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Cerca de 1.000 membros das Forças Armadas, incluindo 20 generais da reserva, assinaram o documento, que culpa "apoiadores fanáticos" por criarem divisões entre comunidades e afirma que islamitas estão tomando conta de regiões inteiras no território francês.
Cerca de 1.000 membros das Forças Armadas, incluindo 20 generais da reserva, assinaram o documento que diz que islamitas estão tomando território francês | GETTY IMAGES |
A carta aberta foi publicada uma revista de direita em 21 de abril, data dos 60 anos de um golpe de Estado fracassado no país. "O momento é grave, e a França está em perigo."
Marine Le Pen, líder da extrema-direita na França e candidata na eleição presidencial de 2022, saiu em apoio aos signatários da carta.
Por outro lado, o documento foi duramente criticado por ministros franceses, que apontaram desrespeito à lei e falta de representatividade (as Forças Armadas do país têm mais de 300 mil membros, e milhares de oficiais na reserva).
A ministra responsável pelas Forças Armadas, Florence Parly, afirmou no Twitter: "Dois princípios imutáveis guiam as ações de militares em relação à política: neutralidade e lealdade."
Ela disse também que qualquer signatário da carta que esteja ainda na ativa seria punido por desafiar a lei que determina que militares se mantenham politicamente neutros.
O que diz a carta?
O documento alerta o presidente francês, Emmanuel Macron, seu governo e parlamentares de "diversos perigos mortais" ameaçando a França, incluindo "o islamismo e as hordas dos banlieues", nome dado aos subúrbios de cidades francesas onde vivem muitos imigrantes pobres.
Os signatários da carta aberta culpam um "certo antirracismo" por dividir comunidades e buscarem criar uma "guerra racial" ao atacar estátuas e outros aspectos da histórica francesa.
Eles também acusam o governo Macron de usar a polícia como "intermediários e bodes expiatórios" na repressão brutal dos "gilets jaunes", nome dos manifestantes que usavam coletes amarelos em protestos anti-sistema que tomaram o país a partir de 2018.
"Não é mais hora de adiar, caso contrário amanhã a guerra civil acabará em caos e mortes, pelas quais você será responsável, na casa dos milhares", conclui a carta.
Em um país que paga por vários milhares de ex-oficiais nas listas de aposentados e da reserva, o apoio de apenas 20 deles a uma linguagem tão explosiva exige colocar a carta em perspectiva, diz Hugh Schofield, correspondente da BBC em Paris.
No entanto, o fato de o documento ter sido escrito é um sinal de tempos perigosos, e o apoio de Marine Le Pen significa que os temas continuarão a ressoar no ano de campanha presidencial que está por vir, afirma o jornalista.
Qual foi a reação à carta no país?
Militares franceses, quer estejam na ativa ou na reserva, são proibidos de expressar opiniões públicas sobre religião e política. Por isso, Parly cobrou que aqueles que assinaram a carta sejam punidos.
"Para quem violou o dever de reserva, estão previstas sanções, e se houver soldados ativos entre os signatários, pedi ao chefe do Estado-Maior das Forças Armadas que aplique as regras... Ou seja, sanções", disse a ministra à rede de rádio France Info na segunda-feira (26/4).
Parly citou o caso de um ex-general da Legião Estrangeira que foi expulso do serviço militar por participar de um protesto contra imigrantes em Calais, no norte do país.
Em entrevista à France Info, a ministra da Indústria, Agnès Pannier-Runacher, "condenou sem pensar duas vezes" os generais "que cobram essa revolta... 60 anos depois do golpe dos generais contra o general Charles de Gaulle".
O golpe de Estado fracassado envolveu generais que buscavam impedir a Argélia, então colônia francesa, de conquistar a independência.
A França propôs um projeto polêmico para lidar com o que o presidente Emmanuel Macron descreveu como "separatismo islâmico".
No entanto, alguns críticos na França e em outros países acusaram o governo de ter como alvo o Islã.
Le Pen conclamou generais a se juntarem a ela no que chamou de "Batalha da França", em declaração dada no mesmo dia em que houve um ataque a facas numa delegacia em Paris, que vem sendo tratado como mais um ataque terrorista no país.
Por que Marine Le Pen apoiou a carta aberta
Análise de Hugh Schofield, correspondente da BBC em Paris
Muitos na imprensa francesa se mostraram surpresos que Marine Le Pen tenha saído em apoio aos generais da reserva que assinaram a carta aberta.
A aproximação de possíveis golpistas era uma especialidade de seu pai, Jean-Marie Le Pen. Ele era o único amigo da linha dura anti-gaullista de 60 anos atrás. Ele era quem gostava de flertar com a ilegalidade. Mas não Marine e seu novo partido Rassemblement National (Reunião Nacional).
Então ela calculou mal? Alguns pensam assim.
Ao se aproximar de um grupo de ex-generais, mesmo que sejam de pijama, que obviamente ultrapassaram os limites legais, se envolvendo na política, ela se torna um alvo muito mais fácil para o presidente Macron de retratá-la como uma tradicional reacionária francesa, herdeira de seu pai e do regime de Vichy (que colaborou com o nazismo durante a ocupação francesa), entre outros.
Os eleitores da direita dominante, que podem ter ficado tentados por sua aparente conversão recente à União Europeia e por dinheiro sólido, talvez pensem duas vezes.
Mas olhando de outra forma, talvez Marine Le Pen achasse que não tinha escolha a não ser apoiar a carta. Afinal, ninguém acha que há alguma chance séria de um golpe militar, então ela não achou que poderia ser acusada de encorajar a insurreição.
E a análise das angústias da França foi idêntica à dela. Se, em sua opinião, a avaliação também é apoiada por uma maioria silenciosa dos franceses, Le Pen dificilmente poderia rejeitá-la.