destacar a seguir algumas das telas e comentaremos cada uma trazendo informações de matérias anteriores, de forma que esta possa ser utilizada como mais uma referência aos debates de hoje e de amanhã sobre o Mansup. Para começar, a tela que provavelmente desencadeará mais discussões, sobre as “possibilidades de evolução” vislumbradas pela MB.
Ainda que isso signifique começar a discussão pelo fim, na verdade ela será útil por dialogar com as próprias premissas do desenvolvimento do míssil, que comentaremos depois. A tela já foi mostrada na abertura da matéria, mas repetimos abaixo para facilitar sua análise.
Temos três conjuntos de possibilidades de evolução, e que são conectados entre si: o míssil, os lançadores e os alvos.
Comecemos pelo míssil
Um dos aspectos mais comentados sobre o MANSUP é sua propulsão atual, por foguete. Na verdade são dois motores-foguete, como se pode ver na ilustração. Um de impulsão, com queima rápida e grande empuxo para a fase inicial de voo que dura alguns segundos, compreendendo o lançamento e aceleração do artefato, com dois bocais maiores.
E outro de sustentação, com um bocal central menor que mantém a velocidade de aproximadamente 300 metros por segundo na maior parte da distância de 70km de alcance – ou seja, com queima entre 3 e 4 minutos. O desenvolvimento e produção deste sistema de propulsão está a cargo da empresa brasileira AVIBRAS.
A ilustração mostra a possibilidade de substituir futuramente o sistema de propulsão por um motor a jato, identificado na arte como “turbina” (o que não elimina a necessidade de um estágio inicial a foguete, similar ao motor de impulsão, para lançamento e aceleração inicial). O conjunto mostrando turbina e tanque de combustível é mostrado à esquerda da ramificação que sai do item identificado como “compartimento de ré”, que abriga a parte posterior do sistema de controle (do qual falaremos mais à frente). Esse conjunto é mostrado próximo a um par de asas dobráveis, com maior envergadura que as asas cruciformes relacionadas ao motor-foguete. Isso pode indicar perfis de voo intermediários a altitudes maiores, o que combinado à turbina permitiria alcances bem maiores que os possíveis com motor-foguete.
A seguir, no sentido da parte de vante do míssil, vemos duas possibilidades de cabeças de combate, que são as cargas explosivas do artefato. Uma opção é incendiária, outra é de fragmentação. E por que são possibilidades? Porque ainda não foram testadas nos protótipos disparados. Estes levaram cabeças telemétricas no lugar das de combate, para coletar dados durante todas as fases de voo dos protótipos, ao longo dos lançamentos da fase de desenvolvimento do MANSUP. Como se vê na tela abaixo, o desenvolvimento da cabeça de combate é um dos itens que constam da parte “situação atual do projeto” da apresentação.
Seguindo mais à frente no corpo do míssil, está o compartimento de vante, que compreende parte do sistema de guiagem, navegação e controle do míssil. Tanto este compartimento quanto o de ré (assim como a cabeça telemétrica utilizada nos lançamentos dos protótipos) são de responsabilidade da empresa brasileira SIATT, abrigando computador de guiagem, radaraltímetro, plataforma inercial (esta fornecida pela MB), baterias, atuadores, superfícies aerodinâmicas (profundores) e a interface com o lançador. Mais detalhes na ilustração abaixo:
Recentemente, publicamos matéria sobre a contratação da Omnisys, divulgada em maio deste ano, para “serviços de engenharia para a evolução técnica e produção do radar autodiretor ativo (seeker)“, trabalho que, levando em consideração a fase atual do projeto, está incluído nas atividades de transformação de protótipo em produto industrial e fabricação das unidades que deverão equipar o lote piloto.
Prossigamos para os alvos. Na ilustração das “possibilidades de evolução”, aparecem outros dois tipos de autodiretores, além do Seeker RF (de radar ativo): o Seeker IR, ou infravermelho, que buscam o alvo pela assinatura térmica, como se conhece mais comumente nos mísseis ar-ar de curto alcance, e o Seeker Laser, que aponta para alvos iluminados por um feixe de laser. Essas possibilidades sugerem outras formas de se atingir navios e outros tipos de alvos mostrados na parte inferior esquerda da ilustração de abertura, como instalações militares em terra.
Toda esta fase de “produtação”, como já mostramos em matéria de alguns meses atrás, tem seu gerenciamento a cargo de uma quarta organização (além das já mencionadas SIATT, Avibras e Omnisys), a Fundação Ezute.
Já que falamos de três empresas e uma fundação nacionais envolvidas no desenvolvimento e produção do míssil, faz sentido mostrar uma tela da apresentação da Marinha que fala das premissas do projeto, estando entre elas o desenvolvimento por empresas do Brasil. Muitas das discussões realizadas ao longo de anos por leitores do Poder Naval seriam melhor embasadas se relembrassem das premissas (que foram temas de matérias de anos atrás, mas que acabam sendo esquecidas com o tempo):
Esta tela também dialoga com a mostrada abaixo, sobre as fases de desenvolvimento até o presente:
Por outro lado, a experiência acumulada também teve aplicação em outro programa, do Manaer (míssil antinavio aerolançado) que conta com recursos de offset da aquisição de helicópteros H225M (Eurocopter / Helibras) pelas Forças Armadas. Vale repetir trechos de matéria publicada no início de 2020 sobre como andavam os programas naquela época, pouco antes da pandemia Covid 19 afetar cadeias produtivas e cronogramas de programas militares por quase todo o mundo. A matéria foi baseada em comunicação de julho de 2019 do Ministério da Defesa (MD) à Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN), atendendo a um pedido de informações. Os trechos estão em itálico:
Projeto Missil Antinavio de Superficie (MANSUP)
A etapa de desenvolvimento deu-se com a contratação de três empresas e uma fundação, todas nacionais. A OMNISYS ficou incumbida de desenvolver o autodiretor (seeker); à AVIBRAS couberam os subsistemas asas, calhas, o sistema propulsor e, ainda, a montagem e teste dos protótipos. O sistema de guiagem, navegação e controle (SGNC) e a telemetria ficaram a cargo da MECTRON, posteriormente substituída pela empresa SIATT. À Fundação Ezute coube o gerenciamento complementar realizado com uma equipe de especialistas em cada área de conhecimento necessário ao projeto.
Foi prevista para a etapa de desenvolvimento, além da produção de toda a documentação do trabalho realizado, a fabricação e testes de três protótipos. Até o término dessa etapa, os protótipos serão lançados e os dados atinentes aos respectivos voos, transmitidos pela telemetria embarcada, serão devidamente gravados e analisados.
A etapa de desenvolvimento se encerra logo após o lançamento do terceiro e último protótipo do MANSUP, previsto para 2019. A partir de então, serão iniciadas as contratações para que os protótipos sejam aperfeiçoados, transformados em produtos mais confiáveis, mais fáceis de fabricar e testar e, ainda, mais baratos. Essa transformação é chamada de “produtação”, ou seja, a transformação de protótipo em produto.
Os aperfeiçoamentos serão validados por meio de avaliações técnicas e operacionais, às quais serão submetidos os mísseis do primeiro lote, cujo fornecimento será contratado entre o final do corrente ano e o primeiro trimestre do próximo (2020).
Além de prover divisas, a exportação do MANSUP permitirá a continuidade da produção do produto, uma vez que a demanda histórica da MB não seria suficiente para manter as linhas de produção ativas.
Projeto Míssil Antinavio Nacional lançado por Aeronaves (MANAER)
O desenvolvimento do MANAER ocorrerá de forma análoga ao do MANSUP. Foi iniciado em 2014, com a contratação da AVIBRAS para absorver a tecnologia de fabricação do motor foguete do míssil Exocet AM39-B2M2. A transferência de tecnologia (ToT) pela fabricante do míssil, MBDA-France, está sendo custeada por créditos de offset, provenientes do contrato entre a FAB e o consórcio Airbus Helicopter/Helibras, para a aquisição dos helicópteros H225M.
O desenvolvimento e a fabricação no País, desse tipo de armamento inteligente, criam empregos diretos e indiretos nas diversas instituições envolvidas e permite obter um alto emprego da capacitação nacional nas respectivas áreas. Contribuem, também, para garantir a soberania nacional e mitigar a perda de divisas na importação de sistemas, possibilitando a expansão de mercado da Indústria de Defesa Nacional.
Ainda sobre etapas, vale lembrar que há pouco mais de 2 meses, em 29 de abril, a Marinha do Brasil divulgou nota à imprensa sobre o andamento da atual Etapa 3. Entre as principais informações, estavam o atingimento de 60% da transformação em produto do SGNC (Sistema de Guiamento, Navegação e Controle) e de cerca de 90% do sistema de telemetria. Também informou que para este ano estão previstos dois lançamentos de teste, além de abordar uma característica do projeto: o modelo de arquitetura permite que potenciais modernizações sejam realizadas em dois anos – e isso provavelmente dialoga com a tela que mostramos no início da matéria, sobre as possibilidades de evolução. Falando na tela, há mais um item que faltou abordar:
E vamos aos lançadores
Tanto navios quanto aeronaves e viaturas terrestres estão ilustrados na tela sobre as possibilidades futuras. Para essa variedade, é preciso ter capacidade de produzir nacionalmente os equipamentos do sistema de lançamento: os lançadores propriamente ditos, consoles, sistemas computadorizados, interfaces etc. Estes são ilustrados na tela acima – a qual mostra, ainda que como exemplo, um suporte de lançador capaz de abrigar até quatro casulos de mísseis (oito no total, com uma estrutura do tipo voltada para cada bordo). Seria muito interessante que, no programa das fragatas classe “Tamandaré”, esta configuração fosse adotada, pois ainda que normalmente se levasse menos mísseis (em tempo de paz) a instalação de mais casulos seria rápida em caso de necessidade. Mas isso é apenas opinião deste editor.
Como se está na fase de “produtação” do Mansup, é sempre bom lembrar que um produto precisa de embalagens novas – ainda que seja intercambiável com a infraestrutura já adotada na MB para o Exocet MM40, é preciso de novos casulos para abrigar os mísseis nos lançadores dos navios, e contendores para abrigar esses casulos em condições ideais de armazenamento e transporte. Isso é tema de outra tela da apresentação, abaixo, que também inclui as “almofadas” que prendem o armamento em seu casulo, além da interface em sua parte posterior:
Como vimos nos parágrafos grafados em itálico mais acima (da comunicação do MD à CREDN em 2019), a viabilidade futura do programa depende em grande parte de exportações, pois a demanda da Marinha não permite, a princípio, manter uma linha de produção aberta por muito tempo. Assim, o desenvolvimento do sistema de lançamento, casulos e contendores para o míssil são iniciativas importantes não só para equipar navios e outros meios lançadores das próprias Forças Armadas do país quanto de potenciais clientes externos.
No caso dos itens para armazenamento do míssil, é evidente que serão necessários para qualquer país comprador, mas outros itens, como o sistema de lançamento (consoles etc) também pode ser uma necessidade de países que já sejam operadores atuais de Exocet – afinal, ainda que o Mansup tenha sido criado para compatibilidade com sistemas já existentes dedicados ao míssil francês, estes podem ser antigos e necessitar de troca, entre outras necessidades possíveis.
Numa das últimas telas da apresentação à qual tivemos acesso, aparece um mapa-mundi com diversos países assinalados, sob o título “viabilidade do projeto”. Optamos por não mostrar essa tela aqui, mas podemos afirmar que há países de quase todos os continentes considerados potenciais compradores. Boa parte está na América do Sul, mas há potencial também na África, Oriente Médio e Ásia, segundo a Marinha – o que não é nenhum segredo (a não ser os países específicos, que não mostramos aqui), pois em sua maior parte trata-se de regiões que, por décadas, adquiriram diversos equipamentos militares de origem brasileira, com muitos países também operadores de Exocet.
Como vimos nos parágrafos grafados em itálico mais acima (da comunicação do MD à CREDN em 2019), a viabilidade futura do programa depende em grande parte de exportações, pois a demanda da Marinha não permite, a princípio, manter uma linha de produção aberta por muito tempo. Assim, o desenvolvimento do sistema de lançamento, casulos e contendores para o míssil são iniciativas importantes não só para equipar navios e outros meios lançadores das próprias Forças Armadas do país quanto de potenciais clientes externos.
No caso dos itens para armazenamento do míssil, é evidente que serão necessários para qualquer país comprador, mas outros itens, como o sistema de lançamento (consoles etc) também pode ser uma necessidade de países que já sejam operadores atuais de Exocet – afinal, ainda que o Mansup tenha sido criado para compatibilidade com sistemas já existentes dedicados ao míssil francês, estes podem ser antigos e necessitar de troca, entre outras necessidades possíveis.
Numa das últimas telas da apresentação à qual tivemos acesso, aparece um mapa-mundi com diversos países assinalados, sob o título “viabilidade do projeto”. Optamos por não mostrar essa tela aqui, mas podemos afirmar que há países de quase todos os continentes considerados potenciais compradores. Boa parte está na América do Sul, mas há potencial também na África, Oriente Médio e Ásia, segundo a Marinha – o que não é nenhum segredo (a não ser os países específicos, que não mostramos aqui), pois em sua maior parte trata-se de regiões que, por décadas, adquiriram diversos equipamentos militares de origem brasileira, com muitos países também operadores de Exocet.