O general de Exército Walter Souza Braga Netto, que comandou em 2018 a intervenção federal do governo Michel Temer na segurança pública do Rio de Janeiro, foi anunciado como novo ministro chefe da Casa Civil do presidente Jair Bolsonaro, no lugar de Onyx Lorenzoni.
Mariana Schreiber | BBC News Brasil em Brasília
O anúncio foi feito por Bolsonaro no Twitter na tarde desta quinta-feira (13/02). A troca dá mais poder à ala militar do governo, grupo que havia perdido espaço para a ala mais ideológica ao longo do ano passado.
Braga Netto em foto de fevereiro de 2018, na ocasião da intervenção federal na segurança do Rio, no governo Temer | MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL |
Lorenzoni, que está afastado do seu mandato deputado federal (DEM-RS), vai continuar na Esplanada dos Ministérios, assumindo o comando da pasta da Cidadania, no lugar de Osmar Terra, também deputado gaúcho, mas pelo MDB.
Tradicionalmente, a Casa Civil é um dos ministérios mais importantes, atuando na coordenação das demais pastas e na articulação com o Congresso Nacional. No entanto, o órgão vinha sendo esvaziado no governo Bolsonaro desde junho, quando a responsabilidade pela negociação política foi transferida para a Secretaria de Governo, comanda pelo ministro general Luiz Eduardo Ramos.
No início desse mês, a Casa Civil também perdeu para o Ministério da Economia a coordenação do PPI (Programa de Parcerias e Investimentos), responsável por impulsionar obras de infraestrutura por meio de concessões à iniciativa privada.
O esvaziamento da pasta deixou evidente o enfraquecimento de Lorenzoni, que no início era homem forte do governo, tendo inclusive chefiado a equipe que coordenou a transição entre a administração Temer e a gestão Bolsonaro.
Ele perdeu prestígio devido ao desempenho considerado ruim na articulação política com o Congresso, mas o desgaste se intensificou no fim de janeiro, quando Vicente Santini, então secretário-executivo de Lorenzoni, usou um avião da Força Aérea Brasileira para ir da Suíça à Índia, para acompanhar viagem oficial de Bolsonaro — enquanto outros membros da comitiva optaram por voos de carreira. Santini foi exonerado do cargo.
Já Osmar Terra também sofreu desgaste depois que reportagens recentes do jornal O Estado de S. Paulo revelaram que o Ministério da Cidadania, sob seu comando, contratou serviços da empresa de tecnologia Business Technology (B2T), que é investigada pela Polícia Federal por supostos contratos fraudulentos com o governo federal entre 2016 e 2018, quando Temer (MDB) era presidente.
General 'durão'
Colegas de Braga Netto definem o novo ministro como respeitado pela tropa, "durão" e experiente. Quando foi nomeado para comandar a intervenção no Rio, Braga Netto passou a controlar a Polícia Civil, a Polícia Militar, os bombeiros e administração penitenciária do Estado. Naquele momento, ele era líder do Comando Militar do Leste (CML).
A intervenção foi anunciada em fevereiro de 2018 pelo então presidente Temer sem planejamento prévio, o que gerou resistência mesmo dentro das Forças Armadas. Nos pouco mais de dez meses em que o general comandou a segurança pública fluminense, o Estado registrou queda de roubos e aumento das mortes provocadas pela polícia.
A intervenção acabou em 31 de dezembro de 2018 sem que fosse solucionado o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), executada em março daquele ano.
"Fizemos uma choque de gestão muito baseado na meritrocracia. Eu praticamente não aceitei pedidos políticos. Se a pessoa tinha mérito, eu colocava no cargo. Se não tinha mérito, eu não colocava no cargo", disse o general em janeiro de 2019, em entrevista à TV Aparecida, sobre seu período no comando da intervenção.
Na ocasião, o general argumentou que houve aumento do "número de pessoas mortas em confronto com a polícia" porque criminosos reagiam às operações policiais, em vez de se entregar.
"Não é que nós demos autorização para matar, nada disso, simplesmente foi a metodologia empregada. Nós passamos a realizar os patrulhamentos em cima das manchas criminais. Um exemplo: eu sabia muito bem que quarta-feira, (às) tantas horas, aumentava o número de roubo de carro, ou roubo de carga, em determinado lugar, havia essa mancha (de crimes recorrentes). Aí você fazia uma operação conjunta (das polícias estaduais e Forças Armadas)", disse ao canal católico.
"O que ocorre é que o bandido no Rio tinha uma política de enfrentamento irracional. Ele estava às vezes cercado, com armamento pesado, e buscava o confronto. Mas a tropa estava adestrada e tinha muita tropa no local, Polícia Militar, Polícia Civil, o que fosse. Nessa postura irracional do bandido, se ele não se entregava, ele acabava morrendo. Essa (categoria de morte) aí realmente aumentou", completou.
Ao entregar o comando da segurança do Rio, Braga Netto deixou um plano de transição de seis meses para o novo governador do Estado, Wilson Witzel (PSC).
Na avaliação do Observatório da Intervenção, iniciativa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes (CESeC/Ucam), a atuação das Forças Armadas não trouxe melhorias estruturais para a segurança pública do Rio.
"Durante esses dez meses de 2018, não foram feitos investimentos significativos no combate aos grupos de milícias e à corrupção policial. A modernização da gestão das polícias também não foi priorizada — a renovação se restringiu à compra de equipamentos", destaca relatório do Observatório ao final da intervenção.
"Ao mesmo tempo, práticas violentas da polícia fluminense continuaram e se agravaram. Em vez de modernizar, reformar ou mudar, a intervenção levou ao extremo políticas que o Rio de Janeiro já conhecia: a abordagem dos problemas de violência e criminalidade a partir de uma lógica de guerra, baseada no uso de tropas de combate, ocupações de favelas e grandes operações", diz ainda o documento.
Antes de assumir a intervenção, o próprio general Braga Netto disse que via "com reservas" a atuação das Forças Armadas nos esforços de estabilização da segurança pública urbana.
Durante uma palestra em agosto de 2017 no Centro Cultural Justiça Federal, o militar afirmou que as operações do tipo Garantia de Lei e Ordem (GLO) têm alguma eficácia, mas um alto custo financeiro, social, logístico e até mesmo psicológico para as Forças Armadas, e seriam desnecessárias se os Estados tivessem políticas de segurança pública mais eficientes, segundo reportagem veiculada no portal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2).
Trajetória no Exército
No Exército desde 1975, Braga Netto atuou no Rio durante grande parte da sua carreira. Entre 2002 e 2004, ele foi comandante do 1º Regimento de Carros de Combate, quando o batalhão ainda estava instalado em solo carioca.
Em seu último ano no comando, foi iniciado o processo de transferência do grupo para Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Fora do Rio, Braga Netto comandou, também, a 5ª Brigada de Cavalaria Blindada, em Ponta Grossa, no Paraná.
Nascido em Belo Horizonte, o novo ministro de Bolsonaro é visto entre seus pares como um nome de "forte liderança" e "bem articulado". Parte da articulação pode ser atribuída aos "estágios" na área diplomática feitos pelo militar.
Quando ainda era coronel, Braga Netto ocupou o cargo de adido militar do Brasil na Polônia, entre os anos de 2005 e 2006. Depois, foi promovido a general de divisão ainda no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em novembro de 2009.
Em 2012, passou a ocupar a aditância militar nos Estados Unidos e Canadá — enquanto exercia o cargo em Washington, foi promovido a general de Exército. Pouco depois da promoção, em 2013, foi exonerado para, em maio, assumir a função de diretor de Educação Superior Militar, no Rio de Janeiro.
No mesmo ano, por decreto assinado pela então presidente Dilma Rousseff, o general recebeu o grau de Grande-Oficial da Ordem do Mérito Militar.
Ainda no Rio, Braga Netto foi o responsável pela segurança dos Jogos Olímpicos de 2016, antes de ser nomeado para assumir o Comando Militar do Leste.
Um oficial que serve no Rio descreveu Braga Netto à BBC News Brasil como um militar rígido, mas que não compartilha o pensamento "linha dura" de outros generais como Sérgio Etchegoyen, que chefiou o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência durante o governo Temer, ou Carlos Alberto dos Santos Cruz, que foi ministro de Bolsonaro até junho e hoje é rompido com o presidente.
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