Deutsch Welle
A principal autoridade militar americana, o chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, general Mark Milley, temia que o então presidente do país Donald Trump realizasse um golpe após ter perdido as eleições presidenciais de novembro de 2020, revela um livro de jornalistas do Washington Post.
A principal autoridade militar dos EUA, o general Mark Milley (esq.), cumprimenta o então presidente americano em 2018 |
Escrito pelos repórteres Carol Leonnig e Philip Rucker, ambos ganhadores do Prêmio Pulitzer, o livro descreve como Milley e outros membros do Estado-Maior debateram um plano de renúncia coletiva para não terem que cumprir ordens de Trump que consideravam ilegais, perigosas ou imprudentes. Trechos da obra foram divulgados na quinta-feira (15/07).
A retórica pré-eleitoral de Trump alarmou Milley e outros generais, que então se decidiram preparar para o "inimaginável", segundo o livro "I Alone Can Fix It: Donald J. Trump's Catastrophic Final Year" ("Eu Sozinho Resolvo: O Último Ano Catastrófico de Donald J. Trump", em tradução livre), que será publicado na próxima semana nos EUA, mas ainda não tem edição programada para o Brasil.
O livro traz os bastidores de como autoridades do alto escalão do governo e o círculo interno de Trump lidaram com o comportamento do presidente após a derrota na eleição de 2020. Os autores entrevistaram Trump e mais de 140 outras fontes para o livro – a maioria sob anonimato.
"Eles podem tentar, mas não vão ter sucesso"
"Eles podem tentar, mas não vão ter sucesso", disse o general aos seus miltares, de acordo com o livro. "Você [Donald Trump] não pode fazer isso sem os militares, não pode fazer isso sem a CIA e o FBI. Nós somos os homens com as armas", acrescentou.
Depois das eleições de novembro do ano passado, Trump se recusou a aceitar a vitória do atual presidente dos EUA, Joe Biden. As constantes acusações infundadas de Trump de que teria havido fraude eleitoral e as trocas de pessoal que colocaram aliados de Trump em posições de poder no Pentágono após a eleição aumentaram a preocupação de Milley e de outros militares.
O general comparou a retórica de Trump com a de Adolf Hitler ao afirmar que o então presidente dos EUA estava espalhando o "evangelho do Führer".
Nos dias que antecederam a invasão do Capitólio, ocorrida em 6 de janeiro, Milley estava preocupado com a convocação de Trump para a ação e traçou paralelos com o incêndio criminoso do Reichstag em 1933, logo após a eleição de Hitler, episódio que marcou a consolidação da ditadura nazista. "Milley disse a sua equipe que acreditava que Trump estava fomentando uma agitação, possivelmente na esperança de uma justificativa para invocar a Lei de Insurreição e convocar os militares", diz trecho do livro. "Este é um momento Reichstag", disse o general.
E antes de uma marcha pró-Trump em novembro de 2020, realizada para protestar contra os resultados das eleições, o general disse a assessores que temia que o momento poderia se transformar no "equivalente americano moderno dos camisas-pardas", uma referência à milícia nazista que agredia e assassinava adversários de Hitler nos anos que precederam o Terceiro Reich.
Depois do incidente no Capitólio, Milley participou de um exercício com líderes militares e policiais para se preparar para a posse de Biden. A capital Washington foi completamente isolada. "O negócio é o seguinte, pessoal: esses caras são nazistas, eles são [do movimento] Boogaloo, são os Proud Boys. São as mesmas pessoas que combatemos na Segunda Guerra. Vamos colocar um anel de aço em torno desta cidade e os nazistas não vão entrar", disse.
"Aquela vaca da Merkel!"
O livro também menciona um relacionamento tenso de Trump com a chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel. "Aquela vaca da Merkel!", teria dito Trump a seus assessores durante uma reunião sobre a Otan e a relação dos EUA com a Alemanha. "Eu conheço os malditos chucrutes", acrescentou, enquanto apontava para uma fotografia emoldurada de seu pai. "Fui criado pelo maior chucrute de todos."
Em resposta aos conteúdos expostos no livro, o ex-presidente americano divulgou um longo comunicado, no qual afirmou nunca ter ameaçado ou falado com ninguém sobre um golpe no governo. Trump explicou que "não gosta de golpes" e repetiu suas afirmações infundadas sobre fraude eleitoral. "Se eu desse um golpe, uma das últimas pessoas com quem gostaria de fazê-lo seria com o general Mark Milley", disse Trump e acrescentou que as alegações do general são "ridículas".