Rodrigo Craveiro | Correio Braziliense
Duas décadas depois da deposição do Talibã do poder, o Afeganistão enfrenta a ameaça de reinstalação de um governo teocrático, à medida que a milícia fundamentalista islâmica conquista território às custas de atrocidades. “Mais de 28 mil famílias foram expulsas de suas casas em Kandahar (sul). O Talibã executou vários líderes das tribos Barakzai e Achakzai, no distrito de Spin Boldak”, contou ao Correio, sob condição de anonimato, um morador da segunda maior cidade do Afeganistão.
Wang Yi, chanceler da China, e o mulá Abdul Ghani, chefe político do Talibã, em Tianjin - (crédito: Li Ran/AFP) |
No domingo, o comediante Khasha Zwan foi enforcado pelo Talibã. Um vídeo gravado minutos antes do assassinato mostra um dos talibãs dando uma bofetada no artista, acusado de haram (pecado), por fazer as pessoas rirem. Em visita a Nova Délhi, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, advertiu que o Afeganistão será um “Estado pária”, caso o Talibã tome o poder.
“Um Afeganistão que não respeitar os direitos de seu povo, um Afeganistão que cometer atrocidades contra seu próprio povo se transformará em um Estado pária”, avisou o chefe da diplomacia de Washington. Também morador de Kandahar, Ibraar (nome fictício) admitiu à reportagem que os talibãs atacaram a cidade há três semanas e passaram a controlar a área. “Milhares de mulheres e crianças tiveram que sair de suas casas e, agora, vivem ao relento, no meio da cidade. Bombas foram plantadas dos dois lados da principal rodovia da região. O Talibã também explodiu pequenas pontes”, relatou. Ele teme que o grupo volte ao comando do país. “Eu me recordo de 2001. Meu tio foi preso por três dias porque o corte de cabelo lembrava o ocidental. Temo pelas escolas e pela educação das garotas”, disse Ibraar.
Ontem, uma delegação talibã comandada pelo mulá Abdul Ghani Baradar — cofundador e chefe político do grupo — reuniu-se com o ministro das Relações Exteriores chinês, Wang Yi, na cidade de Tianjin, no nordeste da China. O Talibã assegurou a Pequim que não permitirá que o Afeganistão seja usado como base de conspiração contra outras nações. Os dois países compartilham uma fronteira de 76km de extensão, próximo à área onde a facção avança em sua ofensiva. Analistas disseram à agência France-Presse que a China teme o extremismo religioso talibã e sua influência sobre a província de maioria muçulmana uigur de Xinjiang.
“Nós queremos que as questões pendentes sejam resolvidas por meio do diálogo. Se uma solução política for encontrada, será algo muito benéfico”, declarou Zabihullah Mujahid, porta-voz do Talibã, em entrevista ao Correio por meio do WhatsApp. Ao ser questionado sobre a reunião com o governo chinês, ele confirmou o encontro. “A China é um país importante que pode facilitar a paz. Queremos manter boas relações com os chineses”, disse. O Correio também perguntou se o Talibã pretende reinstalar o Emirado Islâmico do Afeganistão, uma forma de governo corânico draconiano, com rígidas leis morais e punições severas aos transgressores. “Isso será decidido pelos afegãos em reuniões inter-afegãs”, respondeu.
Três perguntas para Zabihullah Mujahid, porta-voz do Talibã
Como vê as conquistas territoriais do Talibã no Afeganistão?
Nós temos o apoio de nossa nação. O povo está nos ajudando, porque estamos testemunhando grandes vitórias.
Qual é o objetivo do Talibã?
Depois da retirada das tropas estrangeiras, nossa meta é a construção de um governo islâmico forte em nosso próprio país, pelo qual o nosso povo tem feito muitos sacrifícios.
De que forma pretendem participar da política afegã?
Nós seremos a parte politicamente importante do Afeganistão. Nossas demandas envolvem a retirada de todas as forças estrangeiras e o estabelecimento de um governo islâmico forte no país.