Tim Lister e Eliza Mackintoshda | CNN
O Talibã anunciou na terça-feira (7) a formação de um governo interino de linha dura para o Afeganistão, preenchendo cargos importantes com veteranos do grupo que participaram da luta de 20 anos contra a coalizão militar liderada pelos Estados Unidos.
Mohammad Hassan Akhund (D) foi escolhido primeiro-ministro interino pelo Talibã | Reuters |
Nenhuma mulher ou membro da liderança destituída do Afeganistão foi selecionada para cargos de gabinete ou nomeados para funções consultivas, apesar das promessas de um governo inclusivo e uma forma mais moderada de governo islâmico do que quando esteve no poder, de 1996 a 2001.
O Talibã nomeou Mohammad Hassan Akhund, um assessor próximo do falecido fundador do grupo, Mohammad Omar, como primeiro-ministro interino e Abdul Ghani Baradar, um dos co-fundadores do grupo, como seu vice. Mohammed Yaqoob, filho de Omar, foi nomeado ministro interino da defesa.
A escolha transmite uma visão de futuro que pouco fará para acalmar as preocupações dos governos estrangeiros, já que o Talibã busca reconhecimento e ajuda internacional.
Sem acesso a fundos congelados pelos EUA e outras nações, bem como pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), o Afeganistão enfrenta uma situação humanitária e econômica em deterioração.
Os líderes globais e credores ainda esperam para ver como o Talibã tratará a oposição, as mulheres, bem como as minorias religiosas e étnicas.
Em um telefonema na terça-feira com Hamid Karzai, o ex-presidente do Afeganistão, o ministro das Relações Exteriores do Irã pediu um governo afegão baseado no diálogo entre todos os grupos e enfatizou a necessidade de formar um governo inclusivo que reflita a composição étnica diversificada do país.
“Representamos todo o Afeganistão e falamos no nível de todo o Afeganistão e nossa luta foi baseada em todo o país. Não somos pessoas de uma tribo ou etnia, nem acreditamos nisso”, disse o porta-voz do Talibã Zabihullah Mujahid disse em entrevista coletiva em Cabul, na terça-feira, ao anunciar o governo interino.
Zabihullah disse que o novo governo protegeria “os maiores interesses do país” e manteria a Sharia – a lei islâmica – conforme interpretada pelo Talibã. O grupo militante disse que nomearia uma liderança permanente em breve.
Ex-detentos de Guantánamo e um dos mais procurados do FBI
A lista de cargos de alto escalão, que inclui ex-presos de Guantánamo, membros de um grupo terrorista designado pelos EUA e pessoas em listas de sanções internacionais, apresenta a primeiro visão de como a liderança do Talibã no Afeganistão começa a tomar forma.
Como muitos no próximo gabinete do Talibã, o primeiro-ministro interino Mohammad Hassan Akhund está sob sanções das Nações Unidas. Membro do grupo de longa data, ele é líder do Shura, ou Conselho de Liderança, há cerca de duas décadas.
Alguns analistas haviam inicialmente apostado em Abdul Ghani Baradar para o cargo. Baradar serviu no gabinete político do Talibã em Doha, no Catar, e liderou as negociações de paz com os EUA. Recentemente, voltou ao Afeganistão após um exílio de 20 anos e, segundo consta, se encontrou com o chefe da CIA, William Burns.
Dois membros seniores da rede Haqqani, um grupo considerado terrorista pelos EUA e alinhado com o Talibã e a Al-Qaeda, também farão parte do governo interino. Ambos foram sancionados pela ONU e pelos EUA.
Sirajuddin Haqqani, o líder da rede, será o ministro interino do interior. Haqqani é um dos dois vice-líderes do Talibã desde 2016. Membro da lista dos “mais procurados” do FBI, ele tem uma recompensa de US 10 milhões por sua cabeça.
Khalil Haqqani, tio de Sirajuddin, foi nomeado ministro interino para refugiados. Ele tem uma recompensa de US$ 5 milhões por seu relacionamento anterior com a Al-Qaeda. Dois outros membros do clã Haqqani também foram nomeados para cargos no governo interino.
Quatro homens que ocupavam cargos importantes no governo já estiveram detidos pelos EUA na Baía de Guantánamo e foram libertados como parte de uma troca de prisioneiros pelo sargento Bowe Bergdahl, em 2014.
O Talibã nomeou Noorullah Noori para ministro interino das fronteiras e assuntos tribais, Abdul Haq Wasiq como diretor interino de inteligência, Khairullah Khair como ministro interino da Informação e Cultura e Mohammad Fazil Mazloom como vice-ministro da Defesa.
Um quinto detido libertado na troca de 2014, Mohammed Nabi Omari, foi nomeado o novo governador da província de Khost no mês passado, de acordo com o Talibã.
Em sua maioria, eram membros de médio a alto escalão do regime do Talibã, que foi retirado do poder em 2001, e foram detidos no início da guerra no Afeganistão.
Mulheres fora do novo governo
O anúncio foi feito na terça-feira um dia depois que o Talibã reivindicou o controle da última província afegã e em meio aos maiores protestos de rua desde que o grupo militante tomou o controle do Afeganistão em meados de agosto, assumindo a capital Cabul e invadindo o palácio presidencial sem disparar um único tiro.
Entre as centenas de manifestantes, havia mulheres exigindo direitos iguais sob o governo do Talibã e plena participação na vida política. As manifestações foram interrompidas pelo grupo, com relatos de que alguns manifestantes foram violentamente espancados e outros detidos.
Os líderes do Talibã têm insistido publicamente que as mulheres desempenharão um papel proeminente na sociedade no Afeganistão e terão acesso à educação. Mas elas não estiveram envolvidas em negociações sobre a formação de um governo.
Nas últimas semanas, o Talibã sinalizou que as mulheres deveriam ficar em casa e, em alguns casos, os militantes ordenaram que as mulheres deixassem seus locais de trabalho.
Não houve menção a um ministério para mulheres no anúncio de terça-feira, e Zabihullah apenas disse que o Talibã lidaria com essa questão.
O Departamento de Estado dos EUA está atualmente “avaliando o anúncio de um governo interino”, de acordo com um porta-voz. “Observamos que a lista de nomes anunciada consiste exclusivamente de indivíduos que são membros do Talibã ou de seus associados próximos e não de mulheres”, disse ele na terça-feira.
“Também estamos preocupados com as afiliações e histórico de alguns dos indivíduos”, afirmou o porta-voz.
“Seguindo a notícia de hoje sobre a exclusão das mulheres no novo governo anunciado pelo Talibã, me uno a muitos ao redor do mundo para expressar minha decepção e consternação com uma decisão que põe em xeque os recentes compromissos de proteger e respeitar os direitos das mulheres e meninas do Afeganistão”, disse Pramila Patten, chefe interina da ONU Mulheres.
Ela pediu que o Talibã a cumpra suas obrigações de acordo com as disposições constitucionais e tratados internacionais para garantir a igualdade a todos os cidadãos.
“Observo ainda com grande preocupação o relato do uso de força pelas autoridades em Cabul contra manifestantes pacíficos, principalmente mulheres, que exigiam o gozo igual de seus direitos”, disse ela.
“Essas ações reforçam e validam as preocupações sobre as restrições impostas aos direitos humanos das mulheres, incluindo o direito de participar da vida pública e política.”
Em resposta a perguntas sobre a repressão do Talibã aos manifestantes, Zabihullah disse que protestos ilegais não seriam permitidos.