Grégoire Sauvage | France24
O posicionamento de Erdogan não é uma surpresa, dada a sua proximidade com o governo de Vladimir Putin e seu histórico de oposição dentro da Aliança.
O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, afirmou que a Turquia vai bloquear a entrada da Suécia e da Finlândia à Otan AP - Ebrahim Noroozi |
"Como vamos confiar neles? A Suécia é um terreno fértil para as organizações terroristas (...) Não cederemos a adesão à Otan àqueles que aplicam sanções contra a Turquia", insistiu o chefe de Estado em um discurso na noite desta segunda-feira (16).
Oficialmente, o presidente turco critica os dois países nórdicos por receberem rebeldes curdos do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão). Formada em 1978, o PKK é uma organização política armada considerada terrorista pela Turquia e por grande parte da comunidade internacional, incluindo os Estados Unidos e a União Europeia.
"Na geografia da diáspora turca, a Suécia tem um lugar específico. Desde os anos 80, o país acolheu muitos refugiados políticos, muitos dos quais são suspeitos pela Turquia de serem militantes do PKK. Esta é uma longa disputa entre Estocolmo e Ancara", diz Élise Massicard, especialista em sociologia política da Turquia contemporânea.
"Para os nacionalistas turcos, se o PKK ainda existe, apesar de 40 anos de guerra, é porque ele tem essas 'bases’ fora da Turquia", acrescenta a pesquisadora da tradicional escola Sciences Po.
A Suécia e a Finlândia, por sua vez, anunciaram a intenção de enviar uma delegação de diplomatas para aparar arestas e tentar conseguir o acordo da Turquia.
Direito de veto
Mesmo se for o único país a ir contra a entrada dos nórdicos, a Turquia poderia usar seu direito de veto entre os 30 membros da organização. "A Aliança trabalha com base no princípio do consenso. Cada membro pode, portanto, vetar. Vimos isso com a Grécia, que durante anos se opôs à adesão da Macedônia do Norte”, lembra o cientista político Olivier Kempf.
Entretanto, os especialistas acreditam que, ao expressar sua oposição, Erdogan tenta fazer uma troca: enfraquecer o apoio sueco e finlandês aos curdos como condição para que a Turquia dê seu apoio a entrada dos dois países na Otan.
No domingo (15), durante uma reunião da organização em Berlim, o ministro turco das Relações Exteriores, Mevlüt Cavusoglu, deu a pista. "Devemos absolutamente deixar de apoiar as organizações terroristas (...). Não estou dizendo isto como uma moeda de troca, mas porque isso é o que significa ser aliado", afirmou.
O bloqueio anunciado pela Turquia cria um problema no seio da Aliança, que via na entrada da Suécia e da Finlândia um fortalecimento de suas instituições.
O Secretário-geral da organização, Jens Stoltenberg, chegou a se dizer “confiante” de encontrar “um consenso sobre como avançar nas questões de adesão".
Para Kempf, “haverá tanta pressão política sobre a Turquia que ela não poderá bloquear a adesão da Finlândia ou da Suécia".
Estados Unidos podem mudar a balança
A posição da Turquia teria como objetivo obter contrapartidas dos membros da organização, em particular dos Estados Unidos. Em 2020, Washington impôs sanções à indústria de defesa turca em retaliação à compra do sistema antimíssil russo S-400. A Turquia também foi excluída do programa de aviões de combate F-35 dos EUA, para o qual já "tinha feito um pedido e desembolsado um adiantamento de US$ 1,4 bilhões", segundo a revista Courrier International.
Um gesto do presidente norte-americano Joe Biden em relação a esses pontos poderia ser o suficiente para convencer o governo turco.
O episódio coloca em destaque as numerosas divergências no seio da Aliança Atlântica, resume Olivier Kempf. "No final, os problemas subjacentes continuam os mesmos e não desapareceram por conta da guerra na Ucrânia”, pontua.