Igor Gielow | FOLHAPRESS
SÃO PAULO, SP - O chamado Centro de Missão China foi anunciado nesta quinta (7) pelo diretor da agência, William Burns. Seu estabelecimento faz parte da reorganização interna do órgão, que prioriza economia de recursos, mas também indica prioridades políticas.
Joe Biden e Xi Jinping |
Foi instituído, por exemplo, um centro para a identificação de ferramentas tecnológicas para combater crises globais, como a mudança climática ou pandemias.
Já a unidade dedicada ao Irã, muito ativa dada a animosidade entre os dois governos, será absorvida pela área que cuida do Oriente Médio em geral. E a Coreia do Norte voltará ao centro asiático. Ambas as instâncias haviam sido criadas no governo de Donald Trump (2017-20).
Segundo declaração dada por Burns, o centro para a China "vai fortalecer ainda mais nosso trabalho coletivo sobre a mais importante ameaça geopolítica que enfrentamos no século 21, o cada vez mais antagonista governo chinês".
As palavras poderiam ter sido ditas por Biden, que já usou termos semelhantes em diversas ocasiões. Há poucas dúvidas, entre observadores políticos, acerca do fato de que o embate entre a potência estabelecida EUA e a ascendente China é o mais importante até aqui desde o fim da Guerra Fria, em 1991.
O que não é consenso é a forma de trabalhar a questão. Até a ascensão de Xi Jinping ao poder, em 2012, os EUA estavam confortáveis com o crescimento econômico chinês, de resto um reflexo da abertura do país em sua aproximação justamente com os americanos, no anos 1970.
A cadeia produtiva do Ocidente integrou-se à da China, com sua mão de obra abundante, e Pequim sofisticou sua indústria e seu desenvolvimento interno. Enquanto isso era mutualismo, a situação parecia sob controle.
A crescente percepção dos planos de Xi de dar pesos político e militar ao tamanho econômico da China, hoje segunda economia do mundo, levou a uma reação crescente por parte dos EUA. Em 2017, lançando uma série de iniciativas contra os comunistas, Trump abriu a Guerra Fria 2.0.
A disputa amplificou-se em uma miríade de campos: da navegação no mar do Sul da China, nos direitos de Taiwan, na crise Hong Kong, na guerra comercial e na adoção de redes 5G.
Se os entusiastas de Biden, conhecido como um homem ligado à diplomacia, esperavam que o novo presidente amainasse a relação com Xi, decepcionaram-se. Desde que assumiu, em janeiro, o americano tem buscado uma posição mais dura ainda ante Pequim.
O símbolo maior disso é no campo militar. A retirada do Afeganistão, desastrada como foi, liberou forças represadas na Ásia, que ganharam corpo no fortalecimento do Quad (aliança EUA, Índia, Austrália e Japão) e no pacto militar segundo o qual americanos e britânicos vão dotar australianos de submarinos nucleares.
A China criticou todos esses movimentos como a volta da mentalidade de Guerra Fria, de resto uma obviedade relativa, dado que há elementos mais dinâmicos na relação com os EUA.
Primeiro, a interdependência econômica entre as potências, algo que nunca ocorreu entre americanos e soviéticos. Segundo, o próprio fato de que a China busca solidificar sua posição em seu entorno estratégico, e não exportar a revolução comunista para espezinhar os EUA.
Sinal disso é que Xi virou o maior advogado do multilateralismo, até para afastar críticas a seu regime, enquanto Trump e Biden fizeram a defesa de valores democráticos do Ocidente.
Com tudo isso, seria natural que o embate chegasse ao mundo da espionagem. O anúncio de Burns ocorre logo após relatos de que a CIA perdeu uma série de informantes, assassinados por agências rivais mundo afora -- e aí a suspeita não trata só de chineses, mas de russos, iranianos e outros.
Isso é rotina neste meio, apesar de soar mal e teoricamente ser mais fácil de fazer em países sem órgãos de controle congressual, e os americanos também matam quando preciso.
A reorganização pode passar por isso. No caso chinês, a necessidade de intensificar a forma de recolher e analisar informações do adversário tem um forte componente tecnológico também.
Segundo relatos de espiões, a evolução do sistema universal de reconhecimento facial e outros instrumentos de coleta biométrica na última década na China dificultou muito a vida dos informantes no país.
Isso ocorreu depois de uma onda de capturas e mortes dessas pessoas no país, o que é atribuído a uma falha nas redes de segurança e à ação de agentes duplos.
A última grande mexida na CIA, a mais famosa agência de espionagem do mundo ao lado da antiga KGB soviética, havia ocorrido em 2015.
O anúncio foi feito um dia depois de Biden confirmar que irá encontrar-se virtualmente com Xi até o fim do ano. Os conselheiros de Segurança Nacional de ambos encontraram-se na quarta (6) em Zurique, e os relatos oficiais falaram em um tom cordial e cooperativo.
Por outro lado, Biden reafirmou por telefone a Xi que não abandonará a defesa de Taiwan, uma posição ambígua dado que o reconhecimento diplomático dado pelos EUA à China implica aceitar a ideia de que a ilha autônoma pertence a Pequim.
Entre sexta e segunda passadas, os chineses promoveram sua maior onda de incursões aéreas para testar as defesas taiwanesas, gerando protestos americanos e japoneses e um estado de alerta ainda em vigor em Taipei.