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Neste sábado (13), a Argélia marca o 61º aniversário dos primeiros testes nucleares realizados pela França em seu território.
Pedestres passam por sinal de perigo no antigo centro de testes nucleares francês na região sul da Argélia (foto de arquivo) © AFP 2021 / FAYEZ NURELDINE |
Em 13 de fevereiro de 1960, bomba francesa com potência de 70 quilotons – três vezes mais poderosa do que a bomba norte-americana lançada em Hiroshima – foi testada no Saara argelino.
Após a primeira explosão, 17 outras bombas nucleares foram testadas na antiga colônia francesa.
Apesar das milhares de vítimas dos testes franceses, que sofreram anos pelas consequências da radiação, somente um cidadão da Argélia foi compensado por Paris.
Por muito tempo, a posição oficial francesa era a de que o impacto da radiação no Saara havia sido limitado.
Mas documentos desclassificados pelo Ministério da Defesa francês em 2014 mostram que a precipitação radioativa se espalhou para além das fronteiras argelinas, atingindo países como Marrocos, Mali, Mauritânia, Níger e Gana.
Os primeiros contatos do continente africano com as armas nucleares foram traumáticos. Mas qual a chance de um país africano obter a bomba hoje em dia? Grupos terroristas locais podem obter material radioativo?
Bomba nuclear africana
De acordo com o especialista em desarmamento e não proliferação do Instituto de Economia Mundial e Relações Internacionais Primakov da Academia de Ciências da Rússia (IMEMO-RAN, na sigla em russo), Stanislav Ivanov, a maior ameaça ao continente africano é a obtenção de armas nucleares por grupos terroristas.
Segundo Ivanov, os países do continente não teriam a capacidade ou intenção de desenvolver armamentos nucleares atualmente.
"Nenhum dos Estados africanos tem programas nucleares para fins militares. Os antigos projetos para construção de bombas nucleares de África do Sul e Líbia foram revertidos", disse Ivanov à Sputnik Brasil.
No entanto, "o terrorismo nuclear se tornou uma ameaça global".
"Na Nigéria, Níger, Camarões, Líbia e Somália, em uma série de países africanos existem poderosas organizações terroristas, como as radicais islâmicas Boko Haram e Al-Shabab [organizações terroristas proibidas na Rússia e demais países]", disse Ivanov.
Esses grupos "controlam não só territórios significativos [...], mas também recursos naturais".
"Os recursos financeiros desses grupos são bastante significativos", garantiu Ivanov, o que possibilitaria a compra de materiais nucleares no mercado negro.
No entanto, a ausência de recursos financeiros pode ser contornada por métodos bastante modernos, como mostra relatório da ONU sobre a Coreia do Norte divulgado no dia 9 de fevereiro.
De acordo com o relatório, hackers norte-coreanos teriam obtido milhões de dólares cometendo crimes cibernéticos para obter recursos para financiar seu programa nuclear e de mísseis.
'Bomba suja'
Ao contrário da Coreia do Norte, organizações terroristas podem não ter a estrutura para construir um programa nuclear autônomo, preferindo obter material nuclear de países que já desenvolveram tecnologia nacional.
"No nosso mundo, tudo é comprado e vendido", disse Ivanov. "Terroristas têm enormes recursos financeiros e podem comprar uma ogiva nuclear, um míssil ou drone para entregá-lo ao alvo."
Para que grupos terroristas possam utilizar materiais radioativos, construindo as chamadas "bombas sujas", é necessário que eles desenvolvam ou se apoderem de veículos de entrega, como mísseis.
Nesta quinta-feira (11), reportagem da Bloomberg apontou que 20 israelenses são investigados por suspeita de venda ilegal de mísseis de cruzeiro a uma país estrangeiro não identificado.
Os suspeitos, dentre os quais se incluem ex-funcionários da indústria de defesa israelense, teriam obtido "pagamento de dinheiro significativo e outros benefícios", apontou o Ministério Público do país.
Na ausência de cooperação direta com membros dos Estados que já desenvolveram tecnologia nuclear, "os líderes terroristas se empenharão em obter armas nucleares a qualquer custo, inclusive por meio da penetração secreta de instalações nucleares".
"Essa situação tem inclusive precedentes, como quando uma extensa rede de laboratórios [...] foi criada pelo cientista nuclear paquistanês [Abdul Qadir] Khan, que vendeu tecnologias nucleares e equipamentos para a produção de urânio enriquecido para Coreia do Norte e Líbia", lembrou o especialista.
Ele ainda lembra a invasão do Centro de Pesquisa da Universidade de Mossul, no norte do Iraque, em 2014, no qual organização terrorista se apoderou de 40 quilos de compostos de urânio.
"Aliás, esses mesmos jihadistas apresentaram durante um desfile mísseis balísticos soviéticos 'P-17'", notou Ivanov.
Os mísseis tampouco são os únicos veículos de entrega que podem ser utilizados em um ataque nuclear.
"Os militantes de Osama bin Laden mostraram que é possível usar aviões civis como armas", alertou o especialista. "Agora estamos na era dos veículos aéreos não tripulados – os drones – que podem carregar qualquer munição e superar com sucesso os sistemas de defesa antiaérea e de mísseis."
Caso uma organização terrorista consiga produzir "bombas sujas", elas podem ser utilizadas para infectar territórios inteiros com radiação, provocando sérios danos à saúde da população local por gerações.
Apesar dos Estados africanos terem renunciado ao uso de armas nucleares, as organizações terroristas atuantes no continente não atuam de acordo com o mesmo princípio.
Neste sábado (13), a Argélia marca os 61 anos do primeiro teste nuclear francês, realizado na região sul do país. Nesta sexta-feira (12), organizações de veteranos de guerra da Argélia seguiram em caravana para a região dos testes, em Reggane, em solidariedade às vítimas dos testes nucleares.
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