Julian Ryall | Deutsch Welle (Tóquio)
O Japão e a Coreia do Sul fecharam as suas embaixadas em Cabul e retiraram os seus diplomatas e funcionários de apoio que ainda estavam na capital do Afeganistão, depois que o Talibã efetivamente tomou o controle do país nesta segunda-feira (16/08).
Abdul Ghani Baradar, co-fundador do Talibã, reuniu-se em julho com o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi |
Nem Tóquio nem Seul chegaram a enviar militares ao Afeganistão, mas ambos tiveram papel importante na execução de projetos de infraestrutura durante a tentativa de desenvolver o país nas duas décadas de presença dos Estados Unidos e da Otan.
Especialistas avaliam que os projetos de apoio no país agora serão suspensos, até que as políticas e os planos do regime Talibã fique claros, incluindo suas atitudes sobre mulheres e oportunidades educacionais para garotas.
Tanto o Japão como a Coreia do Sul também ficarão atentos às ações do governo chinês, que nesta segunda reconheceu a tomada de poder pelo Talibã após a derrubada do governo anterior.
Uma autoridade do governo chinês manifestou esperança de que o Talibã estabeleça uma estrutura política que ajude a garantir uma paz duradoura no Afeganistão e acrescentou que Pequim "mantém contato e comunicação com o Talibã" e pretende "desempenhar um papel construtivo na paz e na reconstrução do Afeganistão".
Uma grande questão é se Pequim pretende continuar expandindo a sua esfera de influência por meio de grandes projetos de ajuda externa, o que poderia tornar as nações destinatárias cada vez mais dependentes das contribuições chinesas.
A China já estabeleceu uma aliança próxima com o Paquistão, ao buscar uma saída para o Oceano Índico, e o Afeganistão poderia se tornar mais um aliado estratégico importante para Pequim na Ásia.
Apoio do Japão
Desde 2001, o Japão destinou cerca de 6,8 bilhões de dólares (R$ 37 bilhões) em assistência para a reconstrução da infraestrutura no Afeganistão.
Mais 720 milhões de dólares (R$ 4 bilhões) do governo japonês estavam previstos para o Afeganistão na forma de projetos de apoio no período de 2021 a 2024, mas é muito provável que essas transferências agora sejam interrompidas.
"O Japão foi muito ativo com ajuda para reconstruir a infraestrutura, desenvolver a agricultura e outros projetos similares, e é difícil imaginar como isso poderia continuar agora que as organizações de apoio e os funcionários da embaixada se retiraram", diz a professora de ciência política Hiromi Murakami, da Universidade Temple de Tóquio.
"Tóquio provavelmente irá esperar e ver o que os outros governos farão em relação ao engajamento com o novo governo do Talibã, pois o envolvimento do Japão se dá exclusivamente na forma de apoio ao desenvolvimento e não há implicações estratégicas", afirma ela à DW.
O Japão já vivenciou os riscos de implementar projetos de desenvolvimento em um Afeganistão instável. Em 2019, o médico japonês Tetsu Nakamura, diretor da organização Peace Japan Medical Services, foi morto a tiros na região de Jalalabad. Ele estava liderando a implementação de projetos de irrigação para ajudar os moradores locais, e a autoria do seu assassinato foi atribuída ao Talibã.
"Aguardar e observar"
O professor de relações internacionais Stephan Nagy, da Universidade Cristã Internacional em Tóquio, diz que tanto o Japão como a Coreia do Sul irão "aguardar e observar" como o Talibã imporá as suas leis no Afeganistão nos próximos seis meses, antes de decidir retomar os projetos de ajuda e assistência ao país.
"Se o Talibã for moderado nas suas ações e se aprendeu as lições durante a última vez em que governou o país, aí posso ver o Japão pronto para se engajar novamente", afirma.
A situação na Coreia do Sul é mais complicada, pois boa parte da ajuda sul-coreana é fornecida por meio de igrejas cristãs e organizações associadas a elas, que provavelmente não serão bem-vindas pelo Talibã. "No momento não está claro que tipo de governo o Talibã fará, então o momento é de espera", diz.
Se for um governo radical, baseado numa interpretação literal do Alcorão, que nega educação às garotas e restringe a liberdade das mulheres, o Japão e a Coreia do Sul "irão se afastar e levar seus projetos de apoio para outro lugar", afirma.
Ambições regionais da China
Murakami diz que a China, que tem uma fronteira montanhosa de 76 quilômetros com o Afeganistão, poderá tentar aproveitar a tomada do poder pelo Talibã e o provável vácuo de parcerias internacionais com o novo regime.
"Reconhecer o governo do Talibã tão rapidamente foi um movimento forte da China e será interpretado pela comunidade internacional como um desafio", afirma.
"Nos últimos anos, Pequim tem ganhado espaço agressivamente em toda a Ásia e no Pacífico, politicamente, militarmente e por meio de projetos de apoio, e é provável que os chineses tentarão a mesma tática no Afeganistão", diz.
Críticas anteriores feitas por Seul e Tóquio ao Talibã também devem fazer com que os dois países não sejam bem-vistos pelo novo regime em Cabul.
Há não muito tempo, em maio, o Ministério do Exterior do Japão condenou um ataque terrorista a uma escola em Cabul, no qual diversas garotas foram mortas.
No início de agosto, o Ministério do Exterior da Coreia do Sul, que em 2018 doou 2,2 milhões de dólares (R$ 12 milhões) para apoiar "crianças e mulheres vulneráveis no Afeganistão", disse que um ataque ao complexo da ONU em Herat e "episódios de violência que se seguiram" deveriam ser "investigados como um possível crime de guerra".
"O Talibã precisa parar de negar seu envolvimento em violações de direitos humanos e observar o Estado de Direito para investigar e processar as pessoas responsáveis em sua organização", afirmou o ministério sul-coreano.