Elite militar brasileira vê França como ameaça nos próximos 20 anos - Notícias Militares

Breaking News

Post Top Ad

Responsive Ads Here

Post Top Ad

Responsive Ads Here

07 fevereiro 2020

Elite militar brasileira vê França como ameaça nos próximos 20 anos

Minuta secreta vê guerra pela Amazônia, base americana, ação chinesa e até terror no Rock in Rio


Igor Gielow | Folha de S.Paulo


A França, com sua renovada defesa da internacionalização da Amazônia, tomou o centro das preocupações da elite militar brasileira como principal fonte de ameaça estratégica para o país nos próximos 20 anos.

Emmanuel Macron e Jair Bolsonaro durante encontro na reunião do G20 em Osaka, em 2019
Emmanuel Macron e Jair Bolsonaro | Jacques Witt / AFP

A visão foi colhida pelo Ministério da Defesa com 500 entrevistados em 11 reuniões no segundo semestre de 2019.

Trata-se da minuta sigilosa "Cenários de Defesa 2040", à qual a Folha teve acesso. Ela ajuda a embasar a revisão em curso da Estratégia Nacional de Defesa, a ser enviada ao Congresso até junho.

Suas visões poderão ou não ser acatadas pela pasta, mas traduzem um sentimento médio entre o oficialato — as reuniões ocorreram em comandos militares, organizadas pela Escola Superior de Guerra.

A pasta diz que falou com pessoas do "âmbito interno e externo". Segundo envolvidos no processo, militares são a maioria absoluta dos ouvidos.

O texto de 45 páginas traz considerações geopolíticas realistas e hipóteses algo delirantes. Ali, há a previsão da instalação de bases americanas no Brasil, guerras e até o ataque com um coronavírus contra o Rock in Rio de 2039.

Os cenários gerais são quatro: alinhamento automático do Brasil aos Estados Unidos com ou sem restrições orçamentárias para defesa, e relacionamento global do país, também em versões verbas fartas ou exíguas.

A única ameaça constante em todas as hipóteses é a França, reflexo do embate entre Bolsonaro e o presidente Emmanuel Macron no segundo semestre de 2019, quando o francês sugeriu a internacionalização da Amazônia ante a crise dos incêndios na região.

A floresta está no coração do pensamento militar local. O livro "Aspectos Geográficos Sul-Americanos" (1931), do capitão do Exército Mário Travassos (1891-1973), consolidou a geopolítica do "integrar para não entregar" dos quartéis.

Segundo um dos cenários descritos, em 2035 Paris "formalizou pedido de intervenção das Nações Unidas na Região Ianomâmi, anunciando o seu irrestrito apoio ao movimento de emancipação daquele povo indígena" e, dois anos depois, "mobilizou um grande efetivo suas forças armadas, posicionando-os na Guiana Francesa".

O texto se furta a dizer o que aconteceria se os países fossem às vias de fato, contudo. Nos anos 1960, os países se estranharam numa questão pesqueira, a chamada Guerra da Lagosta.

A minuta ignora que a França é a principal parceira militar do Brasil, com quem tem um amplo acordo para produção de submarinos e helicópteros.

O atual espectro da região, a ditadura chavista da Venezuela, recebe tratamento diverso. Em uma simulação realista, o país aproveita os mísseis balísticos que recebeu da Rússia e da China e invade a vizinha República da Guiana (antiga Guiana Britânica) atrás de territórios que disputa.

A briga desanda para Roraima, o que obriga a entrada do Brasil no conflito — o desfecho não é dado, mas aparentemente somos salvos pelo "escudo antimíssil, sistema desenvolvido pelo Brasil, com apoio israelense e material norte-americano".

Já em outros cenários, há uma pacificação da crise venezuelana, com ou sem os brasileiros na equação.
A índole pacífica do Brasil, que não se envolve em conflitos na região desde a Guerra do Paraguai (1865-70), só é mantida em um dos quatro cenários, aquele no qual falta orçamento e o país busca equidistância dos EUA e da China.

Nos demais, além dos embates com franceses e venezuelanos, é antevista uma intervenção militar brasileira em Santa Cruz de la Sierra após o governo da Bolívia expulsar fazendeiros brasileiros.

A continuada crise da Argentina é vista como superada no documento, mas o antigo adversário geopolítico do Brasil não é visto como ameaça exceto quando tenta instalar uma base militar chinesa em seu território em 2034. Brasília demove Buenos Aires da ideia diplomaticamente.

Por outro lado, o Itamaraty é visto como mediador de guerras entre Bolívia e Chile e entre Colômbia e Venezuela.

Num registro mais concreto, a questão dos crimes transnacionais ligados ao tráfico de drogas está presente nas preocupações, assim como a militarização do Atlântico Sul.

Aqui, avanço chinês na área com a ampliação de sua instalação na Namíbia e a previsão do estabelecimento da maior força do Hemisfério Sul na forma de uma base da Otan (aliança militar ocidental) em São Tomé e Príncipe não são hipóteses irrealistas.

A dicotomia de um mundo em que a China ascendente desafia os EUA é onipresente. Pequim já tem forte presença econômica no Brasil e vizinhos. Mas o fato de estarmos próximos da maior potência militar do mundo leva à sua preponderância natural.

Mas o texto deixa claro que isso foi reforçado pelo "alinhamento iniciado em 2019" pelo governo de Jair Bolsonaro.

Isso é descrito como uma vantagem competitiva para os militares no caso de haver orçamento farto. Aí, é vista a compra de um porta-aviões com sete navios de escolta para a sonhada 2ª Esquadra, baseada no Maranhão.

Curiosamente, o texto diz que será possível "modernizar a frota de aviões de patrulha" com a aquisição de oito modelos P-3 Orion em 2029 — o avião já é ultrapassado hoje.

Já o submarino nuclear brasileiro poderia estar operacional em 2035, e um segundo talvez fosse lançado ao mar, nessa visão muito otimista.

Ao mesmo tempo, no caso de os brasileiros estarem sob estiagem econômica, a instalação de bases americanas no país e em vizinhos é prevista, assim como o "fortalecimento da Quarta Frota" da Marinha dos EUA, que cobre a região.

A questão econômica permeia o texto e reflete demandas usuais dos militares. O orçamento de 2020, na casa dos R$ 80 bilhões, é o menor em 15 anos, e aproximadamente 80% do valor vai para pessoal.

Bolsonaro, capitão do Exército reformado, preservou contudo programas específicos, encaminhou uma reforma de carreira há muito desejada pelos militares e faz gestos à categoria. Nesta sexta (7), será recriada a 6ª Divisão do Exército, seis anos após ser fechada.

Não são elaborados no texto riscos terroristas de adversários dos EUA no Brasil, cortesia de tal alinhamento.

Quando o texto se dá a fazer leituras políticas, há platitudes: governos estáveis com economia em ordem permitem avançar iniciativas militares, do contrário as Forças Armadas são usadas para conter crises na área da segurança.

Duas curiosidades ecoam discursos bolsonaristas. O voto impresso é visto como tão decisivo quanto o distrital para melhorar a política.

E, num cenário, dois ministros do Supremo são presos por corrupção, resultado de reformas do Código Penal sob o "governo Maria Fernanda", daqui a 15 anos. Já o Ministério da Segurança Pública, objeto de polêmica há duas semanas, seria recriado só após crise em 2031.

Há saborosos voos de imaginação. Num deles, a pujança brasileira leva à irritação de ultranacionalistas do Sudeste Asiático, que espalha, o coronavírus que provoca a Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave) durante a edição do Rock in Rio 19 anos à frente.

Noutro, um terrorista envia o bacilo antraz em cartas para o ministro da Defesa em 2039, como ocorreu nos EUA após o 11 de Setembro de 2001. Cartas físicas daqui a quase 20 anos não sugerem um exercício arguto de futurologia.

Ainda na linha de paranoia ambiental, "atentado terrorista do grupo ambientalista Nature, realizado em Belém em 2037 contra a empresa norueguesa que explora alumínio na região, levou à morte de dezenas de brasileiros".

No Brasil, historicamente o Exército era o responsável por esse tipo de estudo. É a primeira vez que o Ministério da Defesa elabora algo nesta linha —em 2017, publicou cenários com afirmações gerais e abordagem mais científica.

A minuta não especifica métodos. "O arranjo metodológico para composição de um texto flexível utilizou técnicas e métodos qualitativos", disse o ministério, em nota.

A Folha enviou o texto para o especialista Vinicius Mariano de Carvalho, professor no Brazil Institute e no Departamento de Estudos da Guerra do King´s College, de Londres.

Ele preferiu não comentar os cenários em si, mas apontou algumas dúvidas. "Seria relevante haver transparência acerca da metodologia aplicada e sobre que pesquisadores participaram. A leitura não parece trazer a perspectiva das três Forças de forma equilibrada. Sugere uma preponderância de uma voz", afirmou.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Post Top Ad

Responsive Ads Here