Matheus Teixeira e Leandro Colon | Folha de S.Paulo
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Fux, diz ter sido procurado pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo, na tentativa de amenizar a tensão entre os Poderes após a revelação de que integrantes do Exército articularam uma pressão contra a corte às vésperas do julgamento que levou à prisão do ex-presidente Lula (PT), em 2018.
O presidente do STF, Luiz Fux, em seu gabinete, em Brasília | Mateus Bonomi/Folhapress |
“Ele falou que não houve nenhuma reunião de Comando Militar para tratar de eventual resultado de julgamento do Supremo, para reagir a isso”, relatou Fux em entrevista à Folha nesta quinta-feira (18).
A crise teve início na última segunda-feira (15) após o ministro Edson Fachin rebater a afirmação do general da reserva Eduardo Villas Bôas de que discutiu com outros integrantes das Forças Armadas o conteúdo de uma mensagem no Twitter publicada um dia antes da análise do caso do petista no Supremo.
Fachin classificou como “intolerável e inaceitável qualquer tipo de pressão injurídica sobre o Poder Judiciário”.
Segundo Fux, o ministro da Defesa o procurou para acalmar os ânimos com uma mensagem para dizer que a declaração de Villas Bôas foi, na verdade, um ato isolado dele e que as Forças Armadas não gostariam de potencializar a crise.
"O ministro da Defesa [Fernando Azevedo] entrou em contato comigo, tenho até uma mensagem enviada por ele, dizendo a mim o seguinte: ‘ministro Fux, nós não queremos potencializar essa notícia porque na verdade foi declaração isolada do ministro Villas Bôas no momento de fazer sua biografia, não há nenhuma concordância das Forças Armadas em relação a pressão sobre o Supremo’", disse Fux.
"O ministro Fernando me disse para não deixar criar uma crise nisso. Vou ler o que me mandou [Fux pega o telefone e começa a ler a mensagem]: ‘Em todas as minhas notas como ministro da Defesa reafirmo o compromisso das Forças Armadas com a democracia e a Constituição de 1988. As Forças Armadas estão voltadas para o cumprimento das suas obrigações legais", ressaltou o ministro do Supremo.
Em livro-depoimento recém publicado pela Fundação Getúlio Vargas, no entanto, Villas Bôas disse que o tuíte publicado um dia antes do julgamento foi escrito por “integrantes do Alto-Comando”.
Após a resposta de Fachin por meio de nota divulgada na última segunda-feira (15), a relação entre os órgãos ficou ainda pior porque Villas Bôas usou as redes sociais para ironizar o fato de a reação do magistrado ter ocorrido apenas três anos depois do episódio.
Segundo o relato feito pelo general, que comandou o Exército de 2014 a 2019, ele discutiu o tema com sua equipe e com os integrantes do Alto-Comando do Exército, o colegiado de 15 generais de quatro estrelas, o topo da hierarquia.
Assim, ele envolveu ao menos três ministros do atual governo, entre eles Azevedo, que na época era chefe do Estado-Maior, segundo posto da Força.
De acordo com Fux, Azevedo entrou em contato para informar que “não há nenhuma concordância das Forças Armadas em relação à pressão sobre o Supremo”.
“Em todas as minhas notas como ministro da Defesa reafirmo o compromisso das Forças Armadas com a democracia e a Constituição de 1988. As Forças Armadas estão voltadas para o cumprimento das suas obrigações legais”, dizia a mensagem do ministro do Executivo encaminhada ao presidente do Supremo.
Segundo o livro, porém, Villas Bôas começou a discutir o tema com pessoas próximas dois dias antes do julgamento, em 2 de abril de 2018.
“Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”, afirmou no Twitter um dia depois.
Em 4 de abril daquele ano, o Supremo acabou rejeitando o habeas corpus em que o petista pedia para que sua pena de prisão no caso do tríplex não fosse executada em segunda instância, mas apenas após o final do processo.
Na data, apenas o então ministro Celso de Mello rebateu a declaração do general e repreendeu a tentativa de pressionar o Supremo.
Lula acabou sendo preso no dia 7 de abril e deixou a cadeia 580 dias depois, após o STF derrubar a regra que permitia prisão a partir da condenação em segundo grau.
Quando Villas Bôas começou a discutir o tema, o então ministro da Defesa, general da reserva Silva e Luna, foi alertado acerca e ficou assustado. Acionou o general da reserva Alberto Mendes Cardoso, conhecida voz moderada que foi chefe da Casa Militar/Gabinete de Segurança Institucional do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Ambos trabalharam para retirar menções que sugerissem intenções de interferência institucional aberta contra o Supremo. Sobrou a ameaça velada, que no livro "General Villas Bôas: Conversa com o comandante", de Celso Castro, o ex-comandante diz ter sido "um alerta".
O relato afirma que a movimentação deu certo e que o conteúdo inicial tinha um teor bastante mais incendiário do que o publicado.
Para o ministro Luiz Fux, esse tipo de ação não tem efeito porque “o Supremo não funciona com pressão”. “É até afrontosa uma pressão”, afirma.
O ministro diz que o então decano da corte rebateu Villas Bôas na época e que “ninguém poderia mexer naquela resposta.
“Esse livro retrata uma manifestação pretérita que recebeu uma manifestação irretocável do decano Celso de Mello”, diz.
Fux lembra que, ano passado, também entrou na discussão sobre os limites do trabalho das Forças Armadas e que deu uma decisão esclarecendo que a Constituição não permite que militares intervenham nos demais Poderes.
Para o ministro, não houve excesso de Fachin ao comentar o episódio três anos depois. “O ministro Fachin é um acadêmico, um homem de uma bela formação científica, um democrata que sempre se manifesta contra atos antidemocráticos, isso é da essência dele”, afirmou.
Após a afirmação de Villas Bôas e a resposta do ministro do Supremo, o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) publicou um vídeo nas redes sociais para criticar Fachin e exaltar o ex-chefe do Exército. Na gravação, porém, o parlamentar ofendeu seis integrantes do Supremo e fez duras críticas à corte.
Horas depois, o ministro Alexandre de Moraes determinou a prisão do deputado e, no dia seguinte, o plenário da corte referendou a detenção por unanimidade.