Conflito entre americanos e Talibã no território afegão já dura mais de 18 anos.
Por G1
Os Estados Unidos e o Talibã assinaram neste sábado (29) em Doha, no Catar, um acordo que prevê a retirada completa, em 14 meses, das tropas americanas e da Otan do território do Afeganistão. Os EUA e o grupo islâmico estão em guerra, dentro do território afegão, desde 2001.
Abdul Ghani Baradar, líder da delegação do Talibã, e Zalmay Khalilzad, enviado dos EUA para a paz no Afeganistão, se cumprimentam depois de assinar acordo em Doha, no Catar, neste sábado (29). — Foto: Ibraheem al Omari/Reuters |
A retirada das tropas americanas do Afeganistão depende do cumprimento, pelo Talibã, de compromissos previstos no acordo. O líder da delegação do grupo, Abdul Ghani Baradar, declarou que o grupo está comprometido com o pacto firmado com os americanos.
Além da retirada das tropas, outros termos do acordo são, de acordo com a Reuters e a BBC:
Os EUA e a coalizão se comprometem a retirar, nos próximos quatro meses e meio (135 dias), soldados de 5 bases militares. Isso reduziria a força americana no Afeganistão de 13 mil para 8,6 mil soldados.
Os EUA também prometem trabalhar "com todos os lados relevantes" para libertar prisioneiros políticos e de combate.
Inicialmente, a Reuters informou que, até 10 de março, os americanos e o governo do Afeganistão iriam libertar até 5 mil prisioneiros, e o Talibã, até mil, mas, depois, a agência informou que o conselheiro nacional de segurança afegão, Hamdullah Mohib, declarou que o governo do país não fez esse comprometimento.
Os EUA planejam retirar sanções de membros do Talibã até agosto.
O Talibã, por sua vez, concordou em não permitir que a Al-Qaeda ou qualquer outro grupo extremista opere em áreas controladas por ele.
O texto foi assinado pelo enviado especial dos Estados Unidos para a paz no Afeganistão, Zalmay Khalilzad, e pelo líder da delegação do Talibã, Abdul Ghani Baradar.
O presidente afegão, Ashraf Ghani, que não estava em Doha para a assinatura e cujo governo não participou da conversa entre EUA e Talibã, declarou que alguns pontos no pacto entre Estados Unidos e Talibã precisarão de "consideração" e serão discutidos com o grupo islâmico. "Esperamos que o acordo leve a um cessar-fogo permanente", disse.
De acordo com observadores internacionais ouvidos pela RFI, a medida é um primeiro passo para encerrar a guerra mais longa da história americana e representa uma importante virada diplomática: o fim do intervencionismo dos Estados Unidos em todo o mundo. A retirada das tropas americanas também é uma promessa de campanha do presidente Donald Trump, que busca a reeleição em novembro.
Segundo a Reuters, em comunicados, os Estados Unidos se comprometeram a buscar apoio ao acordo junto ao Conselho de Segurança da ONU; a buscar financiamento anual para treinar, aconselhar e equipar forças de segurança afegãs; a supervisionar discussões de segurança entre o Afeganistão e o Paquistão; e a não usar a força contra a integridade territorial do Afeganistão, além de não interferir em assuntos domésticos. Não ficou claro, entretanto, se esses compromissos também fazem parte do acordo.
O governo do Afeganistão, por sua vez, se comprometeu em um empenho para retirar as sanções contra membros do Talibã até 29 de maio. Também não está claro se essa promessa faz parte do trato assinado neste sábado.
"Há muita especulação sobre o conteúdo do acordo", declarou Andrew Watkins, da organização internacional de prevenção de conflitos International Crisis Group, à RFI. "Conhecemos as principais linhas, mas nem sabemos ao certo se todos os termos do acordo serão tornados públicos", acrescentou.
A assinatura do trato ocorre após uma trégua parcial de uma semana no Afeganistão, para mostrar que o Talibã pode controlar suas forças. Autoridades afegãs, entretanto, afirmam que pelo menos 22 soldados e 14 civis morreram em ataques nesse período, segundo a BBC.
Em discurso durante a cerimônia, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, elogiou os esforços do grupo islâmico durante esse período.
"O Talibã mostrou, no período de redução de violência, que tem disposição de ser pacífico", declarou Pompeo.
"Continuem comprometidos com o acordo, sentem-se com o governo afegão, e a comunidade internacional estará pronta para retribuir", acrescentou o secretário de Estado, dirigindo-se ao grupo. Ele também pediu ao Talibã que cortasse os laços com a Al-Qaeda e mantivesse a luta contra o Estado Islâmico.
Ao mesmo tempo, disse que a paz iria requerer "trabalho e sacrifício de todos os lados", e frisou que os Estados Unidos precisavam garantir a segurança de seus aliados e ter certeza de que não teriam mais ameaças terroristas vindas do Afeganistão. "Nós faremos o que for necessário para proteger o nosso povo", declarou.
'A paz é longa e dura', diz Otan
Em paralelo, durante uma coletiva em Cabul, no Afeganistão, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, afirmou que a aliança apoia o acordo e está preparada para "ajustar e reduzir" sua presença no país. No entanto, ele também frisou que, se a situação na região piorar, os aliados podem voltar a aumentar sua atuação.
"A paz é longa e dura e precisamos nos preparar para retrocessos e dificuldades", declarou Stoltenberg.
Também participaram da coletiva o presidente afegão, Ashraf Ghani, e o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Mark Esper.
"Esse é só o começo, e o caminho à frente não será fácil", disse Esper.
Ele afirmou que os EUA e seus aliados estão comprometidos com o relacionamento com as forças de segurança do Afeganistão, e, ainda, que "o acordo com o Talibã abre caminho para negociações dentro do Afeganistão de forma que um cessar-fogo permanente e abrangente seja alcançado", disse.
Invasão
As forças armadas dos EUA estão no Afeganistão desde 7 de outubro de 2001, quando invadiram o país em resposta aos ataques de 11 de setembro.
Naquela época, o Talibã, grupo islâmico radical então liderado por Mohammed Omar, controlava 90% do Afeganistão, embora nunca tenha sido reconhecido como governo pela ONU. Os únicos países que reconheciam a autoridade dos talibãs eram Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Paquistão.
O presidente americano era então George W. Bush, que ordenou a invasão depois que o Talibã se recusou a entregar Osama bin Laden, arquiteto do atentado às Torres Gêmeas. O Paquistão e Arábia Saudita se tornaram aliados regionais dos EUA, e os talibãs passaram à luta armada contra os americanos e o novo governo afegão constituído.
Bin Laden morreu em 2011 em uma operação dos Estados Unidos no Paquistão.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 100 mil civis foram mortos ou feridos no conflito apenas na última década. Desde o início dos conflitos, os EUA gastaram cerca de US$ 1 trilhão (R$ 4,5 trilhões) em despesas militares no Afeganistão.
Processo difícil
Em sua campanha, Trump prometeu várias vezes trazer as tropas de volta aos EUA e acabar com as "guerras estúpidas". Em comunicado divulgado na sexta-feira (28), Trump lembrou da promessa e afirmou que "estamos fazendo progresso substancial em relação a essa promessa".
"Se o Talibã e o governo do Afeganistão cumprirem esses compromissos, teremos um caminho poderoso para terminar a guerra no Afeganistão e trazer nossas tropas para casa. Esses compromissos representam um passo importante para uma paz duradoura em um novo Afeganistão, livre da Al-Qaeda, do Estado Islâmico e de qualquer outro grupo terrorista que queira nos fazer mal. Por fim, caberá ao povo do Afeganistão construir seu futuro. Por isso, exortamos o povo afegão a aproveitar esta oportunidade de paz e um novo futuro para seu país", disse o presidente americano.
Mas o processo passou por dias difíceis, com nove rodadas de negociações em Doha. Desde 2011, o Catar abriga líderes do Talibã que se mudaram para lá para discutir a paz no Afeganistão. Em 2013, o grupo abriu um escritório lá, que acabou sendo fechado no mesmo ano por causa de uma disputa envolvendo bandeiras, segundo a BBC.
Cinco anos depois, em dezembro de 2018, os talibãs anunciaram que se encontrariam com autoridades americanas para tentar achar uma "rota para a paz". Mas o grupo continuou se recusando a ter conversas oficiais com o governo afegão, que classificou como "marionete" americana. A falta de confiança entre o governo e o Talibã alimenta o clima de crise política.
Em setembro do ano passado, então, os EUA anunciaram que retirariam 5,4 mil soldados do Afeganistão em 20 semanas (cerca de 5 meses), como parte de um trato acordado "em princípio" com os talibãs.
Dias depois, entretanto, Trump disse as conversas estavam "mortas", depois que o grupo matou um soldado americano. Mas dentro de semanas ambos os lados retomaram as conversas nos bastidores, diz a BBC.
Mais recentemente, Washington declarou ter "preocupações" sobre o pleito que reelegeu Ashraf Ghani, no poder desde 2014.
Já do lado dos talibãs, o vice-comandante do grupo, Sirajuddin Haqqani, escreveu no "New York Times" na semana passada que "todo mundo está cansado da guerra".
Livro - O Afeganistão depois do Talibã: Onze histórias afegãs do 11 de Setembro e a década do terror |