Romain Lemaresquier | RFI
Lukashenko, que decidiu se vingar das sanções impostas pela Comissão Europeia após uma violenta onda de repressão a opositores, tem transportado, há meses, migrantes do Oriente Médio para seu território, para que entrem na União Europeia através da fronteira com a Polônia. A maioria são sírios e curdos iraquianos. Sem imaginar que seriam usados como reféns, várias famílias, algumas delas com crianças pequenas, aceitaram os vistos de trânsito oferecidos por Minsk.
Família migrante proveniente do Oriente Médio que chegou à Belarus observa a barreira de arame farpado instalada pela Polônia. 10/11/2021. AP |
Desde que a polícia polonesa instalou barreiras de arame farpado e passou a rechaçar os migrantes, cerca de 3 mil a 4 mil pessoas, segundo uma estimativa da última segunda-feira, se encontram bloqueadas em uma estreita área de floresta entre os dois países, sob temperaturas que vão se tornando glaciais com a proximidade do inverno. Todos dormem ao relento em uma área de floresta descrita como inóspita.
A líder da oposição bielorrussa, Svetlana Tikhanovskaya, considera a ameaça de Lukashenko aos europeus um "blefe" que não deve ser "levado a sério". Já o presidente russo, Vladimir Putin, aliado de Lukashenko, pediu nesta quinta-feira aos europeus que restabeleçam contato com a Belarus.
Enquanto a crise diplomática se agrava, e já é apontada como uma guerra híbrida por analistas, em Podlasie, na fronteira bielorrussa com a Polônia, os migrantes vivem uma tragédia humanitária. Tanto representantes do Alto Comissariado da ONU para Refugiados, quanto ONGs e jornalistas foram proibidos de se aproximar da área pelas autoridades polonesas.
A reportagem da RFI conversou com três migrantes sírios que conseguiram entrar no território polonês há alguns dias e pedir ajuda à associação Grupa Granica, uma das únicas presentes a dois quilômetros da fronteira. Os três sírios – Karam, Bitar e Thair – passaram um mês no "inferno", relatou Thair, um eletricista de 28 anos. Eles chegaram a Minsk, a capital da Belarus, em um voo direto proveniente de Damasco, há cerca de um mês. Muito rapidamente, tentaram atravessar para a Polônia, mas ficaram reféns da queda de braço entre a ex-república soviética e a União Europeia.
“Tínhamos que tentar entrar na Polônia. Em nossa primeira tentativa, a polícia me deteve, junto com um amigo, e outras duas pessoas. Os agentes disseram para nós: 'Se você tem advogado, pode ficar na Polônia'. Ficamos muito felizes! Mas, à noite, dois soldados vieram e nos colocaram em um carro para retornar à fronteira e nos mandaram de volta para a Belarus", contou o sírio. Depois de insistir que não queria voltar para trás, ele acabou apanhando dos militares poloneses. O sírio ainda implorou para ficar, dizendo que não tinha água e comida, nem um chip de celular para sobreviver. Mas o apelo foi em vão.
Violência
Os três jovens nascidos em Homs foram três vezes reconduzidos à Belarus. Em uma das ocasiões, foram levados por bielorrussos para a fronteira da Lituânia, onde também apanharam depois de entrar no país europeu e serem repelidos de volta. De tanto apanharem, um dos jovens acredita que tem costelas quebradas.
Apenas a quarta tentativa de chegar à Polônia deu certo. A ONG Grupa Granica os acolheu e obteve que Karam, Bitar e Thair ficassem sob a proteção do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, que emitiu documentos temporários para os refugiados. Essas certidões devem impedir que os três sírios sejam enviados de volta à Belarus, de acordo com Marisha, uma das coordenadoras da ONG polonesa.
Garantir o respeito dos direitos dos migrantes
Depois de obterem a documentação, os três sírios foram transportados por guardas de fronteira para um alojamento do Estado. Teoricamente, eles poderão dar entrada em seus pedidos de asilo. A medida provisória do Tribunal Europeu de Direitos Humanos deve servir como garantia para que não sejam mais expulsos na Polônia. Thair, Karam e Bitar sobreviveram a um mês de incertezas, medo, frio, fome e violências.
Para ter certeza que os guardas de fronteira respeitarão essa proteção provisória, uma parlamentar da oposição polonesa, Anita Sowinska, veio testemunhar essa operação na floresta. Ela se tornou a representante legal dos três sírios, depois de acrescentar seu nome ao documento oficial do tribunal.
Os jovens migrantes de Homs conseguiram, finalmente, deixar o inferno da zona de fronteira. Eles admitiram ter visto mortos durante sua jornada. Até agora, de sete a 12 pessoas morreram em virtude dessa nova crise migratória nas portas da Europa.