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Milhares de pessoas fogem de diferentes partes do país em direção à capital para escapar do grupo extremista Talebã que, em poucos dias, retomou o controle de várias cidades em uma rápida ofensiva que o Exército afegão não consegue conter.
Muitas famílias afegãs que vieram para Cabul estão dormindo em campos nos arredores da capital | GETTY IMAGES |
A ONU pediu aos países vizinhos do Afeganistão que mantenham suas fronteiras abertas à medida que aumenta o número de civis que busca abrigo fora do território.
A escassez de alimentos é "grave", informaram funcionários do Programa Mundial de Alimentos (PMA) da ONU, alertando sobre uma catástrofe humanitária.
Na sexta-feira (13/8), o Talebã conquistou a segunda maior cidade do país, Kandahar, a mais recente capital de província a cair.
A cidade de 600 mil habitantes no sul já foi um reduto do grupo extremista e é estrategicamente importante devido ao seu aeroporto internacional e à produção agrícola e industrial.
O Talebã também retomou o controle da cidade vizinha de Lashkar Gah e agora passa a dominar cerca de metade das capitais regionais do Afeganistão.
A última avaliação da inteligência dos Estados Unidos aponta que o grupo extremista pode tentar avançar sobre Cabul em 30 dias.
Neste sábado, em um breve pronunciamento, o presidente afegão, Ashraf Ghani, disse que a remobilização das forças armadas é uma "prioridade máxima" e que está mantendo conversas com líderes locais e parceiros internacionais sobre os acontecimentos no país.
"Como seu presidente, meu foco é evitar mais instabilidade, violência e deslocamento de meu povo", declarou ele.
"Na situação atual, a remobilização de nossas forças de segurança e defesa é nossa principal prioridade e medidas sérias estão sendo tomadas nesse sentido", acrescentou.
Ghani disse que não permitiria que uma guerra "imposta" às pessoas "causasse mais mortes" e elogiou as "corajosas" forças de segurança que vêm tentando defender as cidades do Talebã.
O discurso foi feito em meio a especulações de que Ghani estava prestes a anunciar sua renúncia, o que, por enquanto, não aconteceu.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que a situação no Afeganistão está saindo do controle e que os civis pagariam o preço mais alto se o conflito continuasse.
A ofensiva do Talebã ocorre em meio à retirada das tropas americanas e estrangeiras, após 20 anos de operações militares. Mais de mil civis morreram no Afeganistão apenas no mês passado, de acordo com as Nações Unidas.
'Tempos sombrios'
Sahraa Karimi, uma cineasta afegã em Cabul, disse à BBC que sentiu que o mundo havia virado as costas ao Afeganistão e temia um retorno a "tempos sombrios".
A vida sob o Talebã na década de 1990 forçou as mulheres a usar a burca — veste que cobre todo o corpo, e apresenta uma estreita tela, à altura dos olhos, através da qual se pode ver. Os islamistas radicais restringiram a educação para meninas com mais de 10 anos e punições brutais foram impostas, incluindo execuções públicas.
"Estou em perigo, (mas) não penso mais em mim", disse Karimi. "Penso em nosso país, penso em nossa geração. Fizemos muito para que essas mudanças ocorressem."
"Penso nas meninas... Existem milhares de mulheres bonitas e talentosas neste país", acrescentou.
Freshta Karim, fundadora e diretora da biblioteca móvel Charmaghz em Cabul e defensora dos direitos das crianças, concorda.
"O Talebã não mudou. Eles nos consideram espólios de guerra. Então, aonde vão, obrigam as mulheres a se casar e acho que essa é a pior vingança que têm contra nós", disse ela à BBC.
"Esta é a maior guerra contra as mulheres da atualidade. E infelizmente o mundo está assistindo em silêncio", lamentou.