Mike Thomson | BBC News
A violência está concentrada na província desértica de Deir al-Zour.
Mesmo declarado derrotado, Estado Islâmico tem realizado centenas de ataques na Síria na região de Deir al-Zour (foto de 2019) | AFP |
O pesquisador sírio Ali* (o nome dele e da organização na qual atuam foram modificá-los por questões de segurança) tem compilado dados sobre os ataques, e identificou suas diversas formas.
“Decapitações, bombas, motoqueiros suicidas, assassinatos e sequestros. Isso numa pequena área ao leste da cidade de Deir al-Zour.”
Em um ataque recente, 40 pessoas foram mortas por uma célula adormecida do Estado Islâmico que fez uma emboscada contra um ônibus.
Ali afirma que os civis ficam mais vulneráveis depois que o Sol se põe, momento em que combatentes do Estado Islâmico atuam naquele que está se tornando rapidamente um vácuo de segurança.
“À noite, eles estão com medo e acabam nas mãos de combatentes do EI. Eles costumavam ir às autoridades em busca de proteção, mas ninguém reage. Eles sempre ouvem que não há armas suficientes para combatê-los, então eles evacuam. Após o pôr do sol, todos os soldados ligados às SDF [Forças Democráticas da Síria] deixam a cidade."
Amira* (também um nome fictício) tem parentes na SDF, uma força liderada pelos curdos que liderou a luta contra o Estado Islâmico na região com o apoio de uma coalizão liderada pelos EUA, expulsando-a do território que os jihadistas haviam capturado e controlado.
Segundo Amira, sua cidade é agora um lugar assustador depois que a escuridão cai.
“À noite, a área em que vivo está quase sob o controle dos integrantes do Estado Islâmico. Eles se movem atacando casas e ameaçando pessoas. É assustador, já que as SDF quase não têm controle sobre a cidade à noite. Mas isso acontece também durante o dia. Não há dia que passe sem que uma ou duas pessoas sejam mortas."
Morte sem aviso prévio
Amira diz que estão sob maior risco aqueles que se supõe ter ligações com o governo central de Damasco, controlado pelo regime de Bashar al-Assad, ou com as SDF.
Os primeiros são frequentemente orientados pelos membros do Estado Islâmico a abandonar seus empregos ou enfrentar as consequências. Aqueles que os jihadistas acreditam ter conexões com as SDF são frequentemente mortos sem aviso prévio.
Lojistas e outros empresários também estão sendo visados, geralmente por meio de mensagens de texto ou telefonemas ameaçadores. Eles são instruídos a pagar grandes quantias, às vezes até US$ 5.000 (quase R$ 27 mil), ou ver membros da família sendo mortos ou sequestrados.
Alguns criminosos locais estão agora aproveitando esse clima de medo fingindo pertencer ao Estado Islâmico e exigindo dinheiro usando ameaças semelhantes.
Amira diz que, como as forças de segurança locais não conseguem impedir isso, algumas pessoas recorreram à ajuda dos próprios jihadistas.
"Recentemente, três homens estavam ameaçando as pessoas, dizendo que eram do Estado Islâmico. Mas, em vez de pagar, as pessoas perguntaram aos jihadistas se eles eram realmente membros deles. O Estado Islâmico disse que não eram e matou os três."
No auge de seu sucesso, o autoproclamado "califado" do Estado Islâmico se estendia por vastas áreas da Síria e do Iraque, e controlada uma região quase do tamanho do Reino Unido ou do Estado de São Paulo.
Mas, após sofrerem uma série de derrotas expressivas, os jihadistas perderam seu último pedaço de território em março de 2019.
Na época, o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou que o grupo havia sido "100% derrotado", mas essa afirmação provou estar bem longe da realidade.
Em 2020, o Estado Islâmico afirmou ter realizado quase 600 ataques na Síria e mais de 1.400 no vizinho Iraque.
Terreno fértil
Há cerca de 10 mil combatentes do Estado Islâmico na Síria e no Iraque, estimam especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU). O subsecretário-geral da instituição para o combate ao terrorismo, Vladimir Voronkov, teme que o grupo seja mais uma vez uma ameaça crescente.
"Após sua derrota territorial no Iraque e na Síria em 2019, o Estado Islâmico começou a se reconstituir em uma rede secreta e essa força avança", disse ele à BBC.
Alguns temem que, com grande parte do mundo preocupado com a pandemia de covid-19, a situação possa piorar ainda mais.
Entre eles está Amira. Ela insiste que, a menos que mais esforços sejam feitos no combate à ameaça jihadista, um número crescente de habitantes locais pode considerar que o seguinte: “Se você não pode vencê-los, junte-se a eles”.
"Se a situação continuar como está, acho que as pessoas vão voltar a apoiar o Estado Islâmico na área. Porque quando o Estado Islâmico estava no controle, sim, era assustador e sim, eles estavam matando pessoas, mas havia algum tipo de segurança em uma forma, em comparação com a situação atual."