Jon Sopel | BBC
Nos EUA de hoje em dia, muitas vezes existe a sensação de que tudo leva ao 11 de setembro, o evento mais marcante — e doloroso — desde Pearl Harbor, o ataque surpresa dos japoneses no Pacífico, que terminaria com os Estados Unidos se envolvendo na Segunda Guerra Mundial.
Decisão de presidente americano Joe Biden de retirar tropas do Afeganistão pode ser a mais importante de sua presidência, escreve Jon Sopel | GETTY IMAGES |
E foi assim que o 11 de setembro levou à guerra mais longa que este país já travou na história. O ataque às Torres Gêmeas, o avião que se chocou contra o Pentágono e o que caiu em um campo da Pensilvânia insuflaram o nacionalismo americano.
Os jovens — na verdade, pessoas de todas as idades — compareceram em grande número às unidades de recrutamento para se alistar. Os Estados Unidos foram atacados; esses patriotas queriam lutar para defender o país, a "terra da liberdade", e se vingar daqueles que queriam prejudicar os Estados Unidos.
E não confunda isso com uma espécie de chauvinismo irracional. Não foi isso. Conheci muitas pessoas — não apenas americanos — que, embora tivessem uma mente liberal e não fossem grandes fãs de tudo que a América fazia, tinham a sensação de que aquele era o momento de "vestir a camisa" do país.
Não havia meio-termo. Ou você estava do lado do Estado de Direito, eleições livres e justas, da legalidade, da igualdade de gênero e da educação universal ou você estava do lado daqueles que jogavam aviões contra prédios, apedrejavam pessoas até a morte, jogavam homossexuais de prédios e negavam educação para meninas.
Se isso soa como uma simplificação exagerada, talvez seja, mas quando aconteceu o 11 de setembro, foi assim que muitos americanos o encararam.
De cruzada nacional a "guerras sem fim"
Mas em 2016 as guerras exacerbadas pelo nacionalismo já haviam perdido sua força.
E foram um dos fatores que levaram à eleição de Donald Trump: o cansaço das "guerras sem fim", que era como o candidato Trump se referia ao atoleiro em que se tornaram os conflitos no Afeganistão e no Iraque naquela época.
Os americanos, compreensivelmente, queriam levantar a ponte levadiça: trazer as tropas para casa, deixar o povo desses países resolver seus próprios problemas e, finalmente, desistir da ideia de que o modelo americano de democracia liberal era um produto exportável que poderia ser imposto. A cruzada liberal intervencionista acabou.
Trump, se tivesse vencido em novembro passado, provavelmente teria retirado as tropas americanas mais rapidamente. Joe Biden espera cumprir a promessa de Trump.
Mas, em termos políticos, a coisa mais pragmática teria sido continuar a preencher cheques para pagar a estadia dos militares americanos no Afeganistão por mais um ano. E depois outro. E talvez mais outro.
A pressão política para a retirada das tropas americanas do país não foi esmagadora. Funcionários do alto escalão de defesa, o establishment da política externa e os aliados dos EUA no exterior pensaram que qualquer coisa diferente do status quo no Afeganistão seria imprudente.
Mas uma pergunta atormentou a mente do novo presidente Biden, e foi a feita por Hilel, o Ancião, nos tempos bíblicos: "Se não for agora, quando?"
Biden — que em 2009 aconselhou o presidente Barack Obama a não enviar mais tropas — se decidiu por ora. E retirará as tropas do Afeganistão. E essa pode muito bem ser a decisão mais importante de sua presidência.
20 anos... perdidos?
Quando o ataque às Torres Gêmeas aconteceu, era correspondente da BBC em Paris e estava no norte da França a caminho de um centro de refugiados que viajavam ao Reino Unido. Estava dirigindo em direção a Calais quando recebi um telefonema de um colega me dizendo para parar no posto de gasolina mais próximo para assistir à TV e ver o que estava acontecendo.
Não sabíamos o que aconteceria a seguir ou onde iríamos parar. Um ano depois do otimismo do novo milênio, uma nova história se escrevia diante dos nossos olhos e ela não era exatamente feliz: a guerra contra o terrorismo, um choque de civilizações. Chame do que quiser.
Vale a pena lembrar por que os Estados Unidos, o Reino Unido e outros países invadiram o Afeganistão. O Talebã, na verdade, se tornou uma escola para islâmicos que queriam travar a Jihad (guerra islâmica) contra o Ocidente.
Ataque às Torres Gêmeas
Os aspirantes à Al Qaeda se dirigiam ao país para treinar para a guerra santa. Os terroristas do 11 de setembro aprimoraram suas habilidades e traçaram seu plano por lá. A eliminação do Talebã e a luta contra a Al Qaeda tornaram-se elementos essenciais para a segurança mundial.
Poucas semanas depois do 11 de setembro, estava no norte do Afeganistão. Seguimos com as tropas da Aliança do Norte, apoiadas pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido, enquanto a coalizão internacional expulsava o Talebã do poder.
Passamos o primeiro dia viajando de Khoja Bahauddin, então sede da Aliança do Norte, por uma estrada onde o Talebã havia matado vários jornalistas em uma emboscada dois dias antes.
Depois de uma noite, acabamos em uma cidade chamada Taleqan. O Talebã havia perdido o controle do local na noite anterior à nossa chegada. Uma das fotos emblemáticas era a de uma sala de aula de uma escola para meninas que havia se tornado um depósito de armas para os foguetes do grupo extremista, que em sua retirada apressada seus militantes deixaram para trás.
A última fortaleza do Talebã na época era Kunduz, um corredor de comunicação vital entre as cidades de Cabul e Mazar-i-Sharif, e a fronteira com o Uzbequistão ao norte.
Agora, tanto Taleqan quanto Kunduz estão de volta sob o controle do Talebã, e o grupo cerca Cabul, preparando-se para dominar a totalidade do país.
E isso representa um dilema muito incômodo para Joe Biden e sua política "se não agora, quando?".
Vinte anos depois, com tantas vidas perdidas e tantos bilhões de dólares gastos, para que serviu? O que foi alcançado? O que você diz às famílias de todos aqueles soldados mortos pelo Talebã? Que os Estados Unidos agora se rendem?
O que vai impedir os grupos extremistas de restabelecer seus campos de treinamento de jihad? Na audiência do Conselho de Segurança da ONU na sexta-feira passada, foi relatado que até 20 grupos diferentes de extremistas, envolvendo milhares de combatentes estrangeiros, já estão lutando com as forças do Talebã.
Uma segunda guerra no Afeganistão?
Tenho certeza de que, enquanto escrevo isto, mais famílias de civis afegãos estarão empacotando seus pertences com medo do que significará o controle do Talebã, talvez indo para o norte da França e depois para o Reino Unido. As escolas femininas voltarão a ser depósitos de armas?
As cicatrizes do 11 de setembro são evidentes em todos os lugares: milhares de militares voltaram para casa com próteses e mentes perturbadas. As taxas de suicídio aumentaram. Famílias perderam entes queridos. Nas ruas dos Estados Unidos há homens com copos de plástico vermelho pedindo esmolas, muitos deles segurando cartazes dizendo que são veteranos do Iraque e do Afeganistão.
O desejo de ir para casa e se isolar de um mundo conturbado é totalmente compreensível. Não foi em vão que o slogan "América em primeiro lugar" teve tanta ressonância.
Também há uma diferença entre impor sua vontade como polícia do mundo e ser um guardião da paz. Milhares de soldados americanos ainda estão estacionados na Coreia do Sul, embora a Guerra da Coreia tenha ocorrido há 70 anos. Os presidentes americanos parecem ter aprendido que uma paz tensa é melhor do que uma guerra em andamento ou uma região desestabilizada.
Joe Biden esperava que sua decisão levasse a manchetes como "A guerra do Afeganistão acabou" ou "A guerra mais longa dos Estados Unidos acabou".
O que poderia dar errado? Após 20 anos, e com a retomada do controle pelo Talibã, os historiadores poderão dizer no futuro que o 20º aniversário do ataque às Torres Gêmeas marcou o início de uma segunda guerra no Afeganistão?