Helen Regan | CNN
O derramamento de sangue continua em Mianmar após mais um dia violento. Na quinta-feira (11), pelo menos 12 pessoas foram mortas pela junta do governo, de acordo com um grupo de observadores. A ação levou um alto funcionário da ONU a dizer que a repressão em protestos pacíficos “provavelmente cumpre o limite legal para crimes contra a humanidade”.
O derramamento de sangue continua em Mianmar após mais um dia violento. Na quinta-feira (11), pelo menos 12 pessoas foram mortas pela junta do governo, de acordo com um grupo de observadores. A ação levou um alto funcionário da ONU a dizer que a repressão em protestos pacíficos “provavelmente cumpre o limite legal para crimes contra a humanidade”.
Repressão militar contra protesto em Mianmar | Foto: CNN Brasil |
Na pequena cidade de Myaing, no centro do país, a polícia atirou em uma multidão de pessoas desarmadas, matando pelo menos oito, de acordo com o grupo de defesa Assistance Association for Political Prisoners (AAPP). Imagens postadas nas mídias sociais mostraram as ruas da cidade manchadas de sangue, com corpos caídos e sem vida.
Em uma imagem forte e não verificada, um corpo pode ser visto com a cabeça despedaçada e restos de cérebro espalhados pelo asfalto.
Os tiroteios na pequena Myaing são mais uma prova de que a junta militar, que tomou o poder em um golpe em 10 de fevereiro, está tentando esmagar a oposição pacífica em cada canto de Mianmar, não apenas nas grandes cidades.
Na maior cidade do país, Yangon, o manifestante Chit Min Thu foi morto na quinta-feira, de acordo com a Reuters. Sua esposa, Aye Myat Thu, disse à agência de notícias que ele insistira em ingressar nos protestos apesar de seus apelos para que ele ficasse em casa pelo bem de seu filho.
“Ele disse que valia a pena morrer por isso”, contou. “Ele estava preocupado com as pessoas que não participam das manifestações, pois sem isso, a democracia não vai voltar ao país”.
Pelo menos 80 pessoas foram mortas desde que os militares invalidaram os resultados das eleições democráticas do país, segundo o escritório de direitos humanos das Nações Unidas, e centenas de outras foram feridos.
Pelo menos quatro das mortes nos últimos dias foram de indivíduos presos e detidos pela junta, incluindo dois funcionários do partido deposto Liga Nacional para a Democracia (NLD). Os quatro morreram sob custódia do estado, de acordo com o Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos.
Mais de 2.000 pessoas foram detidas arbitrariamente desde o golpe, de acordo com a AAPP. Muitas delas estão sem contato com familiares e amigos, e suas condições ou paradeiro são desconhecidos.
A CNN não pode verificar de forma independente os números de prisão ou número de mortos da AAPP.
Já o jornal diário estatal de Mianmar publicou um aviso na quarta-feira (10) reforçando a narrativa dos militares de que estão usando força mínima contra os manifestantes.
Na quinta-feira, o relator especial da ONU para os direitos humanos em Mianmar, Tom Andrews, disse em uma declaração ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra que um “número crescente de relatórios” indica que as forças de segurança da junta estão cometendo “atos de assassinato, prisão, perseguições e outros crimes no âmbito de uma campanha coordenada, dirigida contra uma população civil, de forma generalizada e sistemática, com o conhecimento das lideranças da Junta”.
A “resposta brutal”, disse ele, “provavelmente atingiu o limite legal para crimes contra a humanidade”.
Ele pediu aos estados membros da ONU que interrompam o fluxo de dinheiro e armas para a junta, dizendo que sanções multilaterais “deveriam ser impostas” aos líderes, empresas de propriedade ou controladas por militares e à empresa estatal de energia, a Myanmar Oil and Gas Enterprise.
A declaração foi dada depois que o grupo de direitos humanos Anistia Internacional divulgou um relatório dizendo que os militares estavam embarcando em uma “onda de matança” em Mianmar, usando táticas e armas cada vez mais letais, normalmente vistas em guerras, contra manifestantes pacíficos.
Ao verificar mais de 50 vídeos da repressão em andamento, o Laboratório de Evidências de Crise da Anistia confirmou que as forças de segurança parecem estar implementando estratégias planejadas e sistemáticas, incluindo o uso intensivo de força letal, aplicação indiscriminada de munição real em áreas urbanas e execuções extrajudiciais.
“As táticas militares de Mianmar estão longe de ser novas, mas as matanças nunca foram transmitidas ao vivo para o mundo ver”, disse Joanne Mariner, diretora de resposta à crise da Anistia Internacional. “Não são ações de policiais sobrecarregados e pessoas tomando decisões erradas. São comandantes sem arrependimento já implicados em crimes contra a humanidade, enviando suas tropas e usando métodos assassinos abertamente”.
Fuga para a Índia
Há evidências de que a violência está forçando as pessoas a fugir do país. Entre 200 e 300 cidadãos cruzaram a fronteira de Mianmar para o estado de Mizoram, no nordeste da Índia, fugindo dos distúrbios, segundo Pu Zoramthanga, ministro-chefe de Mizoram à CNN.
São policiais, funcionários públicos, seus familiares e outros civis. O número de pessoas fugindo aumenta diariamente, de acordo com o ministro-chefe.
“Nós [o governo de Mizoram] não os estamos mandando de volta por causa da questão humanitária. Quando alguém entra na terra, na fronteira do país, temendo por sua vida, não podemos simplesmente mandar a pessoa de volta. Não são criminosos. É uma questão política”, afirmou.
Zormanthanga acrescentou que as pessoas recebem comida e abrigo e muitas têm família em Mizoram. Para ele, cabe ao governo federal indiano responder como lidar com a situação na fronteira.
Suu Kyi acusada de suborno
A líder civil Aung San Suu Kyi foi acusada de suborno e corrupção pelos militares na quinta-feira (11). É a quarta acusação do tipo, o que pode resultar em uma sentença de prisão de anos.
O porta-voz dos militares, brigadeiro general Zaw Min Tun, disse em uma entrevista coletiva que Suu Kyi aceitou pagamentos ilegais no valor de US$ 600 mil (cerca de R$ 3,2 milhões), bem como ouro, enquanto estava no governo, de acordo com a Reuters. Segundo ele, a informação veio de um ex-ministro regional de Yangon, e que um comitê anticorrupção estava investigando o caso.
O advogado de Suu Kyi, Khin Maung Zaw, disse à CNN que “as alegações são uma invenção total”.
“Estou na política em Mianmar há quase 40 anos e, em todos esses anos, não testemunhei tais acusações vergonhosas. Estamos em um país onde as pessoas viram muita corrupção no passado e muitos comportamentos inadequados, mas Aung San Suu Kyi não está nessa esfera de corrupção”.
Ele acrescentou que, embora tenha tido “muitos desentendimentos” com Suu Kyi, “quando se trata de corrupção, suborno, ganância – esta não é ela, ela não é esse tipo de mulher”.
Junto com Suu Kyi, o presidente deposto Win Myint, sua esposa e vários ministros estavam sendo investigados por supostamente pedir e aceitar “dinheiro de alguns empresários”, disse o porta-voz, sem esclarecer os fatos.
Suu Kyi e Win Myint continuam em prisão domiciliar.
Os militares, chefiados pelo líder do golpe, o general Min Aung Hlaing, assumiram o controle total do país no mês passado, derrubando o governo democraticamente eleito de Suu Kyi, que havia vencido as eleições de novembro de 2020 com uma vitória esmagadora.
O Exército justificou sua ação alegando fraude eleitoral generalizada na eleição, apenas a segunda votação democrática desde que a junta militar anterior iniciou uma série de reformas em 2011.
Em uma declaração em vídeo transmitida ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, o secretário permanente do Ministério das Relações Exteriores de Mianmar, Chan Aye, disse: “Nos últimos dias, as autoridades em questão têm prestado atenção em manter a lei e a ordem no país” e “as autoridades têm exercido o máximo de contenção para lidar com os violentos protestos”.
Chan Aye também disse que a liderança militar continua comprometida com “eleições democráticas multipartidárias livres e justas”. Mas, falando com Christiane Amanpour, da CNN, Kyaw Moe Tun, embaixador de Mianmar na ONU, disse que o país não precisa de novas eleições porque a última votação foi livre e justa.
Seus comentários vieram depois dos 15 países do Conselho de Segurança das Nações Unidas apoiarem unanimemente a declaração mais forte desde o golpe, dizendo que o conselho “condena veementemente a violência contra manifestantes pacíficos” e apelando aos militares para “exercerem o máximo de contenção”.
Diplomatas da ONU disseram à CNN que a China, a Rússia e o Vietnã se opuseram a uma linguagem mais dura, que chamaria os eventos de “golpe”. O texto inicial tinha uma linguagem com ameaça de novas ações, potencialmente sanções, e depois foi mudado.
Em um comunicado, o embaixador da China na ONU, Zhang Jun, disse que “é importante que os membros do Conselho falem em uma só voz. Esperamos que a mensagem do Conselho contribua para aliviar a situação em Mianmar”.
Kyaw Moe Tun, o embaixador do país na ONU, disse que a mensagem “não atende às expectativas do povo”, afirmando que, contra a brutalidade dos militares, “todos nos sentimos desamparados”. Ele pediu a proteção da comunidade internacional.
Sarita Harilela, Vedika Sud, Richard Roth e Radina Gigova, da CNN, contribuíram com a reportagem