Por Fernando Valduga | Cavok
Seria a primeira vez que o Japão buscaria um parceiro não americano para um grande programa militar e a primeira grande colaboração entre Tóquio e Londres, indo além do esperado quando as negociações industriais começaram há cinco anos, disseram três fontes à Reuters.
“Esta seria uma parceria igualitária entre Japão e Inglaterra”, disse uma das fontes com conhecimento do plano. Vai custar dezenas de bilhões de dólares, acrescentou.
O esforço para combinar o programa japonês F-X, liderado pela Mitsubishi Heavy Industries (MHI), com o britânico Tempest, gerenciado pela BAE Systems PLC, até dezembro não havia sido relatado anteriormente.
As fontes pediram para permanecer anônimas porque não estão autorizadas a falar com a mídia.
“O principal objetivo é construir um jato comum, que pode ter pequenas diferenças de design para cada país”, disse outra das fontes.
A Inglaterra poderia lidar com as exportações na Europa, enquanto o Japão cuidaria do mercado asiático, disse outra das três fontes.
A colaboração espalharia os custos de desenvolvimento, enquanto a exportação aumentaria os lotes de produção e reduziria o preço por avião, ajudando os dois países a esticar seus orçamentos de defesa.
Isso representaria um aprofundamento dos laços de segurança entre os dois aliados próximos dos EUA. Londres está assumindo um papel militar maior na Ásia sob uma “inclinação” estratégica em direção ao Indo-Pacífico, e Tóquio está expandindo a cooperação de defesa além de Washington.
A política do Japão, pressionada pelo falecido ex-primeiro-ministro Shinzo Abe para fortalecer a mão de Tóquio contra a vizinha China, assumiu uma nova urgência após a invasão da Ucrânia pela Rússia, que Moscou descreve como uma “operação especial”.
A mudança para um parceiro europeu ocorre à medida que os gastos de defesa do Japão aumentam, com o orçamento previsto para dobrar na próxima década, à medida que o primeiro-ministro Fumio Kishida segue a agenda de segurança nacional de Abe e cumpre uma promessa eleitoral de aumentar “substancialmente” os gastos militares.
“Gostaríamos de decidir como podemos cooperar até o final deste ano e estamos considerando várias possibilidades”, disse o Ministério da Defesa do Japão.
O Ministério da Defesa do Reino Unido não fez comentários imediatos. O chefe da força aérea do país, marechal-chefe da RAF Mike Wigston, disse em uma conferência na quinta-feira que a Inglaterra está “explorando oportunidades de parceria e compartilhando nossa experiência tecnológica com uma série de parceiros internacionais, incluindo Japão e Itália”.
A Inglaterra planeja dar uma atualização sobre o Tempest no Farnborough Airshow da próxima semana, disse outra fonte, sem dar detalhes.
ABERTURA PARA A EUROPA
A parceria do Japão com a Inglaterra é uma chance para a BAE e outras empresas europeias da Tempest, como a Rolls-Royce, a fabricante de mísseis MBDA e o grupo de defesa italiano Leonardo para explorar um mercado crescente há muito dominado por empresas dos EUA.
Os esforços para fundir os projetos de caças seguem o aprofundamento da cooperação entre o Reino Unido e o Japão nos últimos anos, desde o projeto de mísseis JNAAM (Joint New Air-to-Air Missile) até o trabalho de sensores e um acordo para desenvolver um demonstrador de motores.
“Você pode ver a direção da viagem”, disse Douglas Barrie, membro sênior do setor aeroespacial militar do think-tank IISS.
Já se passaram mais de 20 anos desde que a MHI, fabricante do caça Zero da Segunda Guerra Mundial, e o grupo de defesa norte-americano Lockheed Martin construíram o caça F-2 do Japão, um derivado de asas curtas do F-16 Fighting Falcon.
Esperava-se que a Lockheed, que mais tarde desenvolveu o avião furtivo F-35, ajudasse a MHI a construir o F-X, um substituto do F-2, que o Japão deseja implantar na década de 2030 para combater caças avançados da China.
O custo do programa de desenvolvimento do F-X é estimado por funcionários do Ministério da Defesa do Japão em cerca de US$ 40 bilhões, dos quais US$ 700 milhões foram alocados este ano, tornando-se uma proposta lucrativa para empresas japonesas que perderam quando Tóquio comprou o kit americano, incluindo o F-35.
O projeto Tempest, liderado pela BAE, para substituir o jato de combate europeu Typhoon tem um orçamento governamental de 2 bilhões de libras (US$ 2,38 bilhões) até 2025, quando o desenvolvimento completo está previsto para começar.
É uma das duas iniciativas europeias para a próxima geração de poder aéreo ao lado do Futuro Sistema Aéreo Franco-Alemão-Espanhol (FCAS), atualmente atolado em divisões entre os parceiros Airbus e Dassault Aviation.
A Lockheed, em 2018, havia proposto usar uma fuselagem misturada de F-22 Raptor e F-35 para o F-X, mas essa parceria provisória terminou este ano porque o controle dos EUA sobre a tecnologia sensível significava que Washington poderia dizer quando e como o Japão mantinha e atualizava seus aviões, disseram as fontes.
Um porta-voz da Lockheed disse que perguntas sobre o programa devem ser encaminhadas ao governo japonês.
Para as empresas japonesas, que foram proibidas de exportar armas para o exterior até 2014, a parceria é uma chance de acessar mercados estrangeiros e tecnologia europeia com potencialmente menos restrições do que as impostas por Washington.
O Tempest “é uma construção flexível que se presta a múltiplas formas de cooperação”, disse o analista de defesa Francis Tusa.
O caça ainda precisará de alguns componentes dos EUA, como comunicações e links de dados, para garantir a interoperabilidade com as forças dos EUA.
À medida que as negociações em Tóquio e Londres avançam, ainda não está claro qual papel, se houver, os governos sueco e italiano terão no novo projeto depois de concordar em colaborar no Tempest.