Igor Gielow | Folha de S.Paulo
À luz, ou melhor dizendo, à sombra da Guerra da Ucrânia, o Reino Unido deve se preparar para retomar o papel histórico de "lutar na Europa, mais uma vez", e "forjar um Exército capaz de lutar ao lado dos nossos aliados e de derrotar a Rússia em combate".
Ognem Teofilovski | Reuters |
As palavras são do general Patrick Sanders, novo comandante do Exército britânico, em uma carta aos soldados divulgada no domingo (19) pela imprensa do país. Ele assumiu no último dia 13 e lembrou ser o primeiro chefe do Estado-Maior, nome oficial do posto, a chegar ao cargo desde 1941 "à sombra de uma guerra terrestre na Europa que envolve uma potência continental".
São palavras em consonância com a crescente percepção, entre os europeus, de que o conflito na Ucrânia pode se prolongar por muito tempo. No mesmo domingo, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, afirmou que a aliança militar ocidental deve se fortalecer para enfrentar anos de conflitos.
É uma tentativa de evitar a chamada fadiga da guerra, já apontada por políticos de vários países europeus, como o premiê britânico, Boris Johnson. Em campo, os russos seguem sua ofensiva brutal no Donbass, o leste do território ucraniano, enquanto fortalecem suas posições na ponte terrestre ligando essa região já dominada por separatistas pró-Moscou à Crimeia, anexada em 2014.
O caso britânico tem particularidades. Nos dois conflitos mundiais, seu papel no teatro europeu com forças expedicionárias e no mar foi central, mas hoje seu poderio é mais limitado ainda que de primeira linha entre as potências secundárias.
Sanders evidencia isso. "A invasão da Ucrânia pela Rússia sublinha o nosso principal propósito de proteger o Reino Unido, estando prontos para lutar e ganhar guerras em terra", disse. "Existe agora um imperativo ardente de forjar um exército capaz de lutar ao lado dos nossos aliados e derrotar a Rússia em combate. Somos a geração que deve preparar o exército para lutar na Europa, mais uma vez", completou.
O governo de Boris, premiê que chegou ao cargo montado numa ruptura com a União Europeia, está em momento de grande fragilidade. Ele já havia embarcado em uma aventura militarista, expandindo gastos e finalizando nada menos que dois porta-aviões moderníssimos, ainda que sob críticas sobre a capacidade de operá-los.
Londres quer se mostrar uma aliada à altura das pretensões americanas, apoiando a Guerra Fria 2.0 de Washington contra Pequim. Daí o reforço do seu tradicional poder naval e o acordo militar com EUA e Austrália.
Na Europa, durante a Guerra da Ucrânia, Boris firmou-se com um dos mais agressivos líderes da Otan, filiado à corrente belicista liderada pelos EUA e por países do Leste Europeu, Polônia à frente. Os grandes países centrais, Alemanha e França, adotam cautela maior, até pelos interesses econômicos na relação com Vladimir Putin.
Críticos, contudo, enxergam na assertividade de Londres sua fraqueza política. Com efeito, Boris está no momento de maior contestação de seu governo, tendo vencido uma moção de desconfiança que explicitou sua perda de controle no Partido Conservador.
Falar grosso contra os russos enquanto ucranianos lutam é uma tática de baixo custo, portanto. É também uma forma de os militares se protegerem dos arroubos civis: se a liderança quer ser dura com Moscou, é preciso dar recursos para tal, este é o recado.
O Reino Unido, em termos nominais, deteve o terceiro maior orçamento de defesa do mundo em 2021, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres: US$ 71,6 bilhões, pouco acima de Índia e Rússia e atrás de China (US$ 207,3 bilhões) e EUA (US$ 754 bilhões). A guerra já mudou, contudo, essa realidade.
Os alemães, por exemplo, triplicaram seu gasto (em 2021, sétimo do mundo, em US$ 56,1 bilhões) só neste ano. E o dispêndio russo e chinês em dólares é escamoteado pelo custo de produção de armas nos países, que é mais baixo. Aplicando esse critério de paridade de poder de compra, o gasto de Moscou em 2021 foi o terceiro maior do mundo, em US$ 178 bilhões.