Giovanna Bronze | CNN, em São Paulo
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) aceitou a denúncia contra o sargento Antônio Waneir Pinheiro de Lima, conhecido como “Camarão”, por seus crimes contra a presa política Inês Etienne Romeu em 1971, como tortura e estupro. Com a decisão, Camarão vira réu e será julgado pela Justiça Federal de Petrópolis, no Rio de Janeiro.
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) aceitou a denúncia contra o sargento Antônio Waneir Pinheiro de Lima, conhecido como “Camarão”, por seus crimes contra a presa política Inês Etienne Romeu em 1971, como tortura e estupro. Com a decisão, Camarão vira réu e será julgado pela Justiça Federal de Petrópolis, no Rio de Janeiro.
Por maioria da Corte, Camarão tornou-se réu por sequestrar, manter em cárcere privado e estuprar Inês, militante que foi presa durante a Ditadura Militar na “Casa da Morte”, prisão clandestina e centro de torutra mantido pelo regime na cidade serrana do Rio de Janeiro.
O Ministério Público Federal (MPF) denunciou Camarão pelos crimes contra Inês em 25 de novembro de 2016. Na época, o documento afirma que “[o militar] praticou os crimes de sequestro e estupro em concurso material (art.69 do CP)”. Na denúncia, o órgão pede a perda de cargo público do sargento, assim como o cancelamento “de aposentadoria ou qualquer provento de reforma remunerada” e que ele seja “despido das medalhas e condecorações militares obtidas”.
A denúncia foi então rejeitada pela Justiça Federal em Petrópolis, que alegou que o fato seria alvo da Lei da Anistia e que o “crime estaria prescrito desde 1983”, ou seja, o prazo para punir o acusado estaria encerrado. O MPF em Petrópolis, então, recorreu da decisão em 2019.
Agora, com a nova decisão após o recurso do MPF, a denúncia foi aceita contra Camarão, transformando-o em réu e possibilitando o julgamento do caso pela Justiça Federal de Petrópolis.
Segundo relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), órgão criado para apurar violações aos direitos humanos durante a Ditadura Militar, Camarão teve participações em diversas situações na Casa da Morte.
Nascido em 1943, ele atuou “em casos de detenção ilegal, tortura, execução, desaparecimento forçado e ocultação de cadáver. Vítimas e caso relacionados: Inês Etienne Romeu, Antônio Joaquim de Souza Machado, Mariano Joaquim da Silva, Walter Ribeiro Novaes, Heleny Ferreira Telles Guariba, Carlos Alberto Soares de Freitas e Paulo de Tarso Celestino da Silva (1971); Massacre do Parque Nacional do Iguaçu, em que foram vítimas de desaparecimento forçado Onofre Pinto, Daniel José de Carvalho, Joel José de Carvalho, José Lavecchia, Victor Carlos Ramos e Enrique Ernesto Ruggia (1974), Ana Rosa Kucinski (1974)”.
O caso de Inês
Inês Etienne Romeu nasceu em Pouso Alegre, em Minas Gerais, em 1942. Segundo a Comissão Nacional da Verdade, ela foi bancária, líder estudantil e dirigente da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
Segundo relatório da CNV, publicado em dezembro de 2014, Inês foi presa em 5 de maio de 1971, em São Paulo, sem ordem judicial. Ela então foi levada para o Rio de Janeiro, onde ficou detida em uma delegacia em Cascadura.
Após uma tentativa de suicídio, ela foi transferida para a “Casa da Morte”, em Petrópolis, no dia 08 de maio, onde foi mantida até o dia 11 de agosto de 1971. Ao longo de sua prisão, ela foi submetida a diversas torturas físicas e psicológicas.
Em seu depoimento à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em 18 de setembro de 1971, Inês informou que Camarão era “uma espécie de caseiro do local, lá permanecendo durante todo o tempo acompanhado por outro elemento”.
Ao longo do depoimento, deu detalhes sobre os militares que atuavam na Casa da Morte, além das prisões em que esteve previamente antes de ser encaminhada para Petrópolis. Ela relatou a rotina de abusos, torturas e ameaças que sofreu diariamente.
Entre as torturas que sofreu em julho, estavam choques elétricos, banhos gelados de madrugada, palmatórias, entre outros. Inês relatou no depoimento que espancaram seu rosto até ficar desfigurada, que sofria agressões físicas e morais a qualquer hora do dia ou da noite.
“Durante esse período fui estuprada duas vezes por Camarão”, relatou. Inês também disse que era obrigada a limpar a cozinha completamente nua, além de outros assédios sexuais que sofreu de diferentes militares.
Segundo o TRF2, Inês morreu em 2015, por causas naturais.