Thomas Brey | Deutsch Welle
Um quarto de século após o genocídio em Srebrenica, os jovens dos Bálcãs apelam ao mundo: "Vocês não devem esquecer o que aconteceu. Porque se esquecermos dessas coisas, elas podem acontecer novamente, e uma Srebrenica nunca mais deve acontecer com ninguém", diz Lamia Bravo, da Bósnia-Herzegovina.
Em 14 de julho de 1995: refugiados de Srebrenica numa base da ONU perto de Tuzla, cidade controlada por tropas bósnias |
No leste deste país, na pequena cidade de Srebrenica, ocorreu em julho de 1995 o pior massacre na Europa após a Segunda Guerra Mundial: soldados sérvio-bósnios e unidades paramilitares assassinaram mais de 8 mil meninos e homens muçulmanos. Tribunais internacionais classificaram repetidamente esse massacre sem precedentes como genocídio. "Em Srebrenica, a Europa fracassou", diz, em entrevista à DW, Gudrun Steinacker ex-diplomata, que mais recentemente foi embaixadora da Alemanha na Macedônia do Norte e em Montenegro.
"Após quatro anos de guerra e limpeza étnica, com campos de concentração, expulsões e estupros em massa, deveriam ter tido consciência do que era possível", lamenta a especialista, considerada um das maiores conhecedoras dos Bálcãs da diplomacia alemã.
Os detalhes desse drama inimaginável foram meticulosamente processados pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia em Haia. Segundo o que foi apurado nele, os sérvios começaram a planejar estrategicamente o massacre em março de 1995, na última fase da guerra civil na Bósnia-Herzegovina (1992-1995).
Refúgio em base da ONU
O objetivo era capturar Srebrenica, uma das regiões declaradas dois anos antes pelo Conselho de Segurança da ONU como "área segura". Cerca de 400 soldados holandeses escassamente armados das forças de paz da ONU, os chamados "capacetes azuis", deveriam fazer de Srebrenica um refúgio para muitos refugiados. Quando as tropas da "República Srpska" (um estado não-reconhecido controlado pelos sérvios) invadiram a cidade em 11 de julho e fizeram os soldados da ONU como reféns, 25 mil pessoas buscaram proteção, sob calor escaldante e cruéis condições de higiene, na base da ONU em Potocari, nos arredores de Srebrenica. Um dia depois, ocorreram os primeiros abusos, estupros e assassinatos de refugiados muçulmanos. Nos dias 12 e 13 de julho, mulheres, meninas e idosos foram amontoados em ônibus e levados para áreas sob o controle de unidades bósnias muçulmanas.
De 13 a 17 de julho, unidades sérvias mataram mais de 8 mil homens e meninos e os enterraram em valas comuns. Quase 7 mil deles já foram identificados nominalmente e enterrados no cemitério memorial de Potocari. Para isso, especialistas forenses, inclusive do exterior, tiveram que chegar a seus próprios limites psicológicos. Pois após o primeiro enterro de cadáveres em valas comuns, os criminosos sérvios abriram novamente as valas comuns com escavadeiras pesadas e distribuíram partes dos corpos para as chamadas valas secundárias ou terciárias, visando encobrir seus crimes. Os patologistas tiveram que buscar laboriosamente os restos mortais de várias valas e juntá-los novamente.
O comandante em chefe do genocídio, o líder político dos sérvio-bósnios Radovan Karadzic e seu chefe militar Ratko Mladic, foram condenados, assim como outros cúmplices, à prisão perpétua pelo tribunal da ONU em Haia, apenas alguns anos atrás, após ficarem por longo tempo foragidos. Mas um número bem maior de criminosos ainda continua em liberdade. Muitos fugiram para a vizinha Sérvia e vivem lá sem serem molestados.
Maioria dos agressores está livre
"Especialmente o nível militar médio não foi responsabilizado criminalmente", diz Murat Tahirovic em Sarajevo à Deutsche Welle. Ele é presidente da Associação de Vítimas e Testemunhas do Genocídio. "Embora nossa organização tenha fornecido documentação extensa sobre as 24 unidades envolvidas, com seus 227 membros, não houve resposta das autoridades policiais."
Por que unidades regulares e paramilitares dos sérvios cometeram esse massacre, que não tinha significado militar? O chefe militar Mladic instigou em suas tropas durante anos o ódio contra os muçulmanos, chamados "turcos". Eles deveriam pagar pela derrota na Batalha do Kosovo, ocorrida mais de 600 anos antes. O resultado daquela derrota do príncipe Lázaro da Sérvia contra os otomanos foi que a Sérvia passou a ser governada a partir de Istambul por quase cinco séculos.
A poderosa Igreja Ortodoxa Sérvia tornou oficialmente Mladic um herdeiro legítimo de Lázaro. Até as notórias hordas de Zeljko Raznatovic, o líder paramilitar também conhecido como "Arkan", eram altamente estilizadas entre a população sérvia como "heróis do Kosovo". Um ano após Srebrenica, Karadzic escreveu: "O guerreiro sérvio ainda luta contra os turcos do Kosovo até os dias atuais. Existe apenas a mesma luta épica para sobreviver, pela vida, sempre ameaçada pelo mesmo inimigo – o turco, que desde 1389 não permite ao sérvio viver em paz em suas aldeias".
Vinte e cinco anos após a loucura de Srebrenica, a República da Sérvia e a maioria da população sérvia ainda negam o massacre como genocídio. Os criminosos de guerra Mladic e Karadzic ainda são nomes de ruas, escolas e um dormitório estudantil. Vários dos envolvidos direta ou indiretamente no assassinato em massa ainda exercem cargos como políticos e empreendedores.
"Muitos se lembram de Srebrenica somente nos aniversários do massacre", critica a professora de história Husnija Kamberovic em Sarajevo. "Talvez o exterior também queira esquecer Srebrenica, porque desempenhou um papel tão vergonhoso nele", diz. "Apenas a construção de uma sociedade não nacionalista pode ajudar."