Marcelo Godoy | O Estado de S.Paulo
Para o ex-presidente do principal tribunal militar do País, o que aconteceu no domingo no Rio de Janeiro, a ida do general Eduardo Pazuello ao palanque do presidente Jair Bolsonaro, é “vergonhoso”. “O caso do general é um caso de indisciplina". Na avaliação de Ferolla, quanto mais alta a hierarquia do oficial, mais responsabilidade ele tem e mais grave a indisciplina. “Se você aceitar isso acabou a disciplina nas Forças Armadas porque o tenente, o sargento e o cabo tem sido punido dentro da lei – e são muitos. Não pode ser diferente com o general.”
O ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e o presidente Jair Bolsonaro discursam a apoiadores em ato no Rio de Janeiro © Wilton Júnior/Estadão |
O Exército abriu na segunda uma apuração disciplinar sobre a participação de Pazuello no ato. O procedimento é uma forma de o Exército garantir ao ex-ministro da Saúde o direito de defesa, embora a infração por participar de manifestação política esteja documentada. A decisão já foi comunicada a Pazuello e uma possível punição varia de acordo com o grau do ato, se for julgada como transgressão leve, média ou grave. Ao fim do processo, o comandante do Exército pode aplicar a pena que vai de advertência verbal até prisão por no máximo 30 dias.
Leia, a seguir, a entrevista com Sérgio Xavier Ferolla.
Como o senhor avalia os últimos acontecimentos envolvendo as Forças Armadas e o governo?
A radicalização tem de acabar, tanto da esquerda como da direita. É preciso encontrar um caminho, que muitos estão chamando de terceira via, o problema é saber quem vai ser, quem vai representar essa terceira via.
Como ex-presidente do STM, como o senhor avalia a presença do general Eduardo Pazuello em um ato político-partidário sendo ele um militar da ativa?
Por enquanto trata-se de um caso disciplinar. A declaração do vice-presidente, o general Hamilton Mourão, foi muito clara: o Exército tem de tomar providência e o Alto Comando está exigindo providências. Sempre fui crítico à tentativa de se envolver as Forças Armadas com o governo. Muito dos generais que hoje criticam o governo estiveram com o governo. Claro que eles fizeram bem em sair, mas é muito sério o que se passou. Comparo o presidente ao d. Quixote, pois ele transforma cada general que está ao lado dele em Sancho Pança.
O senhor concorda com o que disse o general Hamilton Mourão (o vice-presidente da República defendeu punição pelo ato)?
O general Mourão é ponderado, colocou a coisa de maneira clara. Ele não concorda, mas não quer criar atrito com o presidente, não tem a intenção de gerar crises. Ele falou que o Pazuello pode até passagem para a reserva para atenuar. Mas acontece que não atenua, pois o militar da ativa ou da reserva comete o mesmo crime. Mas o problema ainda não é jurídico; é disciplinar. Ele contrariou o Regulamento Disciplinar das Forças Armadas, o do Exército, particularmente. Isso pode redundar em coisa mais grave, mas por enquanto não.
O que poderia ser mais grave no caso?
No caso, deve haver uma decisão do Alto Comando do Exército. O procedimento regulamentar que existe é o seguinte: o militar que comete um ato de indisciplina grave ele é julgado na Força dele. O comandante da Força é obrigado a promover o processo que se chama Conselho de Justificação. No conselho, o fulano é acusado e defendido dentro da Força. Se a coisa for só disciplinar, o comandante vai punir como achar que deve punir. Se ele achar que cometeu crime, que o fato foi mais grave, ele encaminha o processo para o STM e o STM vai julgar se ele cometeu crime ou não. Se ele cometeu crime, ele será processado e julgado pelo crime e, dentro do crime, pode ter três tipos de punição: ou ele é considerado indigno, incapaz de permanecer na ativa, ele é reformado no posto em que estiver. Se cometeu crime contra a honra a instituição como um todo ele pode ser considerado indigno e aí perderá posto e patente. O atual presidente como capitão cometeu uma indisciplina gravíssima e ele foi submetido a conselho de Justificação, que foi mandado ao STM e este analisou e decidiu que ele não cometeu crime, mas indisciplina grave. Ele seria punido com severidade pelo Exército na época. Ele vendo essa situação, pediu para sair, passou para a reserva e foi ser político. Parece que temos agora o Pazuello aí. O caso do general é um caso de indisciplina, que está dentro da jurisdição militar. Agora tem outro problema, que é a CPI, que pode aparecer outro problema. Estou me limitando a analisar o que aconteceu no Rio, que é vergonhoso, está enlutando Caxias.
Como assim?
Caxias está de luto porque a organização militar pura não aceita o que estão fazendo. Essa história de que vai botar militar na política não pode. Militar não deve entrar na política e a política não pode entrar no quartel, se não vira bando, acaba a hierarquia e a disciplina. O fundamento da instituição militar é a hierarquia e a disciplina. Portanto é grave. O comando tem de tomar providências. Se você aceitar isso acabou a disciplina nas Forças Armadas porque o tenente, o sargento e o cabo tem sido punido dentro da lei – e são muitos. Não pode ser diferente com o general. É igual ao cabo. Não tem diferença nenhuma. Aliás, ele tem mais responsabilidade. É um oficial antigo, um general. Quanto mais hierarquia ele tiver, mais responsabilidade ele tem e mais grave a indisciplina. Ele participou de um desfile de moto ao lado do presidente, desrespeitando – como militar ele não podia de jeito algum. Não justifica. Tem de tomar providência radical. Essas coisas enlutam o símbolo do Caxias. Queira ou não queira, isso reflete na organização militar. Outros fatos aconteceram anteriormente, mas esse foi tão escandaloso que provocou essa reação toda. Vai ter consequência. Não tem jeito. Se não for punido, como você vai punir um sargento depois? Um tenente, um capitão? Como punir casos como os dos sargentos que se rebelaram no controle de tráfego aéreo em Brasília? Foram postos para fora, com perda de posto e patente. Nesta parte o STM não brinca em serviço. Não vai passar a mão na cabeça de alguém que praticou um crime militar. De jeito algum. São generais, almirantes, brigadeiros e civis que têm responsabilidade de analisar e julgar.