Matheus Teixeira, Julia Chaib e Marianna Holanda | Folha de S.Paulo
BRASÍLIA, DF - A atuação das Forças Armadas na comissão criada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para ampliar a transparência das eleições levou integrantes de tribunais superiores, inclusive do STF (Supremo Tribunal Federal) e da própria corte eleitoral, a considerarem um erro o convite para que militares participassem do colegiado.
BRASÍLIA, DF - A atuação das Forças Armadas na comissão criada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para ampliar a transparência das eleições levou integrantes de tribunais superiores, inclusive do STF (Supremo Tribunal Federal) e da própria corte eleitoral, a considerarem um erro o convite para que militares participassem do colegiado.
Reprodução Twitter |
A iniciativa do então presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, ocorreu no ano passado em meio a ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) às urnas eletrônicas e a questionamentos de aliados do Planalto contra o sistema eleitoral brasileiro.
As Forças Armadas sempre auxiliaram o TSE na logística dos pleitos, mas pela primeira vez passaram a integrar oficialmente uma comissão dessa natureza.
A ideia de Barroso era trazer os militares para mais perto do processo eleitoral e, assim, conseguir o respaldo deles na defesa do sistema eletrônico de votação e contra a ofensiva bolsonarista em relação à segurança das eleições no país.
Em conversas reservadas, porém, magistrados de cortes superiores avaliam que a tentativa de obter um antídoto teve o efeito contrário e tornou-se um tiro no pé: ao invés de aumentar a confiabilidade do pleito, forneceu uma ferramenta para as Forças Armadas inflarem ainda mais o discurso de Bolsonaro contra o sistema eleitoral brasileiro.
Até mesmo militares têm feito, em conversas fechadas, uma análise semelhante no sentido de que o convite do TSE pode ter sido um equívoco.
Integrantes do Exército relatam constrangimento com a participação oficial no processo. Segundo eles, isso acaba por politizar inevitavelmente as Forças.
Quando fez o convite às Forças Armadas, Barroso esperava que um almirante da Marinha especializado em tecnologia da informação e com quem mantinha relação fosse o nome indicado para integrar a comissão de transparência das eleições.
O nome do almirante não foi divulgado. Segundo interlocutores, esse militar era visto no TSE como uma referência na área e chegou a ser convidado pelo ministro para integrar o colegiado.
No entanto, de acordo com relatos, o militar afirmou que era necessária a anuência do então ministro da Defesa, o general Braga Netto.
Também filiado ao PL, Braga Netto é hoje o principal cotado para ser vice de Bolsonaro na campanha pela reeleição.
Inicialmente, o então chefe da pasta disse que analisaria a possibilidade de liberar o nome escolhido por Barroso e, depois, informou que enviaria diversas opções para que o TSE pudesse escolher.
No fim das contas, Braga Netto encaminhou apenas o nome do general Heber Portella, chefe da segurança cibernética do Exército, e o tribunal se viu obrigado a aceitá-lo como integrante da comissão.
Procurado, Barroso defendeu a decisão de convidar os militares para participar da comissão do TSE. Ele afirmou que as Forças já participam da distribuição de urnas em locais de difícil acesso e que os fardados estiveram envolvidos na concepção da urna eletrônica.
"As Forças Armadas integram a comissão [de transparência] entre outros 12 setores igualmente respeitados. Com base nisso, o ministro Barroso considerou natural a participação dos militares para ampliar a transparência do processo eleitoral", disse o magistrado, por meio de sua assessoria.
No fim de abril, porém, uma declaração de Barroso sobre as Forças Armadas acirrou ainda mais a tensão entre os Poderes. Em palestra, o magistrado afirmou que a instituição tem sido "orientada" a atacar o processo eleitoral para "desacreditá-lo".
Sem mencionar Bolsonaro, disse que há um esforço para levar o Exército ao "varejo da política" e que isso seria uma "tragédia" para a democracia. O ministro da Defesa reagiu e, por nota, classificou a afirmação de Barroso como "irresponsável" e "ofensa grave".
Ao longo do trabalho da comissão de transparência eleitoral, a Defesa encabeçou uma série de medidas que foram vistas pelos ministros dos tribunais como tentativa de tumular o processo eleitoral. Os fardados despacharam quase uma centena de questionamentos sobre o funcionamento das urnas, o que foi considerado pela corte eleitoral como excessivos.
Além disso, o Ministério da Defesa enviou, na quinta-feira (5), um ofício ao presidente do TSE, Edson Fachin, para pedir que as perguntas feitas pelas Forças Armadas sobre o sistema de votação sejam tornadas públicas.
Em fevereiro, o TSE publicou em seu site um documento com respostas a uma série de questões das Forças Armadas, que tinham sido feitas em dezembro. Um novo documento foi enviado, mas ele segue sob sigilo.
No ofício enviado a Fachin, o ministro sugere que sejam divulgados os "documentos ostensivos [não sigilosos] relacionados" à comissão de transparência. O general sugere ainda na mensagem não ter conseguido uma agenda com Fachin, embora tenha se reunido com o presidente do TSE em ao menos duas ocasiões desde que tomou posse.
A Defesa justifica que o documento é uma tentativa de dar publicidade aos questionamentos do Exército, algo que estaria sendo demandado pela sociedade.
Os questionamentos feitos à comissão de transparência eleitoral do tribunal foram elaborados pela segurança cibernética do Exército, comandada por Heber Portella.
Tanto ele como o seu superior, general Guido Amin Naves, chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército, estiveram no Ministério da Defesa para uma reunião nesta semana com Bolsonaro, fora da agenda oficial do Planalto. Braga Netto acompanhou o encontro.
Segundo relatos, foram discutidos os questionamentos enviados ao TSE. A reunião ocorreu horas antes de o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, ter um encontro com o presidente do STF, Luiz Fux.
Na noite do mesmo dia, a Defesa divulgou uma nota em que diz que a pauta da reunião foi "colaboração das Forças Armadas para o processo eleitoral", além de ter afirmado que a instituição está "em permanente estado de prontidão" para o cumprimento de suas missões constitucionais.
Essa não foi a única tentativa do TSE de buscar respaldo das Forças Armadas na realização da eleição.
Ainda no ano passado, Barroso convidou o ex-ministro da Defesa de Bolsonaro Fernando Azevedo e Silva para ser o diretor-geral da corte, o mais importante posto técnico do tribunal. O convite foi negociado com Edson Fachin e o ministro Alexandre de Moraes, seus sucessores à frente do TSE.
O general chegou a aceitar o convite, mas depois desistiu alegando problemas de saúde. As estratégias de contenção dos magistrados não conseguiram conter os ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas. O presidente continuou a pôr em dúvida a segurança da eleição, alegando que a legitimidade do pleito depende da presença dos militares no processo.
Em sua live semanal nas redes sociais na última quinta (5), ele manteve tom de ameaça ao TSE e disse que seu partido, o PL, irá contratar uma empresa privada para fazer uma auditoria nas eleições deste ano.
O pedido de divulgação dos questionamentos ocorre após Bolsonaro ter levantado dúvidas sobre a lisura das eleições e feito insinuações golpistas.
Desde as eleições, Bolsonaro e seus aliados tentam desacreditar o processo eleitoral brasileiro afirmando haver fraude, mas jamais apresentaram qualquer prova nesse sentido.
Em julho de 2021 o presidente realizou uma live nas redes sociais em que, com uma profusão de mentiras, fez o maior ataque ao sistema de voto para apresentar o que ele chamava de provas das suas alegações. Na ocasião, trouxe apenas teorias que circulam há anos na internet e que já foram desmentidas anteriormente.
Por pressão de sua base, a Câmara dos Deputados chegou a votar dias depois, em agosto, uma PEC que estabelecia a impressão do voto eletrônico, mas a medida foi derrotada. Faltaram 79 votos para que a emenda à Constituição fosse aprovada.
Na época, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado de Bolsonaro, chegou a dizer que o presidente lhe assegurou que respeitaria o resultado do Congresso e não voltaria a insistir no tema. Bolsonaro não cumpriu a suposta promessa e Lira continua seu aliado.