Por Arthur Guimarães, Leslie Leitão, Marco Antônio Martins e Pedro Bassan | Jornal Nacional
Durante a gestão de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde, militares escolheram, sem licitação, empresas para reformar prédios antigos no Rio de Janeiro. E, para isso, usaram a pandemia como justificativa para considerar as obras urgentes.
Ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello Foto: Anderson Riedel/PR |
A Advocacia Geral da União identificou dispensas de licitação a duas empresas contratadas para:
- Reformas de galpões na Zona Norte da capital
- A reforma na sede do Ministério da Saúde no estado do RJ
No RJ, mais de 820 mil pessoas já tiveram Covid-19. O número de mortos ultrapassou os 48 mil. Entretanto, parte dos investimentos dos recursos públicos foram usados para reformar galpões para guardar arquivos.
Em junho, o general Eduardo Pazuello reforçou a presença de militares na Superintendência Estadual do Ministério no RJ. Na ocasião, ele nomeou o coronel da reserva George Divério para chefiar a instituição no estado.
Anteriormente, o coronel dirigia uma fábrica de explosivos.
Em novembro, num período de 2 dias, Divério autorizou duas contratações sem licitação que somam cerca de R$ 28,8 milhões.
Só no preço dos galpões foi de R$ 8,9 milhões. Essa área fica em Del Castilho, na Zona Norte da cidade.
A escolhida para a reforma foi a empresa Lled Soluções. Os dois sócios da empresa já se envolveram em um escândalo em contratos com as Forças Armadas.
Fábio de Rezende Tonassi e Celso Fernandes de Mattos eram donos da Cefa-3, que fornecia material de informática para a Aeronáutica, em 2007. Uma investigação mostrou que o material vendido não foi entregue, em uma fraude aos cofres públicos de mais de R$ 2 milhões.
No processo na Justiça Militar, Fábio Tonassi foi condenado à prisão em terceira instância, mas segue recorrendo em liberdade. A empresa Cefa-3 está proibida de celebrar contratos com o Governo Federal por cinco anos, até 2022.
Os mesmos sócios abriram uma empresa nova, a Lled. Eles continuam apresentando as Forças Armadas como principais clientes. No governo Bolsonaro, a empresa ganhou R$ 4 milhões em contratos. A sede da empresa não tem nem nome na porta.
O processo de reforma dos galpões é mantido em sigilo no portal público do Ministério da Saúde. A postura foi criticada pelo advogado e professor Carlos Ari Sundfeld, um dos principais especialistas em contratos públicos do país.
"A publicidade, transparência da administração pública é um requisito da moralidade para evitar desvios. E, no caso da pandemia, como se autorizou, em algumas situações, a fazer contratos sem licitação. A lei exigiu ainda mais transparência, mais rapidez em colocar as informações - todas elas - à disposição do público. Se as informações não estão disponíveis, tem alguma coisa errada".
Sede do Ministério da Saúde
Procurando os contratos secretos, o Jornal Nacional encontrou indícios de fraudes numa obra ainda maior e bem mais cara. Também no mês de novembro, o coronel da reserva George Divério autorizou uma reforma na sede do Ministério da Saúde no RJ.
O valor do contrato é de R$ 19,9 milhões. Novamente, não houve licitação.
A obra foi considerada urgente com os mesmos argumentos usados no galpão. Nas propostas são os mesmos argumentos, incluindo longos trechos idênticos.
A obra inclui reforma do auditório com 282 poltronas novas custando R$ 2,8 mil cada uma.
"Numa pandemia, é urgente contratar remédios, contratar equipamentos, contratar profissionais que atendem diretamente a população. Mas não é urgente reformar prédios públicos pra fins burocráticos e outras finalidades que são comuns, são do dia-a-dia da administração. Essas coisas não podem ser contratadas sem licitação sob o pretexto de que nós estamos numa pandemia", diz Carlos Ari.
Nesta quarta-feira (19), o Ministério da Saúde informou vai apurar os fatos citados e, caso haja indícios de irregularidade, tomará as medidas cabíveis e encaminhará o assunto para as demais instâncias competentes.
Em Magé, na Baixada Fluminense, a reportagem encontrou Jean Oliveira, dono e único gestor da SP Serviços, que está inscrita na prefeitura como micro-empresa. Por telefone, ele disse que foi convidado a fazer a obra.
"Na verdade, como é dispensa, você é convidado, né,?! Como você já fez trabalho para União, eles têm um site, né. As empresas que fizeram trabalho e concluíram, né?. Aquelas empresas que fizeram trabalho e concluíram e manda para você orçar. Você orça e dá o preço. É assim que funciona. Entendeu?"
Os únicos contratos da SP Serviços com a União tinham sido com a Imbel, indústria de Material Bélico, ligada ao Exército. Exatamente com a fábrica da Estrela, fábrica de explosivos que na época era dirigida pelo coronel da reserva George Divério, o homem nomeado por Pazuello para comandar o ministério no Rio.
Divério contratou três vezes a empresa de Jean Oliveira sem licitação.
Depois de assinados, os contratos da reforma do ministério e dos galpões foram anulados. Mesmo assim, a AGU quer que a investigação continue.
A ideia é verificar se há indícios de conluio entre servidores e a empresa contratada. Os pareceres reconhecem que os prédios precisam de reformas, mas afirmam que agora só seria possível fazer obras ligadas à segurança e nada mais.
O que dizem os citados
A Superintendência Estadual do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro (SEMS-RJ) divulgou uma nota sobre as contratações:
A Superintendência Estadual do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro (SEMS-RJ) informa que atuou dentro da normalidade em relação à dispensa de licitação 09/2020, realizando pesquisa de preço com mais de 10 empresas.
Em relação às dispensas 10/2020 e 11/2020, a Superintendência não autorizou o início dos trabalhos e pediu parecer à Consultoria Jurídica da União (CJU/RJ). Após resposta da CJU/RJ, os processos foram anulados e encaminhados à Corregedoria-Geral do Ministério da Saúde.
Cabe esclarecer que os documentos elaborados no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) só podem ser acessados e consultados pelas pessoas envolvidas na construção. Caso haja a necessidade de consulta dos processos, a solicitação pode ser feita com base na Lei de Acesso à Informação (LAI).
Por fim, a SEMS-RJ ressalta que atua com transparência e lisura nos processos administrativos e assistenciais, prestando contas aos órgãos de controle e à população.
Já a Lled disse que a abertura da empresa não tem nenhuma relação com a CEFA -3. "Cabe ressaltar, inclusive, que a CEFA-3 e a LLEd atuam em atividades distintas". Sobre a decisão da Advocacia Geral da União, em relação à reforma do galpão do Ministério da saúde, "respeitamos e entendemos as razões. Vale ressaltar que a empresa LLED é apta a participar de licitações, tanto de forma técnica, quanto de forma fiscal".