Reality Check | BBC News
O destino de algumas famílias na área de Sheikh Jarrah — e de outras ameaçadas de despejo em Jerusalém Oriental — desencadeou semanas de protestos e confrontos.
As tensões em Jerusalém aumentaram no início deste ano | REUTERS |
Do que se trata a disputa?
Sheikh Jarrah é um bairro palestino de Jerusalém Oriental, que é ocupada por Israel, perto da Cidade Velha e de seus locais sagrados.
Há uma longa disputa sobre a quem pertencem as terras na região, que levou grupos de colonos judeus a moverem ações de despejo contra palestinos que se mudaram para lá como refugiados.
A geografia deste pequeno distrito em Jerusalém é central para o conflito entre israelenses e palestinos.
Israel considera toda a cidade sua capital — algo que não é reconhecido pela maior parte da comunidade internacional.
Os palestinos querem, por sua vez, que Jerusalém Oriental seja a capital de um futuro estado palestino.
O que está acontecendo em Sheikh Jarrah?
Associações judaicas compraram terras perto da tumba de Shimon Hatzadik, monumento sagrado para os judeus, em Sheikh Jarrah, em 1876, e uma comunidade viveu lá por décadas.
Os judeus que viviam no leste e os palestinos que viviam no oeste da cidade tiveram que deixar suas casas.
E a Jordânia controlou Jerusalém Oriental, se tornando responsável pelos refugiados palestinos que se mudaram para lá.
Com a ajuda da Organização das Nações Unidas (ONU), as autoridades jordanianas construíram 28 casas para alguns desses refugiados, em terrenos de Sheikh Jarrah anteriormente ocupados por associações judaicas, mas tomados pela Jordânia.
Foi prometido a estas famílias os títulos de propriedade dos terrenos — mas elas nunca receberam.
"As famílias originais escolhidas pela agência de refugiados palestinos da ONU (Unrwa) agora se tornaram mais de 60 famílias que compreendem mais de três gerações de palestinos que vivem em Sheik Jarrah", de acordo com um documento recente de um relator especial da ONU.
Mas depois da guerra de junho de 1967, Israel ocupou Jerusalém Oriental e aplicou suas próprias leis — algo que a ONU diz ser ilegal.
Em 1970, foi introduzida uma lei para tratar das reivindicações de propriedades disputadas em lugares como Sheikh Jarrah.
E as terras que as autoridades jordanianas haviam classificado como "propriedades inimigas" entre 1948 e 1967 foram transferidas para o órgão israelense encarregado de devolver as terras a seus proprietários originais antes de 1948 — ou a seus herdeiros.
Os palestinos, no entanto, não têm poder equivalente para recuperar propriedades que perderam em Jerusalém Ocidental, ou em qualquer outro lugar em Israel, que sob uma lei de 1950 foram declaradas abandonadas e transferidas para o controle do estado — embora eles possam reivindicar uma indenização.
Duas associações judaicas, em alguns casos apresentando documentos da era otomana, receberam os direitos sobre as terras em Sheikh Jarrah nas quais as casas para refugiados palestinos foram construídas.
E mais tarde elas venderam as terras para o grupo de colonos Nahalat Shimon, que liderou as ações de despejo e quer expandir a presença judaica em partes predominantemente palestinas de Jerusalém Oriental.
Alguns palestinos receberam "status de inquilino protegido", nomeadamente por meio de um acordo, em 1982, envolvendo 17 famílias de Sheikh Jarrah.
Mas isso validava efetivamente as escrituras de propriedade do século 19 apresentadas pelos grupos judeus e significava que as famílias pagariam aluguel aos novos proprietários e precisariam de permissão para ampliar as casas.
Posteriormente, as famílias rejeitaram o acordo. E há dúvidas se os palestinos sabiam no que estavam se metendo.
"Parece que em nenhum momento as famílias deram consentimento ou foram consultadas sobre o acordo negociado pelo advogado, que não representava todas as famílias palestinas que viviam em Sheikh Jarrah", dizem relatores especiais da ONU.
No início da década de 1990, as famílias pararam de pagar aluguel, e os judeus começaram a entrar com processos judiciais contra elas.
Em 2020, um tribunal em Jerusalém decidiu a favor de Nahalat Shimon e emitiu ordens de despejo para várias famílias, afetando dezenas de pessoas.
A Suprema Corte tentou servir de mediadora entre os dois grupos — e uma proposta incluía que as famílias pagassem aluguel —, mas as negociações fracassaram.
Os colonos querem o reconhecimento total do direito de propriedade — mas as famílias se recusam a aceitar isso.
E a Suprema Corte deve decidir se concede ou nega a permissão para um recurso apresentado por advogados que representam famílias palestinas em Sheikh Jarrah.
Eles "moram nessas casas há quase 70 anos", diz Unrwa.
"E agora correm o risco de terem que deixar suas casas pela segunda vez."
A ONU diz que as leis que regem quem tem direito de propriedade em Jerusalém são "aplicadas de maneira inerentemente discriminatória, com base unicamente na nacionalidade ou origem do proprietário".
Mas o governo israelense afirma que tem o direito de construir na cidade que considera sua capital — e os despejos são questões de propriedade privada a serem resolvidas pelo proprietário e inquilino.
Exemplos notáveis destacam as reivindicações concorrentes.
O Shepherd Hotel, em Sheikh Jarrah, por exemplo, foi declarado uma "propriedade ausente" sob a legislação israelense, e o título foi transferido para uma empresa israelense e posteriormente comprado por um milionário americano que demoliu o prédio para abrir caminho para um assentamento.
Os palestinos dizem que o prédio foi tomado ilegalmente.
Há cerca de 3.000 colonos em bairros predominantemente palestinos em Jerusalém Oriental — quase todos dentro e ao redor da Cidade Velha, em lugares como Sheikh Jarrah, segundo a Peace Now, uma organização não governamental israelense.
E desde o início de 2020, o tribunal de primeira instância local ordenou a remoção de 36 famílias de Batan Al-Hawa e Sheikh Jarrah, o que atualmente é objeto de recurso.
Em toda a cidade, estima a ONU, pelo menos 970 palestinos correm o risco de remoção forçada devido a ações apresentadas a tribunais israelenses.
As regulamentações locais também dificultam para os palestinos ampliarem suas casas.
Entre 1991 e 2018, foi aprovada a construção de 9.536 unidades habitacionais em bairros palestinos de Jerusalém Oriental, em comparação com 21.834 em bairros israelenses, de acordo com a Peace Now.
E por causa dos obstáculos burocráticos, muitas obras são feitas ilegalmente, levando a demolições pelas autoridades israelenses.