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No dia 16 de novembro, administração do presidente Donald Trump ordenou o retorno de 2.500 soldados do Iraque e do Afeganistão, reduzindo assim a presença norte-americana nos dois países de 3.000 para 2.500 e de 4.500 para 2.500, respectivamente.
Christopher C. Miller | Reprodução |
Anunciando a operação, o secretário da Defesa dos EUA em exercício Christopher C. Miller contou a jornalistas que esta decisão estava de acordo com a promessa do presidente Trump de acabar com "guerras eternas". Em 9 de novembro, Miller substituiu o ex-chefe do Pentágono Mark Esper, junto com Anthony Tata, Ezra Cohen-Watnick e Kash Patel, que assumiram cargos importantes no Departamento da Defesa após uma série de demissões.
Acordo EUA-Talibã e retirada de tropas
A retirada dos militares foi uma das principais disposições do acordo de Washington com o Talibã (organização terrorista proibida na Rússia e em outros países) assinado em 29 de fevereiro 2020, em Doha, Qatar. Em troca, o grupo, que se refere a si mesmo como o Emirado Islâmico do Afeganistão, se comprometeu a cessar todas as atividades militares e entrar em negociações com o governo do país.
Em 10 de novembro, o Talibã ligou a Joe Biden, que a mídia previa que ganharia a eleição, para continuar comprometido com o acordo de paz assinado em Doha.
Não é certo qual estratégia Biden adotaria, no entanto, mesmo a mínima mudança política no acordo EUA-Talibã poderia ameaçar o processo de paz no Estado da Ásia Central, considera o analista político paquistanês Sabtain Ahmed Dar.
Ele elogia a decisão de Trump de iniciar negociações com Talibã que, segundo a opinião dele, terminou o impasse de décadas e abriu caminho para a paz no país dilacerado pela guerra.
"A principal razão por que a resolução do conflito na crise afegã correu tranquilamente desde setembro de 2019 é a administração de Trump ter entendido que sem reconciliação com o Talibã não existiria saída do Afeganistão", notou o especialista durante entrevista à Sputnik Internacional, adicionando que Islamabad desempenhou um papel importante no processo.
No entanto, Joe Biden provavelmente se oporia à retirada total porque a mesma derrubaria "uma narrativa de duas décadas sobre o movimento Talibã e suas alegadas ligações com Al-Qaeda", explicou.
"[Ao mesmo tempo], Biden não vai se sentir confortável com impasse atual entre as partes interessadas no Afeganistão", sugeriu ele. "No processo de paz inteiro pode ocorrer uma falha e isso vai acontecer pelas mãos do governo afegão, o qual frequentemente se sentiu irrelevante durante todo o processo de paz afegão. Eles poderiam considerar este fato como grande lacuna a explorar para sua inclusão no processo de paz afegão, algo de que o Talibã não gostaria."
Mesmo assim, Dar espera que Biden não abandone o processo de paz no Afeganistão e continue respeitando as principais disposições do acordo EUA-Talibã.
Depois de principais mídias norte-americanas terem declarado Biden como ganhador provisório da corrida presidencial, o presidente do Afeganistão Ashraf Ghani pediu a ajuda do ex-vice-presidente para "ajudar a combater o terrorismo" no país e aprofundar a "parceria estratégica multicamada" entre Cabul e Washington. Ao mesmo tempo, políticos afegãos expressaram já várias vezes suas preocupações pela retirada "apressada" das tropas dos EUA da região.
Mais provável é que Biden deixe uma força contraterrorista no Afeganistão, escreveu Stars and Stripes em 10 de novembro, citando sua entrevista com o ex-vice-presidente em setembro. O jornal militar dos EUA também sugeriu que Biden "manteria a maioria dos pontos do acordo" celebrado entre Talibã e administração de Trump.
Além do mais, em fevereiro o candidato presidencial do Parido Democrata contou sem rodeios à CBS News que a América teria "responsabilidade nula" se o Talibã voltasse ao poder no Afeganistão após a retirada.
Afeganistão necessita presença policial dos EUA e Paquistão
Por sua parte, o Paquistão, aliado regional mais próximo do Afeganistão, está pronto para colaborar com qualquer administração norte-americana, apoiando seu vizinho centro-asiático, anuncia Dar.
"É importante entender a mudança recente na política do Paquistão no relacionamento com os EUA. O principal objetivo da política externa do Paquistão refere que 'nós não faremos parte de nenhuma guerra norte-americana'", ressaltou o analista. "O Paquistão quer boas relações com os EUA e quer que Washington continue participando do processo de paz no Afeganistão."
Ao mesmo tempo, Islamabad seguirá defendendo um papel político para o Talibã no futuro governo de Cabul e apela à Casa Branca para aprovar a nova estrutura híbrida de poder, segundo as palavras de Dar.
"O fundamental é ter visão compartilhada e encontrar terreno comum para uma estrutura de poder afegã entre Cabul e o Talibã", acredita. "Em qualquer caso, tanto o Talibã como Cabul teriam que chegar a acordo e elaborar um manifesto de partilha do poder que possa ser executado estruturalmente na direção de um sistema político híbrido."
Após décadas de hostilidades, o acordo de paz final entre Cabul e a liderança política do Talibã tem importância extrema, destaca analista. Entretanto, as aparentes tentativas do governo afegão de fazer fracassar este processo, excluindo o Talibã da vida política do país, deveriam ser prevenidas em prol do processo de paz, segundo Dar.
"Se não estiver devidamente integrado em um acordo de partilha do poder, o Talibã provavelmente continuaria lutando por seus direitos, usando mesmo a militância para atingir seus objetivos", avisou o especialista em conclusão.