Apesar das ameaças turcas, o Exército sírio, com o apoio de Moscou, avança na província de Idlib e conquista novos territórios. A Turquia já teria poucas chances de forçar o Exército de Assad a retroceder, mas será que poderia pressionar a Rússia a atender às suas demandas?
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Analista do Centro Carnegie de Moscou, Aleksei Khlebnikov, avaliou em artigo publicado nesta quarta-feira (19) quais as perspectivas da aliança diplomática entre Ancara e Moscou sobreviver a mais esse desafio.
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Nas últimas semanas, o avanço das Forças Armadas sírias na província de Idlib, que retomaram centenas de povoados e cidades e o controle da rodovia M5, geraram a "mais aguda crise diplomática entre Moscou e Ancara desde 2015", quando a Turquia abateu um caça-bombardeiro Su-24 da Rússia.
O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, ameaça lançar uma ofensiva contra a província "a qualquer momento". A Síria declarou, nesta quinta-feira (20), que considerará uma eventual operação de Ancara como "invasão" de seu território.
A Rússia não pode deixar Damasco à mercê de Ancara, mas também não tem interesse em um confronto direto com as forças turcas, explicou Khlebnikov.
As relações entre a Turquia e a Rússia avançaram significativamente nos últimos anos, e hoje englobam temas como energia nuclear, fornecimento de armamentos e o processo de paz na Líbia. Mas, para o analista, é na Síria que será definido o futuro dessa amizade.
O que aconteceu?
Em setembro de 2018, Moscou e Ancara selaram um acordo sobre a província de Idlib, segundo o qual a Turquia se comprometeu a discriminar os grupos oposicionistas, separando os grupos moderados dos radicais. Ancara também iria se abster de realizar ataques contra forças sírias e contra a base aérea russa de Hmeymim.
Na ocasião as partes acordaram a criação de uma zona desmilitarizada e a retomada do tráfego nas rodovias M4 e M5, que ligam as duas maiores cidades da Síria, Aleppo e Damasco.
Apesar do acordo de 2018 ainda estar em vigor, as "partes acusam-se mutuamente de descumprir suas provisões", escreveu o analista.
A Turquia, assim como alguns países ocidentais, está insatisfeita porque, desde o início de 2019, Damasco realiza incursões na província síria de Idlib com o apoio da Força Aérea russa.
Moscou afirma estar lutando contra grupos terroristas, que usam a região como base para realizar ataques contra forças russas e sírias.
A Turquia também acusa Moscou de "não controlar o seu aliado, Damasco, que estaria agindo em violação das regras do cessar-fogo" na região.
A situação se complicou ainda mais na virada do ano, quando surgiram informações sobre confrontos diretos entre Damasco e Turquia, deixando inclusive baixas do lado turco.
Desafios Internos
Para o analista, é improvável que a Turquia inicie um conflito direto de larga escala com as Forças Armadas sírias em Idlib. Isso geraria um aumento no fluxo de moradores da província para a Turquia, que já recebeu cerca de 3,5 milhões de refugiados.
A questão dos refugiados já se tornou um problema econômico e social para Ancara. O governo de Erdogan também deve ser cauteloso, uma vez que sofreu um revés nas últimas eleições na maior cidade da Turquia, Istambul.
A administração Erdogan terá que pensar bem antes de iniciar uma terceira operação militar, uma vez que já conduz uma na Líbia e outra na região nordeste da Síria, onde luta contra forças curdas. Nesse contexto, Idlib pode não ser uma prioridade para Ancara.
Pressão sobre Moscou
Apesar dos desafios internos, a Turquia dispõe de alguns instrumentos para exercer pressão sobre Moscou. Sendo membro da OTAN, Ancara sempre tem a possibilidade de se voltar para o seu aliado, os EUA, e solicitar que "Washington desempenhe um papel de contrapeso na Síria".
Caso apele à Casa Branca, Ancara poderia criar sérias limitações para o aliado de Moscou, Damasco. No entanto, a última visita do representante especial dos EUA, James Jeffrey, à Turquia não produziu resultados, lembra o especialista.
Outra opção mais arriscada seria a Turquia ocupar definitivamente a região norte da província de Idlib, para utilizá-la como moeda de troca em suas negociações com Damasco e Moscou. Neste caso, o analista acredita que só restaria a Moscou esperar que a Turquia não esteja disposta a acabar com anos de parceria por causa de Idlib.
E agora?
Existe uma grande probabilidade das Forças Armadas sírias, com o apoio da aviação russa, consolidarem o seu controle dos territórios ao longo das rodovias M4 e M5, restaurando assim a ligação entre as suas duas maiores cidades, objetivo mais vital do que o controle de Idlib.
A Turquia também deve continuar a reforçar a sua presença militar na província, a fim de evitar que Damasco se aproxime de Idlib e, portanto, da fronteira com a Turquia.
O analista alerta que é necessário considerar que as declarações mais acaloradas do presidente Erdogan são dirigidas ao público interno.
Rússia e Turquia estão engajadas em diálogo constante para encontrar uma solução para a crise. "Uma delegação russa, chefiada pelo vice-ministro das Relações Exteriores, Sergei Vershinin, e pelo representante especial da Presidência, Aleksandr Lavrentyev, se reuniu com seus colegas turcos em três rodadas de negociações – em 8, 10 e 18 de fevereiro", informou o analista.
Em crises anteriores, os presidentes da Turquia e da Rússia tomaram a dianteira e optaram por gerir esses momentos de crise aguda pessoalmente, lembrou Khlebnikov.
Em 4 e 12 de fevereiro, os presidentes discutiram a situação na província por telefone e se comprometeram a implementar os acordos firmados em 2018.
Para Khlebnikov, tudo indica que os presidentes irão se encarregar de resolver mais esta crise. O chanceler turco, Mevlut Cavusoglu, declarou após a sua mais recente visita a Moscou, em 18 de fevereiro, que, caso uma solução não seja encontrada, será necessário realizar uma reunião no mais alto nível.
A questão agora é em quanto tempo as partes poderão resolver o conflito. Os dois lados devem se "ajustar às novas realidades no terreno": uma nova zona de controle do Exército sírio demanda a delimitação de uma nova zona de desescalada.
Rússia e a Turquia continuam a negociar, já que ambos têm interesse em selar um acordo e manter a parceria. Mas isso não significa que coordenar os interesses de ambos seja tarefa fácil.
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