Stephen Collinson | CNN
Uma ameaça terrorista grave e específica do Estado Islâmico K, também chamado de ISIS-K, paira sobre a frenética retirada dos Estados Unidos do Afeganistão, com o tempo se esgotando para resgatar cerca de 1.500 norte-americanos e o destino dos afegãos em fuga parecendo mais sombrio a cada hora.
Soldado dos EUA ajuda afegão e seu filho a embarcarem em voo no aeroporto de Cabul / Sgt. Donald R. Allen – 24.ago.2021/U.S. Air Force via AP |
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, está comprometido com o prazo final de terça-feira (31) para a saída total de uma guerra de 20 anos no Afeganistão, após uma redução de tropas inicialmente caótica que desde então evoluiu para um gigantesco e ousado transporte aéreo de mais de 82.000 pessoas de Cabul.
Mas em um sinal alarmante da deterioração do ambiente de segurança, diplomatas norte-americanos em Cabul alertaram os cidadãos do país nesta quinta-feira (26) para deixarem imediatamente vários portões do aeroporto, citando ameaças à segurança.
O alerta veio horas depois que um oficial de defesa dos EUA disse à CNN que as autoridades estavam alarmadas por uma “corrente de ameaças muito específicas” da afiliada do Estado Islâmico no Afeganistão, que planejava atacar multidões fora do campo de aviação.
Lá dentro, milhares de soldados enfrentam condições difíceis e calor intenso para encher aviões de carga com cidadãos norte-americanos e afegãos que ajudaram as tropas e temem uma punição do Talibã.
A questão agora é por quanto tempo o Pentágono manterá a operação de evacuação antes de fazer a transição para uma missão de extrair milhares de soldados e material, o que pode levar vários dias e reduzir as partidas de não combatentes.
Isso significa uma corrida contra o relógio para encontrar e extrair os norte-americanos restantes que querem deixar o país e provavelmente significa que milhares de tradutores afegãos e outros podem ser deixados para trás, em uma tragédia final da guerra mais longa dos EUA.
Mas a intensa mobilização militar deu a Biden algum espaço político, depois que o colapso relâmpago do estado e do Exército afegãos contradisse diretamente suas previsões de que o Talibã não tomaria repentinamente o poder e obrigaria os Estados Unidos a uma retirada apressada e humilhante.
A operação até agora não custou uma única vida de norte-americano. Biden disse esta semana que não enviaria mais nenhum soldado para morrer no Afeganistão.
E o fato de as tropas americanas não estarem procurando ativamente cidadãos fora dos arredores do aeroporto no território do Talibã – além de alguns exemplos publicamente conhecidos – sugere que a Casa Branca está mantendo os riscos da operação o mais baixo possível.
Mas Washington está no limite, refém dos acontecimentos do outro lado do globo. Quaisquer mortes, ataques terroristas ou trocas de tiros dos EUA com o Talibã podem transformar uma crise que está no fio da navalha para o presidente em um desastre político completo, além da dor humana e da perda que causariam.
Enquanto centenas de afegãos chegam ao solo dos EUA, a atenção está começando a se concentrar em como os EUA vão absorver os refugiados, com alguns republicanos, incluindo o ex-presidente Donald Trump, já atacando sua chegada em uma ofensiva política tóxica.
ISIS-K representa ameaça ‘muito real’
As tropas norte-americanas já estavam em uma posição profundamente vulnerável no aeroporto, o último pedaço do Afeganistão que controlam, depois que o inimigo contra o qual passaram duas décadas lutando, o Talibã, assumiu o controle do país em um avanço relâmpago.
Mas a ameaça adicional do ISIS-K torna a situação ainda pior. O grupo é um inimigo declarado do Talibã e dos EUA, então tem todos os motivos para causar o caos.
Ele mostrou sua capacidade em Cabul, no início deste ano, em um ataque a uma escola para meninas que matou dezenas de pessoas, a maioria crianças.
Milhares de afegãos têm lutado contra os postos de controle do Talibã nos últimos dias, buscando acesso aos portões controlados por soldados americanos e aliados. Qualquer ataque teria o potencial de causar baixas terríveis. Acredita-se que as fileiras do ISIS-K foram aumentadas por fugitivos das prisões afegãs e, potencialmente, por vários combatentes da Síria.
“É difícil exagerar a complexidade e o perigo desse esforço”, disse o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, na quarta-feira (25). “Estamos operando em um ambiente hostil em uma cidade e país agora controlados pelo Talibã com a possibilidade muito real de um ataque do ISIS.”
Blinken deu a análise mais detalhada já feita sobre o número de americanos que podem estar no Afeganistão. Ele disse que as forças dos EUA até agora retiraram pelo menos 4.500 cidadãos norte-americanos. Ele disse que os EUA forneceram a outros 500 americanos instruções sobre como chegar ao aeroporto com segurança.
Ele disse que as autoridades estão enviando para os possíveis 1.000 cidadãos restantes e-mails, mensagens de texto e ligações. Mas ele alertou que alguns podem ter saído por conta própria ou podem, de fato, não ser norte-americanos.
Entre os cidadãos do país no país estão cerca de 20 estudantes de San Diego e suas famílias que viajaram ao Afeganistão neste ano e não conseguiram chegar ao aeroporto de Cabul, disseram funcionários da escola e do Congresso à CNN.
Desde 14 de agosto, mais de 82.300 pessoas foram levadas de Cabul. Em um esforço intenso nesta semana, de terça para quarta-feira cerca de 19.000 pessoas partiram em 90 voos dos Estados Unidos e da coalizão, disse Blinken.
Mas o fato de que até mesmo cidadãos norte-americanos parecem estar tendo problemas para acessar o aeroporto significa que potencialmente dezenas de milhares de afegãos qualificados para reassentamento nos Estados Unidos e em outros lugares podem já ter perdido suas chances.
O Talibã já havia dito que impediria os cidadãos afegãos de chegar ao aeroporto. Mas as autoridades em Washington disseram que fariam tudo o que pudessem para retirar o maior número possível de afegãos dentro do prazo.
“Eles não serão esquecidos”, disse Blinken, enfatizando que o esforço dos EUA para salvar os afegãos com laços com o país não cessarão quando as tropas partirem – apesar de não está claro como isso vai acontecer.
“Junto com os cidadãos norte-americanos, nada é mais importante para mim como secretário de Estado do que fazer o que é certo pelas pessoas que trabalharam lado a lado com diplomatas em nossa embaixada”, disse Blinken. “Estamos incansavelmente focados em tirar o pessoal local do Afeganistão e protegê-lo de qualquer perigo.”
Mas o principal republicano no Comitê de Relações Exteriores da Câmara, o deputado Michael McCaul, do Texas, disse a Wolf Blitzer, da CNN, que seu escritório estava recebendo mensagens de muitos afegãos em busca de saídas seguras.
Questionado se as forças dos EUA poderiam extrair todos os cidadãos restantes e afegãos elegíveis, McCaul respondeu: “Não acho que seja humanamente possível”. Ele também citou o que disse serem histórias verossímeis de tradutores que trabalharam para os EUA sendo interceptados no aeroporto, levados para casa para ver suas famílias mortas e, em seguida, sendo eles próprios decapitados. A CNN não conseguiu verificar de forma independente esses relatos.
Crescente tempestade política
Os afegãos que conseguem sair do país não estão voando diretamente para os Estados Unidos. Muitos estão sendo levados para centros de detenção em terceiros países, incluindo o Catar. Mas aqueles que passaram por verificação de segurança e exames de saúde já começaram a chegar aos Estados Unidos.
Milhares de pessoas já chegaram aos EUA, incluindo 1.200 que chegaram à área de Washington, DC, disse o major-general Hank Taylor, vice-diretor da Operação Regional Conjunta.
Uma pesquisa da CBS News divulgada no fim de semana indicou que 81% dos norte-americanos achavam que o governo deveria ajudar os afegãos que trabalharam com autoridades, tropas e agências de inteligência dos EUA.
Mas sua chegada já desencadeou o que pode se transformar em uma nova frente da amarga batalha pela imigração que Trump e outros republicanos extremistas usaram para chegar ao poder.
Enquanto ainda era presidente, Trump fez um acordo com o Talibã para deixar o Afeganistão – independente do governo afegão – o que, segundo especialistas, contribuiu para o rápido colapso do estado.
E ele fez poucas concessões para as dezenas de milhares de afegãos que arriscaram suas vidas para ajudar as forças dos EUA por mais de 20 anos.
Agora Trump está caluniando muitos desses mesmos afegãos, alegando – como fez com o México no início de sua campanha de 2016 – que o Talibã não está enviando as “as melhores pessoas” do país para os Estados Unidos.
“Só podemos imaginar quantos milhares de terroristas foram levados de avião do Afeganistão para bairros ao redor do mundo”, disse Trump em um comunicado na terça-feira.
“Que fracasso terrível. Sem vetos. Quantos terroristas Joe Biden trará para a América?” Na verdade, uma das razões pelas quais a situação tem sido tão caótica foi o intenso exame que os afegãos tiveram de suportar para garantir vistos especiais de imigrante para os EUA.”
Mas o ex-presidente não está sozinho entre os políticos que procuram usar a chegada dos afegãos como arma para ativar os eleitores de sua base.
J.D. Vance, candidato ao Senado de Ohio, que está competindo pela lealdade de Trump em uma lotada primária do Partido Republicano, fez uma afirmação semelhante em um vídeo na web esta semana, levantando a possibilidade de que a questão poderia ser uma preocupação dos conservadores nas eleições de meio de mandato no próximo ano.
Biden tentará conter essa demagogia quando tiver uma reunião virtual com governadores bipartidários que mostraram disposição de oferecer refúgio temporário ou ajudar a reinstalar afegãos trazidos de Cabul.
E houve uma nota rara e esperançosa na quarta-feira, depois de uma semana dolorosa de notícias do Afeganistão, quando os militares dos EUA anunciaram que uma menina nascida em um jato de carga após um voo de Cabul para a Base Aérea dos EUA em Ramstein, na Alemanha, foi nomeada Alcance, uma referência ao nome da aeronave que a tirou do país.
Jim Sciutto, Tim Lister, Jennifer Hansler e Michael Conte, da CNN, contribuíram para esta reportagem.