Aabla Jounaïdi e Oriane Verdier | RFI
As visitas do chefe de ONU, António Guterres, primeiro a Moscou e na sequência a Kiev, eram uma tentativa de negociar um cessar-fogo para a retirada dos civis presos em áreas de bombardeio na Ucrânia. De acordo com Guterres, Vladimir Putin teria concordado com a possibilidade de uma evacuação de civis da usina siderúrgica de Mariupol feita com a participação da Cruz Vermelha e da ONU e as negociações para essa retirada estaria em curso.
Na manhã desta sexta, Zelensky declarou que a operação é esperada ainda hoje para resgatar os centenas de civis que estão presos nos subterrâneos da fábrica de Azovstal, sitiada pelo exército russo.
No entanto, o ataque russo a Kiev enquanto Guterres estava na capital ucraniana coloca em dúvida a disposição do Kremlim para garantir a segurança de tal resgate.
O governo russo justifica o bombardeio dizendo que foram usadas armas “de alta precisão de longo alcance” para destruir uma empresa espacial da cidade. Mas para o presidente ucraniano esta foi mais uma tentativa da Rússia “de humilhar a ONU e tudo o que a organização representa”.
Cerca de dez pessoas ficaram feridas e, ao menos, uma pessoa morreu durante o ataque.
Um apocalipse em Mariupol
O complexo siderúrgico e metalúrgico Azovstal em Mariupol, às margens do Mar de Azov, é o último foco de resistência dos combatentes ucranianos contra o exército russo na cidade.
Formado por quilômetros de túneis subterrâneos, o complexo está cercado por soldados russos e abriga há semanas civis e militares. Ao menos 500 soldados estariam feridos no local e haveria cerca de mil civis escondidos, entre eles mulheres, crianças e idosos.
"Mariupol é uma crise dentro de uma crise. Milhares de civis precisam dessa ajuda vital. Eles precisam de uma rota de fuga deste apocalipse", definiu o secretário-geral da ONU.
Segundo um dos comandantes ucranianos entrincheirados em Azovstal, Serguiï Volynsky, uma bomba russa teria atingido na quinta-feira (28) um hospital de campanha subterrâneo montado pelos ucranianos.
“Toda a infraestrutura médica, a sala de operações foi destruída. Muitos de nossos homens morreram sob o ataque, e outros que já estavam feridos tiveram novos ferimentos. A situação é ainda mais crítica”, afirmou ao site ucraniano Levy Bereg.
Militares prontos a depor armas
Comandando uma unidade da tropa Azov em Dnipropetrovsk, a 300 km de Mariupol, Serhiy Tisjenko afirma que os corredores humanitários seriam a única forma viável de retirar os ucranianos deste bunker que se tornou uma armadilha.
Para isso, os resistentes militares sitiados em Azovstal estariam dispostos a entregar suas armas.
“A primeira forma de resolver o problema seria entrar à força para impor um corredor e tirar as pessoas de lá. Mas isso requer muitos homens, recursos e armas modernas. Ela é improvável, pois resultaria em mais vítimas do que vidas salvas. A outra forma, que continuamos a exigir, é que, com a pressão internacional, a Europa, a Cruz Vermelha e outros organizem a retirada sob supervisão internacional. Nossos homens estariam preparados para depor suas armas se tivessem a certeza de saírem desta maneira”, afirmou.
Para esses militares, a mediação internacional seria a única possibilidade de evitar sessões de tortura impostas pelos russos. O governo ucraniano diz já ter elencado mais de 8 mil crimes de guerra da Rússia em seu território desde o início da invasão.