Paloma Almoguera | El País
A violência na resposta das forças de segurança aos protestos pró-democracia que ocorrem em Mianmar (antiga Birmânia) há dois meses se transformou em normal. Pelo menos 82 pessoas morreram pela repressão policial e militar contra os manifestantes de Bago, 65 quilômetros a nordeste de Yangon ― a capital comercial do país ―, entre quinta e sexta-feira. Uma contagem que só veio à luz no sábado pelos cortes de internet no país, diários desde o golpe de Estado dado pelos militares em 1 de fevereiro. O embaixador especial birmanês na ONU, Kyaw Moe Tun, pediu na sexta à comunidade internacional que “aja imediatamente” para deter as matanças.
Barricada de forças opositoras à Junta Militar, em Taze, Mianmar, em 7 de abril | REUTERS |
Os detalhes do ocorrido em Bago demoraram mais de um dia a aparecer pela enorme dificuldade para reunir informação sobre o que acontece em Mianmar. A Junta Militar birmanesa que tomou o comando do país desde o golpe ― depondo o Governo civil de Aung San Suu Kyi, presa desde então ― ordenou dias atrás às empresas de telecomunicações que restringissem o acesso à internet pelo celular e as redes WiFi. Testemunhas do que aconteceu em Bago, de 250.000 habitantes, dizem à AFP que a contínua violência na cidade obrigou muitos moradores a fugir a povoados vizinhos desde quinta-feira.
Segundo a agência de notícias francesa, que teve acesso a imagens de vídeo verificadas, os manifestantes precisaram se esconder atrás de barricadas para escapar dos ataques das forças armadas, enquanto explosões eram ouvidas ao fundo. Os agentes utilizaram granadas de fuzil para dispersar os protestos, ao mesmo tempo em que impediam as equipes de resgate de atender às vítimas. “Empilhavam todos os corpos sem vida em caminhões do Exército e os levavam”, disse uma testemunha à AFP. A Associação para a Proteção dos Prisioneiros Políticos (AAPP, na sigla em inglês), afirmou no domingo que pelo menos 82 civis morreram em Bago entre quinta e sexta-feira, o que eleva a 618 o número de vítimas mortais desde o início da intentona. Dezenas de mortos são menores de idade.
A Junta Militar, por sua vez, reduz o número a 248, como afirmou um porta-voz dos generais na sexta-feira em uma entrevista coletiva, em que chamou as vítimas de “terroristas violentos”. O golpe de Estado, que os militares se negam a definir como tal e justificam como resposta a supostas irregularidades, não documentadas e sem a comprovação das instituições, nas eleições de novembro ― em que a Liga Nacional para a Democracia de Suu Kyi teve retumbante vitória ―, recebeu forte oposição popular. Desde fevereiro, milhares de pessoas tomam diariamente as ruas para pedir o retorno da democracia.
As forças de segurança reprimem com violência cada vez maior as manifestações, que continuam ocorrendo por todo o país. Em Yangon os protestos adotaram um tom mais criativo, com as ruas pintadas de vermelho como denúncia pelo derramamento de sangue, enquanto panfletos com a mensagem “Não nos governarão” são entregues em diversos bairros.
Pelo menos metade das duas dezenas de guerrilhas étnicas que operam no país também se posicionou explicitamente a favor do movimento de desobediência civil, o que aumentou as velhas tensões entre estas e o Exército birmanês ― conhecido como Tatmadaw ― em várias áreas. No Estado nortista de Shan, um grupo insurgente, o Exército da Libertação Nacional Ta’ang (TNLA) lançou um ataque na madrugada de sábado contra uma delegacia, matando mais de uma dúzia de policiais, afirma a AFP. O Tatmadaw respondeu com bombardeios aéreos.
Diante da extrema instabilidade em seu país, o embaixador especial para a ONU de Mianmar, Kyaw Moe Tun, exigiu na sexta-feira em uma reunião do Conselho de Segurança uma “ação imediata”. O diplomata pediu um embargo de armas e mais sanções contra os militares, além da criação de uma área de exclusão aérea. Por sua parte, o analista Richard Horsey, do centro de análises International Crisis Group, alertou no encontro que o país “está prestes a colapsar”. “As ações da Junta podem fazer com que o país se torne ingovernável”, afirmou Horsey.