Tratado firmado por Washington com insurgentes deixa apreensivas muitas mulheres afegãs, que temem retorno dos fundamentalistas ao poder e se veem divididas entre manter suas conquistas e garantir a paz na região.
Waslat Hasrat-Nazimi | Deutsch Welle
"Queremos paz e segurança no nosso país", diz Khadija, de 47 anos, que vive no distrito de Firozkoh, na província afegã ocidental de Ghor. "O Talibã e o governo do Afeganistão deveriam agora se reunir e promover a paz", acrescenta.
Jovem afegã mostra o rosto em público em novembro de 2001, depois do fim do regime talibã |
No sábado passado (29/02), os Estados Unidos e o Talibã assinaram um acordo histórico, que abriu caminho para o diálogo entre os insurgentes e o governo em Cabul. Mas a assinatura não acalmou totalmente a situação. O presidente Ashraf Ghani se recusou a soltar cerca de 5 mil prisioneiros talibãs, e o grupo extremista voltou a atacar as forças afegãs. O Pentágono, porém, insistiu nesta quinta-feira que o que foi acertado continua valendo.
As negociações ocorreram praticamente sem a participação das mulheres afegãs, vítimas de forte repressão na época do regime do grupo fundamentalista, antes de 2001. Nos cinco anos do governo do Talibã, meninas não podiam ir para a escola, e as mulheres eram impedidas de trabalhar fora de casa e obrigadas a vestir a burca sempre que deixassem sua residência – o que só podiam fazer acompanhadas de um homem da família.
Até agora, a participação das mulheres no processo de paz foi mínima, como ficou claro na cerimônia de assinatura do acordo, realizada em Doha – a delegação do presidente Ghani incluía apenas uma mulher. Assim, elas temem perder direitos com o retorno do Talibã.
"Acho que o acordo reflete sobretudo os interesses dos EUA e do Talibã em vez dos direitos do governo e do povo afegão e, em especial, das mulheres", comenta a ativista Halima Salimi.
A ampla maioria das mulheres afegãs não deseja voltar a ser governada pelo Talibã. Porém, a maioria certamente também deseja a paz depois de quase 19 anos de guerra. Muitas perderam o pai, o marido ou filhos nos confrontos. "Quantos homens jovens ainda precisam morrer?", comenta Mehri, uma idosa na província de Herat. "Os jovens deveriam estar ocupados com a sua educação."
"Na verdade, o caminho para a paz começa agora", afirma a ativista pela igualdade de direitos Masuda Sultan. "Os direitos das mulheres farão parte do diálogo intra-afegão", diz. Esse diálogo, que está marcado para começar na próxima terça-feira, colocará frente a frente líderes afegãos e ativistas, de um lado, e os talibãs, do outro. Segundo os EUA, os próprios afegãos deverão encontrar soluções – incluindo a questão dos direitos das mulheres.
Mas, se muitas mulheres afegãs querem a paz de todas as maneiras, outras não estão dispostas a ceder em seus direitos. "Nossas pesquisas mostram que aquelas que mais têm a perder são também as mais críticas em relação ao processo de paz", comenta a especialista Magdalena Kirchner, que chefia o escritório em Cabul da Fundação Friedrich Ebert. "As mulheres afegãs com mais elevado grau de instrução, que conquistaram muito, não querem ceder agora," diz.
Kirchner explica que os avanços que muitas mulheres conquistaram depois da queda do regime do Talibã não valem para todas as afegãs. Ela diz que os credores internacionais deveriam pressionar para que os direitos das mulheres fossem assegurados no país, para todas, no âmbito do processo de paz.
A grande maioria dos afegãos quer a paz, e 64% das pessoas ouvidas num levantamento feito pela Asia Foundation em 2019 apoiam a reconciliação com o Talibã. Porém, a definição de paz – e a que custo ela deve ser alcançada – varia de pessoa para pessoa.
"Estamos desesperadas por paz", comenta Fatima, uma dona de casa no distrito de Arghandab, na província de Kandahar, no sul do país. "Quem for chegar ao poder não importa. O que queremos é a paz", afirma.
Masuda Sultan, que participou de uma conversação com o Talibã, disse que foi tratada com respeito por eles. "Quando os encontrei, entendi que eles também são seres humanos, com sonhos e temores. Todas as partes querem a paz – uma espécie de cura para superar os danos psicológicos da guerra", diz ela. A oportunidade que o acordo de paz oferece não deve ser desperdiçada, acrescenta.
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