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Em entrevista a Stefanie Schüller, da redação internacional da RFI, o pesquisador avalia que o momento atual poderia ser ideal para a Ucrânia começar a tentar recuperar territórios. “O exército russo não tem reserva operacional. Isso quer dizer que já engajou o melhor de suas tropas, a maior parte de suas tropas e que, sem mobilizar mais recursos, sem conseguir novos recrutas e soldados, não será capaz de atingir seus objetivos”, afirma.
Cerimônia homenageia comandante-adjunto da frota russa no Mar Negro, Andreï Paliï, morto em combate perto de Mariupol. (23/03/2022) REUTERS - ALEXEY PAVLISHAK |
RFI: Após um mês de combates na Ucrânia, qual é o resultado para as tropas russas?
Vincent Tourret: A avaliação é extremamente negativa para eles, porque eles não alcançaram nenhum de seus objetivos de campanha: nenhuma grande cidade ucraniana caiu, além de Kherson. A capital, Kiev, ainda está de pé. Ela ainda não está cercada. O governo ucraniano continua a assegurar a representação do seu país no exterior, a obter apoio internacional e continua a comandar as suas tropas de forma eficaz para a defesa do seu país.
As forças russas hoje se encontram lutando com falhas logísticas, desorganização no terreno, mas também no comando. Vemos os efeitos de uma ofensiva que foi confusa. Os russos se neutralizaram, eles mesmos, ao iniciar uma invasão que se mostra mal planejada.
As forças armadas russas sofreram perdas materiais, mas também perdas humanas. O Estado-maior russo tem homens suficientes para substituir soldados mortos ou feridos?
Na minha opinião, há duas respostas: primeiro, é preciso considerar a quantidade de homens que os russos de fato têm para conquistar as cidades ucranianas. Hoje, com o número de 130 mil homens engajados e perdas avaliadas em torno de 10%, é muito insuficiente para garantir o cerco e a conquista de tantas cidades. Eles não podem cercar Kiev, Kharkiv ou outras cidades e, ao mesmo tempo, sitiar Mariupol, por exemplo. E em segundo lugar, o exército russo não tem reserva operacional. Isso quer dizer que já engajou o melhor de suas tropas, a maior parte de suas tropas e que, sem mobilizar mais recursos, sem conseguir novos recrutas e soldados, não será capaz de atingir seus objetivos.
Vários especialistas internacionais, incluindo você, falam hoje de um “ponto alto” ou um “ponto de virada” para o exército russo. O que isso significa, exatamente?
O conceito de "ponto alto" é um conceito militar antigo, mas que ainda funciona. Na ofensiva, mas também na defensiva, se você não for cuidadoso, poderá deixar passar a excelência da sua eficiência. Ou seja, se você não mudar de estratégia, se continuar usando os mesmos meios, terá rendimentos decrescentes, ficará preso nas dinâmicas que lhe são desfavoráveis ou que se tornarão desfavoráveis.
No caso da guerra na Ucrânia, os russos usaram seu potencial ofensivo, mas este potencial tem sido muito mal engajado. E hoje, se não fizerem uma pausa operacional – o que parecem estar fazendo justamente para se rearticular e reorganizar –, correm o risco de se tornarem extremamente vulneráveis às contraofensivas ucranianas. Portanto, correm o risco de se desestabilizar.
Vimos que os ucranianos estão resistindo em vários pontos estratégicos, mas eles seriam capazes de realizar verdadeiras contraofensivas?
Desde o início do conflito, vimos que os ucranianos lideraram uma defesa admirável, muito inteligente, muito ágil. Eles se deslocam e concentram muito bem suas forças. Anteriormente, os ucranianos já haviam realizado contraofensivas em escala limitada, que eram táticas, como pudemos observar, em particular, nos arredores de Kharkiv ou Kiev, onde os ucranianos tentaram limpar as aproximações de suas cidades para não ficarem cercados.
Nos últimos dias, observamos contraofensivas em larga escala dos ucranianos. Isso mostra que eles estão bem cientes de que os russos estão em uma situação muito vulnerável. Para os ucranianos, este é provavelmente o momento mais favorável para tentar contra-atacar e recuperar o terreno perdido.
Os ucranianos têm chance de sucesso?
Os ucranianos estão sob forte pressão para reconquistar seus territórios. Eles não podem ficar paralisados, afinal, as tropas russas ainda estão na Ucrânia. Uma estagnação do conflito, com cidades ucranianas que estariam à mercê do fogo da artilharia russa e que hoje são massivamente bombardeadas pelos russos, não é sustentável.
Portanto, os ucranianos estão sob pressão para retomar esses territórios, uma pressão tão importante, também, por desempenhar um papel fundamental na sua capacidade de negociar com a Rússia. O governo ucraniano sabe que, se quiser fazer valer suas demandas junto às autoridades russas, para ser levado a sério, deve ser capaz de mostrar não apenas que o exército ucraniano pode impedir o avanço das forças russas, mas também pode infligir algumas derrotas realmente grandes e decisivas sobre eles.
O risco que percebemos é que a clara superioridade dos russos permaneça em todo o segmento pesado, como aviação, mísseis, artilharia. Em termos de poder de fogo, os russos estão bem à frente dos ucranianos.
Em que aspectos os ucranianos têm vantagens?
Na defesa, os ucranianos podem se dispersar, eles conhecem o terreno. Eles podem, portanto, compensar sua inferioridade tecnológica, quantitativa e qualitativa com o terreno, com determinação, inteligência e agilidade. Por outro lado, quando eles se movem para a posição contraofensiva, eles têm que correr riscos muito maiores e tornam-se mais vulneráveis aos contra-ataques dos russos.
Existe, portanto, um risco real de que o exército ucraniano acabe com suas forças com contraofensivas excessivas. No entanto, os ucranianos sabem que este é, de fato, um momento favorável para contraofensivas, porque os russos são desorganizados, têm grandes problemas. Então, talvez seja hora de se aproveitar dessas fraquezas. Mas é preciso cuidado, porque as forças ucranianas também estão desgastadas pelos combates. Elas também não podem se dispersar neste momento.
Nesse contexto, como seria o fim do conflito?
A chance de qualquer resolução rápida deste conflito já acabou há muito tempo. Hoje, caminhamos para uma intensificação do conflito. Haverá cada vez mais violência. Mas sobre o final da guerra, prefiro não dizer nada. Seria realmente imprudente de minha parte.