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Negociado em segredo, o pacto militar, conhecido como Aukus, permitirá por exemplo que a Austrália construa submarinos de propulsão nuclear pela primeira vez, a partir de tecnologia americana.
Morrison, Biden e Johnson anunciam o pacto militar Aukus | GETTY IMAGES |
Além disso, o acordo também inclui áreas como inteligência artificial, tecnologia quântica e cibersegurança.
Essa é a maior parceria no setor de defesa em décadas para esses países, que têm demonstrado preocupações nos últimos anos com a crescente presença militar da China na região do Indo-Pacífico (que inclui os oceanos Índico e Pacífico).
A nova parceria busca "promover a segurança e a prosperidade" na região, afirma uma declaração conjunta do presidente dos EUA, Joe Biden, do primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, e de seu homólogo australiano, Scott Morrison. A participação dos três mandatários do anúncio em conjunto por meio de videoconferência ressaltou a importância do pacto para esses países.
Em reação, a embaixada da China em Washington acusou os países de "mentalidade de Guerra Fria e preconceito ideológico". Um porta-voz da embaixada disse que as nações "não deveriam construir blocos de exclusão".
O pacto na prática significa que a Austrália abandonou um acordo de quase R$ 190 bilhões assinado com a França em 2016 com o objetivo de construir 12 submarinos não nucleares. O contrato com a França sofreu atrasos devido à exigência australiana de que vários componentes fossem adquiridos localmente.
A Austrália afirma não ter intenção de obter armas nucleares.
De todo modo, alguns analistas apontam que este pode ser o início da primeira marinha global do mundo.
O que é o Aukus?
É o maior acordo de segurança entre as três nações desde a Segunda Guerra Mundial (1939-45), afirmam analistas do setor de defesa e segurança. O nome é um jogo de palavras com letras dos nomes dos três países em inglês (Au, UK e US).
Embora os EUA, o Reino Unido e a Austrália sejam aliados há décadas, o Aukus formaliza e aprofunda sua cooperação de defesa.
O pacto se concentrará na capacidade militar, separando-a da aliança de compartilhamento de inteligência Five Eyes, que também inclui a Nova Zelândia e o Canadá. Segundo Boris Johnson, o Aukus também não afeta outras alianças estratégicas na área de defesa, como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Embora os submarinos da Austrália sejam o item mais caro do pacote, o Aukus também envolverá o compartilhamento de capacidades cibernéticas, inteligência artificial, tecnologia quântica e outras tecnologias submarinas.
"Esta é uma oportunidade histórica para as três nações, com aliados e parceiros com ideias semelhantes, para proteger os valores compartilhados e promover a segurança e a prosperidade na região do Indo-Pacífico", afirma a declaração conjunta dos mandatários dos três países.
No anúncio, os líderes não se referiram diretamente à China, mas disseram que os desafios à segurança regional "aumentaram significativamente".
"É um 'grande negócio' porque isso realmente mostra que os três países estão riscando uma linha na areia para começar e se opor aos movimentos agressivos do Partido Comunista Chinês no Indo-Pacífico", disse à BBC Guy Boekenstein, diretor sênior de Defesa e a Segurança Nacional no governo do Território do Norte da Austrália. "Ele também demonstra publicamente nossa posição conjunta sobre isso e nosso compromisso com uma região Indo-Pacífico estável e segura, o que nos últimos 70 anos levou à prosperidade de todos na região, incluindo o crescimento econômico da China."
Para Jonathan Beale, repórter da BBC especializado no setor de defesa, há dois pontos importantes no acordo. Primeiro, mostra a importância crescente da região do Indo-Pacífico tanto para os EUA quanto para o Reino Unido, que havia se afastado da região em sua estratégia geopolítica das últimas décadas.
Em segundo, afeta fortemente um dos países aliados da Otan, a França. O país europeu havia assinado um acordo para construir uma frota de submarinos elétricos a diesel para a Marinha australiana, mas esse negócio agora está morto. O governo francês disse em resposta que o anúncio foi uma "punhalada nas costas" de um país aliado e fez coro aos pedidos crescentes pela criação de uma força militar conjunta da União Europeia e uma estratégica geopolítica para além da influência dos EUA.
Qual é o pano de fundo do acordo?
O crescimento militar da China tem preocupado potências rivais nos últimos anos. E Pequim tem sido acusada de aumentar as tensões em territórios disputados, como o Mar da China Meridional.
Essa região inclui um dos pontos mais conturbados do mundo.
Por ligar os oceanos Pacífico e Índico, o Mar da China Meridional (ou Mar do Sul da China), por exemplo, tem rotas comerciais que movimentam 1/3 das mercadorias embarcadas do mundo e mais de US$ 3 trilhões por ano. Esse valor é mais que o dobro do PIB brasileiro, que chegou a US$ 1,4 trilhão em 2020.
A China e outros cinco países (Vietnã, Filipinas, Taiwan, Malásia e Brunei) reivindicam territórios marítimos no Mar do Sul da China, que abrigam rotas cruciais para navios cargueiros e aviões.
Além disso, há anos a China vem construindo ilhas artificiais em pleno mar como forma de ocupar parte do território que reivindica, o que é considerado uma violação à lei internacional. O que eram arrecifes e pedras se tornaram bases aéreas, por exemplo. Em 2020, um navio pesqueiro vietnamita foi afundado pela guarda costeira e um navio petroleiro da Malásia foi interceptado por embarcações militares chinesas, ambos naquela região. Foram ações isoladas, mas com simbolismo tão forte que levou autoridades americanas à região naquela época para acalmar aliados e pressionar a China.
Há temores de que o Mar do Sul da China possa ser o local onde as tensões diplomáticas entre a China e os EUA, e seus aliados, atinjam o ponto de agressão militar aberta.
Kelsey Broderick, da consultoria Eurasia Group, disse recentemente à BBC News Brasil que a China tem dado sinais de que não quer um conflito militar aberto, mas o país parece estar hoje muito mais perto disso do que no passado recente. "A China vem aumentando sua capacidade militar nos últimos anos para poder lutar militarmente nestas questões de fronteira caso seja necessário, porque elas são muito importantes para o país."
O país asiático também investiu pesadamente em sua Guarda Costeira nos últimos anos, o que analistas dizem ser, na verdade, uma frota militar de fato.
Nações do chamado mundo ocidental têm olhado com desconfiança o investimento da China em infraestrutura nas ilhas do Pacífico e também as controversas sanções comerciais contra países como a Austrália.
Para os EUA e a Austrália, esse tipo de prática é uma "coerção econômica". As sanções chinesas foram adotadas em retaliação a posições da Austrália, como críticas públicas à China por não ter feito uma investigação transparente sobre a origem do coronavírus e a criação de obstáculos para a atuação de empresas chinesas com a gigante de tecnologia Huawei.
Em entrevista à BBC, o secretário de Defesa do Reino Unido, Ben Wallace, disse que a China tem hoje um dos maiores gastos militares da história. "Ela está ampliando sua Marinha e sua Força Aérea em um ritmo enorme. Obviamente, está as utilizando em algumas áreas disputadas", afirmou Wallace. "E nossos aliados nessas regiões querem ser capazes de se defender."
"Ouvimos palavras sobre cooperação (por parte de autoridades chinesas) e depois vemos ameaças contra Taiwan, os eventos em Hong Kong e a rápida militarização do Mar da China Meridional. Então, realmente, quando se trata de questões estratégicas, obstáculos como esses parecem ser a única coisa que fazem sentido contra a China ", disse Michael Shoebridge, diretor de Defesa, Estratégia e Segurança Nacional do Instituto Australiano de Política Estratégica.
Huiyao Wang, conselheiro do governo chinês e presidente do Centro para China e Globalização (um dos principais think tanks da China) disse em entrevista à BBC que não entende o propósito de um acordo militar dessa magnitude em tempos de paz.
Questionado se o Aukus não seria uma resposta à ampliação da frota naval da China, Wang diz que esse movimento estratégico chinês não mira a ofensiva militar, mas a defesa do país. "Há navios, porta-aviões dos EUA, do Aukus, circulando com frequência na região da China. Nós não vemos a marinha chinesa no Caribe, na Flórida ou no Havaí."
Para ele, o acordo representa "uma mentalidade da Guerra Fria por parte dos EUA e seus aliados". Wang defende que o equilíbrio de forças na região deve ser mantido como está, sem interferências externas.
"A China sempre pode resolver os problemas com o próprio país da região. Nós não precisamos da intervenção de forças de fora ou que eles percorram milhares de quilômetros de distância para fortalecer outros países. Eu não acho que isso seja necessário. Nós podemos resolver essas questões pacificamente se há alguma disputa entre países da região."
Por que construir submarinos com propulsão nuclear?
Esses submarinos são muito mais rápidos e difíceis de detectar do que as frotas com propulsão convencional. Eles podem ficar submersos por meses, viajar por distâncias mais longas e também carregar mais armamento.
Segundo analistas, a presença deles estacionados na Austrália é fundamental para a influência dos EUA na região.
Os EUA estão compartilhando sua tecnologia de submarino pela primeira vez em 50 anos, algo que só havia sido feito com o Reino Unido, seu aliado mais próximo.
Assim, a Austrália se tornará a sétima nação do mundo a operar submarinos com propulsão nuclear, ao lado de EUA, Reino Unido, França, China, Índia e Rússia.
"Isso muda o equilíbrio de poder na região. Se a China enfrentar uma situação militar no Mar da China Meridional ou no Estreito de Taiwan, essa nova parceria militar afetará a resposta que a China terá de preparar", disse à BBC Yun Sun, codiretora do Programa para o Leste Asiático no Stimson Center, sediado na capital americana.
Para John Blaxland, professor do Centro de Estudos de Estratégia e Defesa da Universidade Nacional Australiana, a Austrália tem ganhos claros com a parceria militar, mas por outro lado o país associa seu destino ao dos EUA e dificilmente ele escaparia de se envolver automaticamente em um eventual conflito armado.
Em reação ao anúncio do Aukus, a vizinha Nova Zelândia disse que baniria os submarinos australianos de suas águas, de acordo com sua atual política sobre a presença de submarinos com propulsão nuclear. Segundo a primeira-ministra Jacinda Ardern, seu país, que tem sido mais reticente sobre se alinhar aos EUA ou à China, não foi convidado a aderir ao pacto Aukus.
A Austrália adotava a mesma postura de não alinhamento automático aos EUA ou à China. Mas, segundo especialistas, o avanço do poderio militar chinês na região e as retaliações contra a Austrália levara o primeiro-ministro Scott Morrison a escolher um lado no tabuleiro geopolítico.