Guilherme Russo | CNN
Vinte anos depois de ter realizado seus mais mortíferos atentados, em 11 de setembro de 2001, e mais de uma década após seu fundador e líder supremo, Osama Bin Laden, ter sido morto pelo governo americano, a rede terrorista Al Qaeda luta para sobreviver.
Longe de ter sido vencida pela “guerra ao terror” promovida pelos Estados Unidos, a organização jihadista conta atualmente com combatentes em pelo menos 15 das 34 províncias do Afeganistão, principalmente na fronteira com o Paquistão, e no
próprio país vizinho, segundo o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). O relatório aponta ainda presença significativa da Al Qaeda na Síria e na África.
Com a retomada do Afeganistão por parte do Talibã, que quando governou o país pela primeira vez, entre 1996 e 2001, abrigou líderes, combatentes e campos de treinamento da Al Qaeda, a comunidade internacional teme que o território afegão volte a servir aos interesses da rede terrorista.
Mas analistas de geopolítica ponderam que, na busca por reconhecimento internacional, traduzido em última instância em ajuda financeira externa para seu governo, o Talibã poderá não ser tão tolerante e amistoso em relação à Al Qaeda como no passado.
Além do Ocidente, Rússia e China também têm interesse em coibir o jihadismo internacional. Os russos, para evitar a radicalização de ex-repúblicas soviéticas com as quais faz fronteira, sob sua esfera de influência imediata; e os chineses, para evitar que a região de Xinjiang, lar dos muçulmanos uigures, se radicalize.
Ameaça de novos ataques
De acordo com reportagem da CNN publicada em abril de 2021, a volta do Talibã ao poder no Afeganistão pode impelir a Al Qaeda a organizar novos ataques contra os EUA. “Os americanos foram derrotados. A guerra contra os EUA continuará em todos os outros fronts, a não ser que eles sejam expulsos do restante do mundo islâmico”, afirmaram dois membros da Al Qaeda, agradecendo ao Talibã pela ajuda nos anos recentes.
“Graças à proteção dos afegãos aos companheiros em armas, muitos desses fronts de jihad têm operado com scesso em diferentes partes do mundo islâmico há muito tempo”, declararam à CNN os jihadistas da Al Qaeda.
O relatório mais recente do Conselho de Segurança da ONU a respeito do jihadismo no Afeganistão, que analisou o período entre maio de 2020 e abril de 2021, afirma que “o Talibã e a Al Qaeda continuam alinhados proximamente e não mostram sinais de rompimento de laços”. Segundo o documento, a Al Qaeda está presente “principalmente nas regiões leste, sul e sudeste” do território afegão.
“A Al Qaeda mantém contato com o Talibã, mas minimizou comunicações públicas com a liderança do Talibã em um esforço de ‘passar despercebida’ e não comprometer a posição diplomática do Talibã”, afirmou o relatório, citando o acordo de paz entre o grupo afegão e o governo americano, alcançado em Doha, em fevereiro de 2020.
Além de estabelecer o fim dos combates entre EUA e Talibã, o pacto definiu o cronograma da retirada das forças americanas do Afeganistão. E o Talibã se comprometeu a não permitir que o território afegão seja usado por jihadistas como base de ataques contra os EUA.
“Enquanto o acordo de Doha criou certas expectativas sobre um rompimento na duradoura relação entre o Talibã e a Al Qaeda, o texto do acordo disponível publicamente não define expectativas, e seus anexos permanecem secretos”, afirma o documento da ONU.
Em um artigo escrito para o jornal americano “The Washington Post”, Daniel L. Byman, pesquisador do Brookings Institute e professor da Georgetown University, escreve que “mesmo com combatentes no Afeganistão, a habilidade da Al Qaeda de promover ataques terroristas internacionais de lá ou do Paquistão, onde a organização está baseada há quase 20 anos, é limitada”.
Segundo Byman, desde o 11 de Setembro nenhum membro central da Al Qaeda conseguiu desferir ataques em solo americano – embora tenham ocorrido diversas tentativas.
“Um grupo afiliado à Al Qaeda na Península Arábica conduziu ataques como o de dezembro de 2019, que matou três pessoas numa base naval da Flórida. Mas eles não estão sediados no Afeganistão ou no Paquistão como o centro do movimento. Na última década, a Al Qaeda está mais fortemente dependente de grupos afiliados para manter seu nome vivo”, diz Byman.
Os Estados Unidos e suas forças especiais mantiveram ataques constantes a líderes da Al Qaeda e evitaram que se formassem grandes campos de treinamento como os que existiam antes do 11 de Setembro.
E, continua Byman, países de todo o mundo se mantiveram atentos à ameaça representada pela Al Qaeda. “O esforço global de inteligência tornou difícil para os membros se comunicarem, mandarem combatentes para fazer reconhecimento ou levantar fundos ou se preparar para conduzir ataques.”
A estrutura atual da Al Qaeda
Segundo o relatório, a Al Qaeda conta com um número de combatentes que varia entre “várias dezenas” e 500 pessoas no Afeganistão e no Paquistão. “O núcleo central de membros da Al Qaeda é de origem não afegã, consiste principalmente de cidadãos de países do Norte da África e do Oriente Médio.”
De acordo com relatório publicado em meados de 2020 pelo Conselho de Segurança da ONU, “entre 400 e 600” combatentes da Al Qaeda estavam ativos naquele ano no Afeganistão, que, segundo o documento, abrigava na época Ayman al-Zawahiri — número 2 da Al Qaeda até a morte de Bin Laden e seu sucessor na liderança da rede terrorista após o assassinato.
Zawahiri teria morrido de “causas naturais” no Afeganistão, no segundo semestre de 2020, mas a informação ainda não foi confirmada por fontes independentes. “O status do líder da Al Qaeda, Ayman al-Zawahiri, é desconhecido. Se estiver vivo, vários Estados-Membros avaliam que ele está debilitado, o que leva a uma intensa disputa por liderança na Al Qaeda”, afirmou o relatório de 2021.
“Grupos alinhados à Al Qaeda continuam a dominar a área de Idlib, na região noroeste da República Árabe Síria, onde o número de combatentes terroristas ultrapassa 10 mil”, afirmou o documento mais recente do Conselho de Segurança da ONU.
Na Guerra Civil Síria, a Al Qaeda também manteve vínculos com a Frente Al-Nusra, um dos principais grupos jihadistas que afrontaram as forças do presidente Bashar al-Assad na insurreição contra sua ditadura, iniciada em 2011, no contexto da Primavera Árabe.
Fundada em janeiro de 2012, a Al-Nusra jurou fidelidade à Al Qaeda em abril de 2013, mas rompeu com a rede terrorista internacional em julho de 2016.
Outro importante ator jihadista na guerra síria, o Estado Islâmico (EI) emanou da Al Qaeda no Iraque, ascendendo em meio ao conflito sectário entre muçulmanos sunitas e xiitas que se intensificou no território iraquiano depois da retirada dos EUA, em dezembro de 2011.
Luta global
De acordo com Reginaldo Nasser, professor livre-docente de relações internacionais da PUC-SP, o Estado Islâmico levou adiante a noção de “transnacionalidade” da jihad contemporânea, que fundamenta a ideologia da Al Qaeda. Isso ficou claro quando o EI proclamou seu “califado” em junho de 2014 sobre vastos territórios do Iraque e da Síria, onde se aliou também com a Frente Al-Nusra.
Nasser observou que, ao fundar a Al Qaeda, em 1988, Bin Laden globalizou a jihad ao conclamar muçulmanos de todas as nacionalidades para combater a União Soviética, que tinha invadido o Afeganistão em 1979 e lutava para controlar o país centro-asiático.
O movimento mujahidin aproximou a Al Qaeda do Talibã, mas os objetivos e os métodos dos grupos, ressaltou Nasser, sempre foram claramente distintos. “O Talibã é um movimento provinciano, no máximo nacional, pretende controlar seu país; e não encara bem a ideia de atentado suicida. A Al Qaeda sintetiza o espírito radical do Talibã”, analisou o professor, explicando que o grupo de Bin Laden nunca simpatizou com identidades nacionais.
Origem do antiamericanismo
“A Al Qaeda pretendeu afrontar o Saddam Hussein”, lembrou Nasser. “Saddam representava o partido Baath, laico, ao qual os islâmicos sempre se opuseram”, explicou Osvaldo Coggiola, professor titular de história contemporânea da USP. Após uma tentativa frustrada de Bin Laden de levantar fundos para financiar seu ataque contra o regime iraquiano, porém, o Iraque invadiu o Kuwait, em agosto de 1990, desencadeando a Guerra do Golfo.
O historiador afirmou que, nesse momento, Bin Laden se revoltou contra o fato de que os EUA instalaram bases próximas a lugares sagrados do Islã, na Arábia Saudita, para atacar o Iraque — matando muçulmanos comuns que viviam no país de Saddam.
Cerca de 300 mil soldados americanos, incluindo mulheres, ficaram estacionados em território saudita durante a guerra. “Isso leva à política antiamericana da Al Qaeda”, observou Coggiola.
Bin Laden passou um período no Sudão e retornou para o Afeganistão em 1996, acolhido pelo Talibã, que havia conquistado o país centro-asiático pela primeira vez naquele ano. O líder da Al Qaeda emitiu uma fatwa (espécie de pronunciamento legal de um líder islâmico) contra os EUA em fevereiro de 1998, decretando que muçulmanos tinham o dever de matar americanos, incluindo civis, em qualquer lugar do mundo.
Seis meses depois, a Al-Qaeda — associada ao grupo Jihad Islâmica Egípcia — explodiu com caminhões-bomba as embaixadas americanas em Nairóbi, no Quênia, e Dar es Salaam, na Tanzânia. Pelo menos 224 pessoas morreram e mais de 4 mil ficaram feridas.
O ex-presidente americano Bill Clinton respondeu com ataques de mísseis contra o Sudão e o Afeganistão e declarou Bin Laden o principal inimigo dos EUA. Segundo analistas, isso fez aumentar consideravelmente a popularidade do líder da Al Qaeda entre muçulmanos de toda parte. “Começaram a dar importância para o Bin Laden”, explicou Nasser.
A jihad da Al Qaeda contra os EUA culminou nos ataques de 11 de setembro de 2001.
Apesar de desarticulada após a “guerra ao terror” empreendida pelo ex-presidente dos Estados Unidos George W. Bush e o assassinato de Bin Laden, ordenado pelo ex-presidente americano Barack Obama, em maio de 2011, a Al Qaeda continua servindo de inspiração para jihadistas.
A transnacionalidade da rede terrorista, que apoiou e influenciou movimentos e indivíduos em todo o mundo muçulmano, é notada hoje por analistas especialmente no grupo fundamentalista Estado Islâmico Khorasan (EI-K), que pretende fundar seu califado em um território que envolve partes do Afeganistão, do Irã, do Turcomenistão, do Uzbequistão e do Tajiquistão.