Ele foi chamado de "golpe privado": um plano para sequestrar Nicolás Maduro e entregá-lo às autoridades dos Estados Unidos, que oferecem recompensa de US$ 15 milhões (R$ 86 milhões) por informações que levem à prisão do presidente venezuelano.
Daniel Pardo | BBC News Mundo
O plano, comandado pela empresa de segurança americana Silvercorp, começou com meses de treinamento para ex-militares venezuelanos no deserto colombiano Guajira. Eles tinham armas, coletes, e sistema de comunicação.
Um vídeo promocional da Silvercorp apresenta Goudreau em várias tarefas de segurança | DIVULGAÇÃO SILVERCORP |
A Silvercorp chegou a ter contatos com a oposição venezuelana, aberta a explorar "todas as opções" para derrubar Maduro.
E assim nasceu a chamada Operação Gedeón, cujo líder era Jordan Goudreau, um ex-militar dos EUA que participou das guerras no Iraque e no Afeganistão como parte das forças especiais do Exército. Vários outros ex-soldados dos EUA o acompanharam.
Em 3 de maio, cinquenta homens embarcaram em dois barcos na Colômbia com o ambicioso objetivo de ocupar o palácio presidencial de Miraflores, remover Maduro e levá-lo aos EUA.
Mas antes mesmo de chegarem ao ponto de desembarque, uma cidade na costa norte da Venezuela chamada Macuto, o grupo foi interceptado pelas forças de segurança venezuelanas. Segundo o governo, oito pessoas morreram no confronto e dois americanos foram presos.
Desde então, o que começou como uma operação para derrubar o chavismo se tornou alvo de ridicularização e, segundo especialistas venezuelanos, um novo argumento para a retórica de Maduro contra o imperialismo.
Goudreau, agora investigado pela Justiça de seu país, é o protagonista de uma história digna de um filme - para alguns, não de ação, mas de comédia.
Embora o governo Donald Trump tenha negado qualquer vínculo com Goudreau e a operação, o plano reflete o lema do governo de Washington de que "todas as opções estão sobre a mesa" para provocar uma mudança de governo na Venezuela.
Uma empresa de Miami
O nome de Goudreau, de 43 anos e nascido no Canadá, ganhou fama em 1º de maio.
Uma investigação da Associated Press detalhou a operação liderada pelo ex-militar, idealizada em 2018 pela Colômbia, em aliança com membros da oposição e um dissidente do chavismo, ex-general Clíver Alcalá, que há semanas está nas mãos da Justiça dos EUA.
Goudreau, um membro condecorado de uma equipe das forças especiais do Exército, também conhecida como "boinas verdes", não apenas participou de reuniões da oposição em Bogotá e Miami, mas também fez parte da implantação de segurança do concerto Venezuela Aid Live, na fronteira colombiana, organizada pelo milionário Richard Branson em fevereiro de 2019.
Depois de lutar nas guerras, Goudreau criou a Silvercorp em Miami em março de 2018. Sua principal oferta, de acordo com suas extravagantes redes sociais e site oficial, era treinar policiais e professores diante de ataques a escolas nos Estados Unidos.
Parte de sua estratégia, ele diz em um vídeo, era "infiltrar agentes antiterroristas em escolas, disfarçados de professores".
Após um "pente fino" nas redes sociais de Goudreau, o criminologista Giancarlo Fiorella mostrou no portal Bellingcat evidências de que o agente havia participado e feito a segurança em comícios políticos de Trump.
"Tudo isso não significa que Goudreau faça parte do serviço secreto. É sabido que Trump usa segurança privada para ele e durante seus comícios, e a Silvercorp provavelmente foi contratada" para esses eventos, explica o especialista, que mais tarde publicou outro relatório detalhando teorias relacionadas à Operação Gedeón com membros da direita radical americana.
A BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, tentou contato com Goudreau, mas não teve resposta. Em entrevista à jornalista venezuelana Patricia Poleo, Goudreau disse que, embora seu plano já fosse conhecido e que a oposição "não tenha pagado" o que prometeu, lançou a operação porque é um "combatente pela liberdade".
Baseado em um contrato controverso revelado pelo ex-militar, Goudreau esperava financiar sua operação com pagamentos feitos pela oposição, que obtém seus recursos com dividendos de empresas estatais venezuelanas confiscadas pelos Estados Unidos.
Seja qual for o objetivo, Goudreau e a Silvercorp refletem uma longa tradição de empresas americanas privadas que prestam serviços militares a governos e entidades privadas da América Latina e do mundo.
"Não somos militares aposentados", disse Goudreau em outro vídeo nas redes. "Somos um serviço ativo de mitigação de riscos."
O negócio da geopolítica e do narcotráfico
"A terceirização da política de defesa nos Estados Unidos e na Colômbia cresceu muito nas últimas décadas, especialmente na luta contra o narcotráfico", afirmou à BBC Mundo Adam Isacson, especialista em segurança do think tank Oficina de Washington para Assuntos Latino-Americanos (WOLA, na sigla em ingês).
"Na América Latina, esse tipo de empresa tem sido mais utilizado para apoio à inteligência, enquanto em lugares como Iraque ou África, eles realizam operações militares mais semelhantes às que Goudreau parecia estar tentando fazer", acrescenta.
Independentemente de o governo dos EUA ter ou não algo a ver com a Operação Gedeón, especialistas e opositores dos EUA disseram que situações como essa são o resultado de o governo ter colocado a cabeça de Maduro a prêmio.
Em março, o Departamento de Estado dos EUA anunciou uma recompensa de US$ 15 milhões por Maduro, a quem a Justiça dos EUA acusa de narcotráfico.
Isacson documentou o papel que dezenas de empresas privadas americanas desempenharam em esquemas como o Plano Colômbia, um acordo bilateral entre EUA e Colômbia de combate às drogas.
Outras empresas de segurança dos EUA prestam serviços a empresas de mineração colombianas. Sua presença no país é antiga e arraigada.
Desde o final da Guerra Fria, houve um "boom" de empresas de segurança nos Estados Unidos que trabalharam com o governo para intervir em conflitos complexos, mas de pequena escala, especialmente na África, sem o custo político do sacrifício de tropas americanas.
De acordo com um relatório de 2011 do Comitê de Segurança Nacional do Senado, entre 2005 e 2009, o governo federal americano gastou US$ 3,1 bilhões em contratos privados de políticas antidrogas na América Latina, um aumento de 32% em quatro anos.
A recompensa por Maduro é apresentada no âmbito da guerra ao narcotráfico. Um argumento, segundo pessoas como Goudreau, que afirmam lutar pela liberdade, para dar um "golpe privado".