Chamado entre parlamentares de o “interventor”, chefe da Casa Civil foi artífice da reaproximação com o Centrão. Vídeo da reunião ministerial mostra sua tentativa de coordenar em meio ao caos
Afonso Benites | El País
O general Walter Braga Netto (Belo Horizonte, 1957) chegou ao Governo Jair Bolsonaro (sem partido) com a marca de ter sido o interventor da Segurança Pública no Rio de Janeiro. No Exército, galgava espaços para em pouco tempo se tornar o comandante, posto almejado por quase todos os que estão no último estágio na carreira militar. Chegou a ser o número dois, ainda na gestão Bolsonaro. Indicado para chefiar a Casa Civil pelo colega Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, sob a chancela dos outros dois generais ministros (Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, e Fernando Azevedo e Silva, da Defesa), ele tinha como objetivo botar ordem na pasta. A missão era difícil. A Casa Civil era vista com maus olhos pela classe política e pelo próprio presidente diante da ausência de resultados de seu antecessor, o deputado federal licenciado Onyx Lorenzoni (DEM-RS).
O ministro Braga Netto, no dia 7 de abril, no Palácio do Planalto | ADRIANO MACHADO / REUTERS |
Em pouco tempo, o primeiro militar a ocupar tal posto após a redemocratização se transformou em uma espécie de porta-voz informal de Bolsonaro. Ele tem o árduo trabalho de conter os ímpetos da ala ideológica do Governo, os que repisam as bandeiras ultradireitistas e agitam a base. A tentativa de contenção destoa de seu chefe, que se conecta muito mais facilmente com seus assessores que não tem travas nas línguas, como ficou claro na reunião do dia 22 de abril, que veio à tona na última sexta-feira como uma das provas do inquérito que investiga o presidente. O encontro do Conselho de Ministros foi solicitado pelo próprio general e mostrou as tensões dentro do Governo. Braga Netto mostrou seu “Plano Marshall” de enfrentamento à crise financeira pós-pandemia de coronavírus, o chamado Pró-Brasil, e ficou claro que ele não tinha conversado com Paulo Guedes a respeito. Na apresentação, contou com seus aliados Tarcisio Freitas (Infraestrutura) e Rogerio Marinho (Desenvolvimento Regional) para defender medidas excepcionais de gasto público contra o mantra das “reformas” e pelas privatizações mantido por Guedes.
Mas tentar imaginar a atuação do Governo no pós-pandemia não é seu único trabalho. Nas últimas semanas, Braga Netto tornou-se um dos idealizadores da estratégia de defesa de Bolsonaro no inquérito em que o presidente é investigado por cinco delitos e o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, por outros três. O ministro passou, então, a ser a voz presidencial também nos bastidores. Atuando como um advogado, fez um discurso alinhado com os outros dois generais-ministros, repetindo a fala do mandatário, de que, em nenhum momento o presidente teria dito que tinha interesse em interferir na superintendência da PF no Rio para proteger a sua família.
Por ter sido o coordenador do encontro do dia 22, o chefe da Casa Civil ministro foi apontado por Moro como testemunha no inquérito. Ser obrigado a depor como testemunha de um crime, era algo que ele não esperava para sua carreira, dizem aliados. Mas, como aceitou a missão de proteger o presidente, devia demonstrar essa lealdade. Em depoimento, repetiu que o presidente demonstrou que tinha o interesse em mudar sua equipe de segurança pessoal, não na Polícia Federal. Para quem assistiu aos vídeos da reunião ou leu as transcrições, está claro que Bolsonaro queria interferir na PF.
De olho no centro
No Congresso Nacional, há governistas que o chamam extraoficialmente de “o interventor”. Quase nenhuma decisão do Planalto é tomada sem o seu consentimento. Foram dele, por exemplo, três ideias prontamente acatadas por Bolsonaro: ceder aos encantos do Centrão, grupo fisiológico que passa pouco a pouco a ocupar cargos comissionados na gestão federal como estratégia para frear qualquer pedido de impeachment ou de investigação; a de colocar militares em postos-chave em ministérios, como o número dois e outros quatro diretores da Saúde; e a de centralizar as informações referentes ao enfrentamento da pandemia de covid-19 em seu gabinete no Palácio do Planalto.
O objetivo dessa última medida era tirar, em um primeiro momento, o foco do então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que, por defender ações embasadas na ciência no enfrentamento do vírus, acabou virando um antagonista de Bolsonaro, que é praticamente um negacionista da pandemia. Braga Netto, entretanto, foi um dos que seguraram Mandetta no cargo em ao menos duas ocasiões quando o presidente queria demiti-lo. E, por essa razão, tornou-se alvo da ala ideológica que dá suporte ao Governo Bolsonaro. Viu críticas em perfis nas redes sociais, vários deles robôs. Por outro lado, no WhatsApp circulava um áudio que foi atribuído a ele no qual o locutor defendia uma intervenção militar. Era fake news.
Com os atributos diplomáticos, Braga Netto tenta fazer uma ponte com o Congresso Nacional —ao contrário do seu colega de ministério Heleno, que tá criticou o Parlamento e o Centrão duramente. Ao longo das últimas semanas, seu objetivo era conseguir uma reaproximação de Bolsonaro com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), de quem desperta respeito e tem proximidade por conta dos diálogos que tiveram no período em que ele foi interventor no Rio. E conseguiu, quando Bolsonaro e Maia se reuniram em ao menos dois momentos recentes.
Na sexta-feira, em visita ao Congresso, demonstrou estar à vontade, mesmo diante de alguns opositores que lhe questionaram sobre a possibilidade de uma intervenção militar. Disse que o Governo do extremista Bolsonaro não é autoritário, mas democrático e de centro-direita. “O Governo é democrático, é um Governo de centro-direita. Isso é teoria conspiratória que não existe. Então, não há nada de golpe de Estado. Eu não sei de onde estão tirando essa ideia”, disse, enquanto seu chefe segue estimulando, sempre que pode, a base radical contra os demais poderes.
Blindagem
Para tentar proteger o Exército e evitar que acusassem a força de politização, pediu para se aposentar — entrar para a reserva — cinco meses antes do previsto. Ainda assim, é visto mais como militar do que como um político, apesar de ser um dos principais articuladores do Planalto. Apesar de aparentar ser rígido a desconhecidos e a alguns jornalistas — a quem já mandou estudarem determinados temas antes de fazerem perguntas e que limitava os questionamentos que poderiam ser feitos quando foi interventor federal no Rio — é descrito como afável por quem o cerca.
Dois oficiais que trabalharam com Braga Netto nos Comando Militar do Leste, no Rio, e do Oeste, em Campo Grande, dizem que ele costuma se cercar de pessoas preparadas e, mesmo discordando delas, ouve as suas ponderações. Algo raro no Palácio do Planalto.
Formado na turma de 1978 da Academia Militar dos Agulhas Negras (AMAN), o ministro-general percorreu caminhos diplomáticos para chegar ao atual cargo. Foi adido militar nas embaixadas de Washington e Varsóvia. Durante a gestão Dilma Rousseff (PT)/ Michel Temer (MDB), foi escolhido como o responsável pela segurança dos Jogos Olímpicos do Rio. E, quando se tornou o responsável por comandar a Polícia Civil, a Polícia Militar, os bombeiros e administração penitenciária do Rio, como interventor federal, aprofundou-se no conhecimento sobre milícia e o crime organizado fluminense. Tudo em um período de extrema crise, em que a gestão fluminense estava quebrada e envolta em uma série de escândalos de corrupção.
Na Casa Civil, conseguiu concentrar as principais ações de Governo ao comandar o gabinete de crise da covid-19. No vídeo da reunião do dia 22 de abril, ele dá a entender que sabe a gravidade do problema. Quando o presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, diz achar que o pico da pandemia já havia passado, Braga Netto responde: “É que o senhor não viu os números que vimos lá em cima”. No grupo para a crise, bancou a ideia de seu colega Ramos e decidiu que o Governo deveria passar a destacar o número de pessoas que foram curadas do coronavírus, não apenas dos mortos. A ideia pegou mal entre o público porque parecia que a gestão toda havia comprado o discurso de Bolsonaro e tinha começado a filtrar a informação mais grave, de que a cada dia cresce exponencialmente o número de mortos pela doença. Apesar do impacto negativo, a divulgação oficial permanece dessa maneira. Neste sábado, por exemplo, quando o país atingiu a marca de 347.398 diagnósticos de covid-19 e 22.013 óbitos confirmados, o Ministério da Saúde destacou que 142.587 vidas já foram salvas. A intervenção, agora, é pela narrativa.