Por Renan Lúcio | Sputnik
Apesar dos discursos de austeridade do ministro da Economia, Paulo Guedes, e das perdas provocadas pela pandemia da COVID-19, o governo federal decidiu aumentar a alocação de recursos para projetos das Forças Armadas em 2021, levantando questionamentos sobre as prioridades da atual administração.
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De acordo com o Projeto de Lei Orçamentária Anual enviado ao Congresso, o Ministério da Defesa deve receber ao todo R$ 116 bilhões no próximo ano (incluindo despesas financeiras, sendo R$ 110,7 bilhões de despesas primárias), dos quais R$ 8,17 bilhões serão utilizados em projetos prioritários, R$ 1,47 bilhão a mais do que em 2020. Os valores, de acordo com reportagem do jornal O Globo, se destinarão a programas como o desenvolvimento de aviões cargueiros para a Força Aérea, implantação de um sistema de aviação pelo Exército e construção de submarinos de propulsão nuclear pela Marinha.
Embora os investimentos em defesa sejam, de fato, muito importantes para o desenvolvimento do país, o momento escolhido pelo governo para fazê-los é marcado por uma série de problemas econômicos, com projeções de queda do PIB em torno dos 5%, desemprego, alta nos preços dos alimentos, cortes nos recursos das universidades e do sistema de Ciência e Tecnologia, redução de gastos com meio ambiente e infraestrutura etc. Nessas circunstâncias, aumentar os investimentos em projetos que não estão diretamente ligados à melhoria das condições de vida da população poderia indicar um interesse do presidente Jair Bolsonaro em "privilegiar grupos que vêm dando sustentação ao seu governo", como afirma a cientista política Ariane Roder, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
"O orçamento é uma das peças mais importantes para se compreender o jogo político. É por meio dele que se revelam as prioridades do governo e o apoio que se revela no Congresso Nacional", declarou a especialista em entrevista à Sputnik Brasil. "Portanto, embora criticável, não é inesperada a decisão deste governo em priorizar o Ministério da Defesa e suas pautas em detrimento de outros, como o caso do Ministério da Educação."
Na área da educação, citada pela acadêmica, apesar de o governo também prever um aumento para 2021, professores reclamam que um percentual maior das verbas passará a depender de aprovação de créditos suplementares pelo parlamento, ao longo do próximo ano, para que sejam utilizadas, ao mesmo tempo em que as universidades deverão sofrer um "corte linear de 16,5%".
"Se essa realidade orçamentária se confirmar, as universidades não terão recursos para custear água, energia, assistência estudantil, entre outros custos essenciais que são responsáveis por fazer funcionar as atividades, o que inclui os laboratórios e as pesquisas que tanto têm colaborado para mitigar os efeitos da crise da pandemia em nosso país", destaca Roder, explicando que caberá ao legislativo reverter esse quadro e aumentar os valores previstos no orçamento da educação.
De acordo com a cientista política, a situação provocada pelo surto do novo coronavírus deveria forçar a administração federal a apostar mais "em áreas estruturantes da sociedade".
"Fato é que o Brasil tem ficado à deriva, até o momento, em duas áreas prioritárias, como educação e saúde, com trocas de ministros frequentes e falta de uma agenda definida para essas áreas. Esse fato também revela, assim como o orçamento, o que é e o que não é prioritário para esse governo."
Aumento dos investimentos nas Forças Armadas será mantido pelo Congresso?
Enviado ao Congresso Nacional no final do mês passado, o Projeto de Lei Orçamentária Anual deverá ser analisado e alterado pelos parlamentares antes de ser transformado na lei que guiará os gastos da União no próximo ano.
Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal, Nelsinho Trad (PSD-MS) explica que, apesar de entender a importância dos investimentos em projetos do setor militar, inevitavelmente, quando é tomada uma decisão no sentido de se investir em uma determinada área, outras correm o risco de acabar ficando descobertas. E, para evitar que isso aconteça, os parlamentares deverão "estudar minuciosamente" o assunto para entender melhor o impacto de se priorizar ou não esse tipo de investimento agora.
"Muito importante nessa história é que esse debate possa ser desenvolvido da melhor forma possível aqui dentro do Congresso, que, infelizmente, com essa questão da pandemia, tem limitado certas discussões. Audiências públicas, com diferentes setores, que, normalmente, são promovidas, em função dessa pandemia, não estão sendo realizadas. E isso acaba por prejudicar o andamento das discussões temáticas das diversas áreas que poderão compor o orçamento", disse ele também em declarações à Sputnik Brasil, sublinhando que é natural ocorrer uma espécie de "queda de braço" no processo de aprovação do orçamento.
Em julho, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, encaminhou ao parlamento propostas que atualizam os objetivos, estratégias e informações da defesa brasileira, prevendo, entre outras coisas, gastos públicos correspondentes a 2% do Produto Interno Bruto do Brasil com a área militar, tal qual ocorre na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Essa e outras propostas presentes na atualização da Estratégia Nacional de Defesa deverão ser analisadas pela Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) do Senado, também presidida por Trad.
"Nós temos, infelizmente, no nosso Brasil, áreas essenciais, áreas estruturantes, que não justificam, neste momento — ainda mais neste momento atípico que nós estamos enfrentando, dessa pandemia desse coronavírus —, serem descobertas em função de uma prioridade política e ideológica que a gente observa que o atual governo tem em relação à área militar. O que não quer dizer que não seja importante. Mas, numa situação como essa, áreas como saúde, principalmente, e educação não devem ser colocadas em segundo plano, em detrimento de outras áreas prioritárias que a gente observa nitidamente que o governo do presidente Jair Bolsonaro tem, como é a área militar. Para isso existe o Congresso, ele funciona como um equilíbrio", disse o senador.
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