Marianna Holanda e Matheus Teixeira | Folha de S.Paulo
BRASÍLIA, DF - A reunião do primeiro escalão do governo convocada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) nesta semana contou com a participação de um parlamentar crítico às urnas eletrônicas e serviu para o chefe do Executivo reforçar os ataques ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) --postura que recebeu apoio de ministros.
Jair Bolsonaro | Ueslei Marcelino / Reuters |
Para reforçar o discurso contra o sistema de votação, o encontro ocorrido na última terça-feira (5) no Palácio do Planalto contou com uma fala do deputado Filipe Barros (PL-PR), que relatou a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do comprovante do voto impresso na Câmara.
O parlamentar apresentou supostas fragilidades do sistema de votação e repetiu teses que foram desmentidas pelo TSE no passado. O tema, aliás, já rendeu a abertura de inquérito contra o parlamentar e o presidente por vazamento de dados sigilosos durante uma entrevista em agosto do ano passado.
Segundo relatos, o deputado foi convidado pelo próprio presidente para participar da reunião ministerial -- o último encontro do tipo ocorreu há meses.
Em seus discursos, Bolsonaro recorreu a fórmulas que já usa publicamente no sentido de questionar o sistema eletrônico de votação. Ele voltou a repetir que teme que haja uma espécie de complô contra si, segundo disseram à reportagem pessoas que acompanharam o encontro.
O chefe do Executivo disse ainda que pode até perder a eleição em uma democracia, mas que não poderia perder a democracia numa eleição. E alegou que não pode participar de uma disputa com ela já perdida, cobrando para que as eleições sejam, nas suas palavras, "limpas".
As pesquisas de intenção de voto dão ampla margem de vantagem para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No último Datafolha, Lula aparece 19 pontos à frente de Bolsonaro.
Bolsonaro tem condicionado, em suas declarações públicas, a legitimidade das eleições ao TSE acatar sugestões das Forças Armadas, que participam da comissão de transparência da corte.
Na reunião, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio, falou sobre as propostas feitas ao TSE. Ele disse que vai cobrar uma espécie de cronograma para que o tribunal responda os questionamentos que, segundo ele, ainda não tiveram retorno.
Ao seu lado na reunião ministerial, estavam os comandantes das três Forças. Segundo relatos feitos reservadamente, eles se mantiveram em silêncio durante todo encontro.
Procurada, a Defesa afirmou que não procede que o ministro disse que "irá impor um calendário ao TSE". Mas a pasta confirmou que o ministro fez referência às propostas dos militares, cujo teor é de conhecimento público.
O ministro da Defesa se referiu, no encontro no Planalto, a dúvidas levantadas por militares que participam da comissão de transparência das eleições no TSE.
Ao convidar as Forças Armadas a participar da comissão de transparência, o então presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, queria blindar o tribunal de ataques de Bolsonaro.
Ocorreu o contrário. O convite foi visto por integrantes do TSE e de tribunais superiores como um tiro no pé. Bolsonaro tem usado a participação dos militares para tentar respaldar sua estratégia de desacreditar as urnas eletrônicas.
O objetivo inicial da reunião ministerial era tratar da unificação do discurso dos ministros para a campanha --com atenção para os cuidados da lei eleitoral. Para isso, houve uma apresentação do general Braga Netto, o ex-ministro da Defesa que deve ser vice de Bolsonaro.
Na mesa, Braga Netto esteve sentado ao lado do presidente.
Ainda que o objetivo tenha sido outro, boa parte da reunião foi dedicada a reverberar questionamentos às urnas e ao TSE. Depois de Paulo Sérgio, outros ministros seguiram no assunto, como os chefes da AGU (Advocacia-Geral da União), Bruno Bianco, e da CGU (Controladoria-Geral da União), Wagner Rosário.
Bianco é responsável por representar o Executivo perante o STF (Supremo Tribunal Federal) e costuma evitar embates públicos com a corte. Na reunião fechada, o AGU disse que as eleições não pertencem a um Poder, mas à população brasileira.
Rosário, por sua vez, se queixou da atuação de Barroso e Bruno Dantas, ministro do TCU (Tribunal de Contas da União), no Congresso, quando os parlamentares votaram -- e rejeitaram -- a PEC do voto impresso.
A reunião ministerial durou cerca de quatro horas. De acordo com relatos, o assunto das urnas eletrônicas dominou mais da metade do encontro. No tempo restante, Bolsonaro cobrou mais engajamento de seus ministros na defesa do governo.
Bolsonaro afirmou que é necessário haver mais empenho e um maior alinhamento no discurso dos integrantes da Esplanada. Ele também determinou aos auxiliares que defendam o governo como um todo -- e não falem apenas sobre atribuições de suas respectivas pastas.
A proposta de discurso unificado foi levada por Braga Netto à reunião. Ele tem atuado como ponte entre a campanha e o governo. A intenção dos que trabalham para reeleger Bolsonaro é que quando os ministros forem inaugurar uma obra, por exemplo, não falem apenas dela, mas de outros feitos do governo.