Por Jan Niklas | O Globo
Membros do topo da hierarquia das Forças Armadas vivem em uma bolha de extrema direita no Twitter, segundo apontou um levantamento do laboratório DATA_PS, que reúne pesquisadores da UFRJ e da UFF, feito a pedido do GLOBO. Militares que usam a plataforma estão inseridos numa rede de políticos bolsonaristas e influenciadores olavistas, de acordo com a pesquisa. O estudo elaborou um mapa ideológico do debate público na rede social a partir das redes de perfis que são seguidos por políticos e militares na plataforma.
Jair Bolsonaro conversando com militares | Reprodução |
O GLOBO localizou 26 oficiais do último grau hierárquico do Exército, Marinha e Aeronáutica — sendo a maioria de generais (23) — com contas ativas na plataforma. Entre eles estão integrantes do governo Jair Bolsonaro (PL), como o vice-presidente Hamilton Mourão, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno; e o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Eduardo Ramos.
Também têm perfis na rede militares como o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas; o ex-ministro da secretaria de Governo de Bolsonaro — e atualmente filiado ao Podemos — Carlos Alberto dos Santos Cruz; e o deputado federal General Girão (PL-RN).
Baseado nos dados das contas desses generais, além de um universo de 668 políticos entre deputados, governadores, ministros e senadores, a pesquisa encontrou seis redes agrupadas por suas afinidades ideológicas. Dentre elas, três se destacam pela sua relevância na atuação nos debates da plataforma.
A primeira, identificada no gráfico acima na parte de baixo em cor lilás, é a rede da esquerda, onde estão políticos como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Guilherme Boulos (PSOL). Ao centro, em verde, estão dispostos políticos que vão desde a centro-esquerda como Ciro Gomes (PDT), passando pelo centro como Rodrigo Maia (PSDB), e mais para a direita com Sérgio Moro (União Brasil).
Influenciadores olavistas
Já no topo, na rede em cor roxa, estão os canais da direita mais extremista, agrupados em torno do presidente Jair Bolsonaro (PL). É nesta bolha que estão localizados todos os militares identificados pelo GLOBO.
Na lista de usuários mais seguidos pelos oficiais estão perfis institucionais das Forças Armadas, ministros, veículos de imprensa e uma variedade de páginas com conteúdo de extrema direita. Nesse catálogo ideológico de maior interesse dos generais estão políticos que são figuras de proa do bolsonarismo como Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Carla Zambelli (PL-SP) e Major Vitor Hugo (União-GO).
Também estão entre os canais preferidos dos generais contas dedicadas ao ideólogo Olavo de Carvalho. Influenciadores como Leandro Ruschel e Bárbara 'Te Atualizei' — que chegaram a ser alvos de investigações do Supremo Tribunal Federal (STF) por propagarem fake news — são alguns dos mais populares entre esses perfis.
Comandante do Exército até o fim de março deste ano, quando foi nomeado para chefiar o Ministério da Defesa, o general Paulo Sérgio Nogueira conta com 98 mil seguidores e segue apenas 24 contas no seu Twitter. No pequeno rol de figuras de interesse do militar estão os deputados bolsonaristas Carlos Jordy (PL-RJ) e Bia Kicis (PL-DF); além da juíza e influenciadora olavista Ludmila Lins Grilo.
— Os generais são significativamente alinhados a um lado específico da direita brasileira, com forte relação com o campo bolsonarista. Eles são, em geral, pouco seguidos, e seguem mais perfis bem à direita — diz o pesquisador e autor do levantamento Francisco Kerche.
Crítico do que aponta ser uma politização exacerbada do Exército pela turma de generais que ocupam cargos no governo Bolsonaro, o oficial da reserva e mestre em Ciências Militares Marcelo Pimentel destaca que militares têm o direito de se posicionar individualmente, desde que na inatividade e sem se vincular à instituição. Porém, ele ressalta, isso não ocorre nessas contas, onde a maioria dos oficiais se apresentam com suas patentes de general, usam roupas fardadas ou outras referências militares
— Isso afronta a Lei 6880, que define a ética militar, onde está determinado que os membros das Forças Armadas devem abster-se, na inatividade, do uso das designações hierárquicas em atividades político-partidárias e no exercício de cargos da administração pública — afirma Pimentel.
Ideologia da 'linha dura'
Segundo uma portaria publicada em julho de 2021 pelo Exército sobre a criação de perfis em mídias sociais, a função militar somente pode ser associada a perfis em redes de publicação de currículos e atividades profissionais, tais como o Linkedin.
Especificamente sobre o Twitter, a portaria ressalta que o "ato de seguir ou curtir perfis" e postagens "é considerado um endosso" ou uma aprovação àquele conteúdo. "Sendo assim, é preciso muito critério nas ações de relacionamento nesta mídia social", completa o texto. O GLOBO questionou o Exército se os generais estariam contrariando a regra impunemente, porém não obteve retorno.
Segundo o cientista político Mauricio Santoro, que já ministrou cursos e palestras em institutos militares como a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), o Exército sempre foi envolvido com política no Brasil, desde a independência em 1822. Porém, ele afirma que até o golpe militar de 1964 havia uma “pluralidade” maior entre a tropa, com correntes mais liberais e outras mais conservadoras.
— Essa turma dos anos 1970 que se formou com Bolsonaro tem uma visão marcada pelo anticomunismo, pela Guerra Fria e de que os militares deveriam salvar politicamente o Brasil. Hoje, na vida pública brasileira, é nítida essa conexão da cúpula do governo com ideais da linha dura do regime — analisa Santoro.