Por Daniel Gullino e Eliane Oliveira | O Globo — Brasília
No último dia 7, o secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, almirante Flávio Rocha, voltou a Brasília após uma viagem de 20 dias por 11 países do Oriente Médio e do Leste Europeu. Passou cerca de 24 horas em solo nacional e embarcou em outra missão, dessa vez rumo aos Estados Unidos, para acompanhar o presidente Jair Bolsonaro na Cúpula das Américas. A sequência de agendas internacionais evidencia que o militar assumiu um papel complementar ao do chanceler, Carlos França, o que tem gerado incômodo em integrantes do governo. Titular da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) desde 2020, Rocha tem rodado tanto o mundo quanto o titular do Ministério de Relações Exteriores — algumas vezes na companhia do presidente; outras, sozinho.
Flávio Rocha, secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República | Alan Santos/Infoglobo |
Desde abril de 2021, quando França tomou posse no Itamaraty, Rocha fez 21 viagens internacionais, enquanto o chanceler realizou 19 no mesmo período. Em oito dessas ocasiões, os dois estavam juntos com Bolsonaro. As andanças internacionais de Rocha têm alguns ministros. Para eles, como viagens extrapolam os limites do posto que ele ocupa. Entre as atribuições da SAE está "propor estratégias para a formulação de políticas" em diferentes áreas, inclusive relações exteriores, defesa e segurança. Procurados, a SAE e o Itamaraty não se manifestaram.
O giro por países árabes e europeus foi a viagem mais ambiciosa até aqui do almirante, que esteve acompanhado do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do presidente. Os dois passaram por Arábia Saudita, Egito, Iraque, Hungria e República Tcheca e se reuniram com representantes do governo local, principalmente nas áreas de Defesa, além de empresários. A espécie de a paralelatuação de Rocha não parece incomodar o chefe. A viagem com Eduardo Bolsonaro foi elogiada pelo presidente. Ele chegou a dizer que o titular da SAE deveria dar uma entrevista a jornalistas sobre temas tratados durante a missão e destacou conversas sobre o avião militar KC-390, um dos principais produtos da Embraer.
— A Rocha esteve agora em 15 dias pelo mundo árabe — disse Bolsonaro aos jornalistas na última segunda-feira.
— Tem que fazer uma coletiva com vocês sobre a ida dele ao mundo árabe. Não foi apenas o KC-390, que é um cartão de visita que muitos países querem comprar.
Em quatro oportunidades, Rocha e França embarcam juntas ao exterior, mas sem a companhia do presidente: visitar Portugal, Angola, Peru e Colômbia, para representar o Brasil em eventos oficiais. Nas viagens que fizeram tinham motivações diferentes. Em dados diferenciais, os dois foram para Moscou, por exemplo, nos meses anteriores à visita de Bolsonaro ao país. Rocha também já teve encontros com autoridades militares de Turquia e Reino Unido, entre outros compromissos para a do país. O Almirante assumiu uma importância maior no governo após a saída de Ernesto Araújo do comando do Itamaraty. Também ocupou um vácuo deixado por Filipe Martins, responsável pelo assessor de Bolsonaro assuntos em externos e que perdeu espaço no governo. Como Carlos França trabalhou no cerimonial do Planalto, ele e Rocha mantinham uma boa relação.
Distanciamento
Segundo um interlocutor do governo, porém, França e Rocha se distanciaram recentemente porque o chanceler não estaria aprovando a agenda internacional do almirante, cumprida sem uma coordenação prévia com o Itamaraty. Um integrante da área diplomática minimiza a divergência e nega haver qualquer ruído. Ainda segundo um desses interlocutores, o almirante trata de questões diretamente relacionadas a Bolsonaro, enquanto França é o executor da política externa. O chanceler costuma dizer que a fórmula de quem como diretriz é o presidente.
Pessoas próximas tanto a Rocha quanto ao chanceler afirmam que a função do almirante se assemelha ao que fez Marco Aurélio Garcia, então assessor para assuntos internacionais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Já havia muita especulação sobre um clima de disputa entre Garcia e o ex-chanceler Celso Amorim, sempre negado oficialmente por ambos. No caso do governo do petista, houve algumas particularidades. Garcia também trata das relações políticas, com partidos do mundo todo. Articulou a criação do "grupo de amigos da Venezuela", em 2003, para tentar solucionar uma crise política no país vizinho.